Como ele se tornou um dos homens mais influentes do mundo. Bem-vindos a Zuckerbergrado
Aos 20 anos lançava, a partir do seu dormitório em Harvard, aquela que viria a ser a maior rede social do mundo. Aos 34, tem uma fortuna avaliada em 55 mil milhões de dólares e vê o seu Facebook influenciar a forma como o mundo gira.
Corpo do artigo
Quando, há 15 anos, Mark Zuckerberg lançou, em Harvard, aquilo que hoje em dia conhecemos como Facebook, estaria longe de pensar que esta rede social - "A" rede social - se tornaria muito mais do que uma forma de manter o contacto entre amigos.
Na última década e meia, o Facebook cresceu a uma velocidade que só a Internet poderia permitir a uma empresa. Atingiu sem grandes dificuldades - mas com várias polémicas pelo meio -, mais de dois mil e 300 milhões de utilizadores, isto segundo os números relativos à primeira metade de 2018.
O fenómeno de popularidade e a criação de uma rede planetária de contactos tem sido alvo de várias análises, estudos, artigos, reportagens e até mesmo filmes. "A Rede Social", filme de 2010 que conta a história de como Zuckerberg lançou o Facebook, celebrizou uma frase que ainda não perdeu o sentido, aliás, até ganhou mais alguns desde aí: "Não chegas aos 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos."
Diz-me quem és, digo-te em quem votas
Em 2016, Trump vencia as presidenciais norte-americanas, ganhando a corrida à Casa Branca frente a Hillary Clinton. Dois anos depois, o mundo conhecia dois nomes que viriam a colocar em causa tudo o que se teria passado nesse período eleitoral: os de Cristopher Wylie e, principalmente, da Cambridge Analytica.
Esta empresa britânica era um ramo da Strategic Communication Laboratories Group e nasceu em 2014. Prometia aos seus clientes uma forma de catalogar os perfis psicológicos dos eleitores americanos, permitindo perceber o que agradava a cada pessoa e como é que isso se relacionava com a sua visão política. Para um país com 320 milhões de habitantes como os Estados Unidos, a proposta era tentadora.
Entra na história Cristopher Wylie, um dos cofundadores da empresa. Em 2018, o The New York Times e o The Guardian noticiavam que a Cambridge Analytica acedeu à informação pessoal de mais de 50 milhões de utilizadores do Facebook, sem a permissão destes. A notícia ganhava especial dimensão porque, segundo a mesma investigação, a empresa tinha sido contratada pela campanha de Trump.
A Cambridge tinha conseguido acesso às informações de 270 mil pessoas que descarregaram uma alegada aplicação (app) descrita como um teste de personalidade. Wylie revelou que esta foi capaz de obter informação de dezenas de milhões de outros utilizadores que eram amigos dos que descarregaram a app e ficou conhecido como o whistleblower - o denunciante.
O Facebook ficou a saber da quebra de segurança ainda em 2016, mas não revelou que tinha conhecimento da mesma. Em março de 2018, revelava também que tinha recebido um relatório que revelava que a Cambridge Analytica não tinha apagado toda a informação que tinha obtido, apesar de ter garantido ao Facebook que o tinha feito.
Zuckerberg pediu desculpa por tudo isto na CNN, em direto, lamentando o "problema", "erro" e a "quebra de confiança." Contudo, o escândalo já tinha rebentado e o CEO do Facebook precisava de colocar trancas à porta de uma casa que já tinha sido roubada. Ainda assim, o Facebook lembrou que tinham sido os utilizadores quem autorizou o acesso a estas informações, ao permitir à app em questão que pudesse aceder aos perfis dos visados.
Na ressaca, a rede social reviu e reorganizou as opções de privacidade, procurando torná-las mais simples e intuitivas. Ao mesmo tempo, instava os utilizadores a reverem os parâmetros dos seus perfis, pedindo-lhes que tivessem atenção ao que partilhavam. No meio de tudo isto, tanto a Cambridge como Wylie foram "apagados" do Facebook.
Em abril, foi a vez do Senado ouvir Zuckerberg na primeira pessoa: numa das audiências com mais impacto de sempre, o CEO do Facebook classificou como um erro pessoal não ter feito o suficiente para impedir que a sua rede social pudesse ser usada com fins nefastos. "Isto é válido para fake news, intervenção estrangeira em eleições e discurso de ódio", disse, reforçando o pedido de desculpas que já tinha feito na CNN. "Foi um erro meu e peço desculpa por ele. Eu comecei o Facebook, administro-o e sou responsável pelo que acontece cá dentro."
O "Whats" de Bolsonaro
Mais abaixo, na América do Sul, o Brasil preparava-se para ir a votos em outubro. Bolsonaro e Haddad partiam como grandes favoritos à vitória, algo que ficou confirmado quando os dois foram escolhidos para concorrer na segunda volta. O que é que este ato eleitoral tem a ver com Zuckerberg e com o Facebook? O elo que os liga: o Whatsapp.
A app de mensagens instantâneas é propriedade do Facebook - e consequentemente de Zuckerberg - desde 2014, quando o Whatsapp foi comprado por 19 mil milhões de dólares. Foi precisamente nesta (quase) rede social que a entourage de Bolsonaro teve um dos seus principais de comunicação. Pelos chats circulavam links para fake news, campanhas anti-PT, montagens e vídeos sobre o que seriam as "mentiras" de Haddad e do seu partido. Até aqui, nada de ilegal.
O problema surgiu quando a Folha de São Paulo revelou que várias empresas estavam a comprar pacotes de difusão em massa de mensagens no WhatsApp, um contrato de 12 milhões de reais. Esta sim era uma prática ilegal, uma vez que se tratava de uma doação (ainda que indireta) para a campanha por parte de empresas - algo proibido pela lei eleitoral - e que não era declarada.
Com 120 milhões de utilizadores no Brasil, o Whatsapp era o instrumento perfeito para tornar conteúdos virais no Brasil. A juntar a este número, uma sondagem da Datafolha revelava que 6 em cada 10 eleitores de Bolsonaro afirmavam ler notícias partilhadas na app.
O Partido dos Trabalhadores interpôs uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil para que a situação fosse investigada. Na reação, Bolsonaro disse em entrevista ao portal de notícias O Antagonista que não tinham controlo sobre o que faziam os seus apoiantes.
Indiretamente, Zuckerberg aparecia ligado a mais um escândalo relacionado com eleições, desta vez fora dos Estados Unidos e do Facebook, mas dentro do seu "reino". A reação do WhatsApp não se fez esperar e os gestores da aplicação tomaram a decisão de reduzir para cinco o número de reencaminhamentos de mensagens possíveis. Assim, procuravam colocar um travão na viralização de mensagens e desinformação, combatendo aquilo a que chamamos de fake news.
Como termo de comparação, antes era possível reencaminhar mensagens para 256 pessoas.
A autoestrada da (des)informação
As redes sociais trouxeram a capacidade de partilhar conteúdos com velocidade, instantaneidade, viralidade, mas há algo que tem sido colocado em causa: a veracidade. A expressão fake news é cada vez mais ouvida, escrita e dita. Numa tradução literal, significa notícias falsas, algo que acaba por ser paradoxal. Se algo é falso, não pode ser notícia... mas é vendido como tal.
A universalidade do Facebook permite que qualquer pessoa possa criar ou partilhar qualquer tipo de conteúdo, apresentando-o até como "oficial", caso pretenda. Com base nessa premissa, têm proliferado pela internet várias páginas que se apresentam como órgãos de comunicação e que são, na verdade, centros de distribuição de conteúdo inventado e vendido como informativo.
Trump, por exemplo, é um dos utilizadores mais ávidos da expressão: usa-a para referir-se a notícias "negativas" sobre o próprio.
IOEGidpQ6ho
O presidente norte-americano popularizou a expressão, mas é nas redes sociais - em especial no Facebook - que ganha forma. Títulos em maiúsculas, clickbait - o apelo descarado ao clique, muitas vezes prometendo informação bombástica -, muitas vezes acompanhados de montagens e com um propósito principal: viralizar.
A velocidade a que os conteúdos se espalham nas redes sociais é um fator crítico para o fenómeno das fake news: quanto mais controversas e "atuais" forem, mais depressa viralizam, chegando mesmo a adquirir uma dimensão maior do que as notícias verdadeiras.
Esta realidade tem obrigado os órgãos de comunicação social a aplicarem-se a fundo no que diz respeito às redes sociais, partilhando com mais velocidade do que nunca os conteúdos que produzem. O clickbait é uma das armas que tem passado para o lado "verdadeiro" da barricada, algo que acaba por colocar a informação e o trabalho jornalístico em risco no que às redes sociais diz respeito. A guerra de audiências e cliques, tem obrigado os meios de comunicação a recorrer a táticas cada vez mais agressivas para garantirem que são os primeiros a dar uma notícia ou, por outro lado, para saberem que o seu texto é o mais lido.
Quinze anos depois, o sonho que Zuckerberg teve na faculdade tornou-se numa ferramenta de diversão, trabalho, negócio e - há até quem diga - de engenharia social. Zuckerberg já enfrentou o julgamento da sociedade, do Senado e, por exemplo, da UE, mas o Facebook continua a crescer: o número de utilizadores aumentou 9% no último ano, para os 2 mil e 300 milhões de utilizadores e o retorno financeiro da publicidade subiu em 30%.