Há que "prevenir ruídos e equívocos produzidos por formas de linguagem inúteis"
António Henriques Gaspar pede aos magistrados que decidam com "coragem tranquila, se necessário contra as novas multidões que não estão já na rua, mas nas novas formas de comunicação".
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O presidente do Supremo Tribunal de Justiça defende que o "juiz só será respeitado se respeitar", rejeitando "ruídos e equívocos produzidos por formas de linguagem acessórias e inúteis".
Em discurso na abertura do ano judicial, António Henriques Gaspar falou ainda da imparcialidade como forma de "compreensão da distância entre o juiz e a política, entre o juiz e o militantismo e entre o juiz e a opinião pública", considerando que "aqui, as aparências contam muito" e que "a expressão de preconceitos ou pré-juízos afeta a imparcialidade".
"É dever dos magistrados prevenir o ruído e os equívocos produzidos por formas de linguagem acessórias e inúteis, que estão aquém ou vão além da autonomia da liberdade de expressão funcional. É dever, também, decidir com a coragem tranquila, se necessário contra as novas multidões que não estão já na rua, mas nas novas formas de comunicação", sustentou.
Na sua intervenção, o presidente do STJ disse que é preciso "evitar a política criminal "à flor da pele", condicionada por "pressões que têm assinatura", e criticou a "expansão absurda" do regime das contraordenações.
Considerou ainda importante refletir sobre o perigo do excesso de retórica à volta da chamada "criminalidade económica", alegando que, "além do ruído, sobra uma noção sem muito conteúdo, quando as conceções da nova economia financeira lançam para o lixo crimes com bens jurídicos sedimentados e impõem ao legislador a fuga para o mundo das contraordenações".
O juiz conselheiro defendeu que é preciso terminar a discussão estatutária dos magistrados e garantir um "estatuto decente", alertando que "todas são questões políticas centrais que ultrapassam a capacidade de intervenção da justiça" e só podem ter "uma resposta política".
"Não podemos é permanecer na tranquilidade do fingimento de que não existem", acrescentou.
Reconsiderar a organização das vias de recurso para os processos civil e penal e reinventar métodos que permitam, com os cerca de 60 milhões de euros que o Estado gasta a cada ano, o patrocínio efetivo no apoio judiciário, foram outros desafios lançados por Henriques Gaspar.
Numa alusão ao Pacto de Justiça, o presidente do STJ lembrou que "o exercício tem de ser continuado, para definir um método de análise do resultado que permita dar-lhe coerência intra-sistemática", dizendo que é agora o momento das instituições olharem sobre o conjunto, "para além das ideias avulsas ou de sugestões pragmáticas que nascem da circunstância e na circunstância e têm de ser resolvidas".
No seu discurso, o magistrado criticou a "corrida a formas de justiça privada e do apoio político que a acompanha, sem estudos de consequência nem preocupações sobre o risco" das mesmas.
Com fatores positivos apontou as taxas de resolução e recuperação dos processos os tribunais, dizendo que, na nova organização judiciária, "a gestão e o modelo estão a responder bem".
Porém, referiu que falta um estudo completo sobre a confiança dos cidadãos na sua justiça, análise que está a ser feita pelo Conselho Superior da Magistratura, Procuradoria-Geral da República e Ordem dos Advogados.
Leia aqui tudo sobre a sessão de abertura do novo ano judicial