Médicos, investigadores e especialistas na área dos comportamentos aditivos subscrevem carta aberta dirigida aos partidos, para que avancem "rapidamente" para o enquadramento legal.
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Na semana em que o parlamento volta a discutir a legalização do uso da canábis para fins medicinais, um grupo de mais de 60 médicos, enfermeiros, professores, investigadores ou especialistas na área dos comportamentos aditivos subscreveram uma carta aberta em que pedem aos partidos que "tornem esta medida possível".
"Consideramos que a legalização da canábis para fins medicinais deve avançar rapidamente e tornar-se uma realidade em Portugal. É uma medida eficaz e segura, baseada em evidência científica e na experiência internacional, que irá acrescentar uma opção importante ao arsenal terapêutico disponível", pode ler-se no texto a que a TSF teve acesso.
A carta é assinada por nomes como José Aranda da Silva, ex-presidente do Infarmed; João Semedo, médico e ex-deputado do Bloco de Esquerda; João Lavinha, antigo presidente do Instituto Ricardo Jorge; Rui Moreno, diretor da Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos do Hospital de São José; ou Jorge Espírito Santo, médico oncologista e ex-diretor do Serviço de Oncologia do Hospital do Barreiro.
"É uma tomada de posição pública de cidadãos interessados em poder usar a canábis para fins medicinais. No meu caso, enquanto oncologista, eu estou interessado em poder usar alguns destes compostos da canábis, porque o uso de alguns destes compostos tem benefícios para os doentes", diz Jorge Espírito Santo, que sublinha que o objetivo da carta aberta é chamar a atenção dos deputados para os benefícios "comprovados" do uso desta substância.
Em entrevista à TSF, o médico oncologista defende ainda que os ganhos com a utilização da canábis medicinal não se verificam apenas em doentes oncológicos, mas também na área das "doenças neurodegenerativas" ou, por exemplo, em casos de "caquexia", "depressões" ou, até, "insónias".
Uma ideia defendida também pelo antigo presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), Aranda da Silva, que considera importante que, nesta matéria, Portugal não seja um país "atrasado" e se siga os exemplos de outros países.
"A canábis para fins medicinais é utilizada nos Estados Unidos e em vários países europeus, e, em Portugal, é uma situação que não está perfeitamente analisada. Para que se tenha uma ideia, há medicamentos com componentes da canábis que já foram aprovados pela Agência Europeia do Medicamento. São substâncias que têm interesse terapêutico", afirma.
Nesse sentido, Aranda da Silva, que esteve também à frente da Ordem dos Farmacêuticos, entende que a medida poderá, em breve, obter consenso na comunidade médica portuguesa: "Devidamente regulamentada será aceite pela comunidade médica", diz o ex-presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), que considera importante olhar para aquilo que, por estes dias, já é utilizado pelos profissionais.
"Nós somos campeões da Europa no consumo de benzodiazepinas, no entanto, não é por isso que vamos deixar de usar as benzodiazepinas como medicamentos. No caso da canábis, há muita literatura científica publicada a nível internacional e parece-me bastante natural que Portugal possa usar essas substâncias para fins medicinais", acrescenta Aranda da Silva.
No final do ano passado, em dezembro, o parlamento acolheu a audiência pública - promovida pelo Bloco de Esquerda - sobre a legalização da cannabis medicinal, e o debate volta à Assembleia da República para discutir propostas de BE, PAN e PCP.
Os bloquistas apresentam um projeto de lei para "regular a utilização da planta, substâncias e preparações" de canábis para fins medicinais. Também o PAN apresenta um diploma que sugere a "disponibilização da planta" para fins medicinais.
Quanto ao PCP, entregou um projeto de resolução em que recomenda ao Governo que avalie o "impacto do consumo de canábis e da utilização da planta" para uso medicinal, recomendando ainda que se tomem medidas necessárias para "prevenir o consumo desta substância psicoativa".