Despacho de arquivamento argumenta que processo barrado pelo primeiro-ministro investigava crimes de "extrema gravidade".
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O despacho de arquivamento do inquérito do Ministério Público (MP) para apurar a legalidade da atuação dos Serviços de Informação da República Portuguesa defende que o primeiro-ministro deu prevalência à atividade destes serviços em detrimento da ação penal que envolvia suspeitas de crimes considerados como de "extrema gravidade e violadores dos mais elementares princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático".
O despacho completo a que a TSF teve acesso foi noticiado há dias numa breve nota do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que explicava que o Ministério Público teve de arquivar o caso por falta de autorização do primeiro-ministro para levantar o Segredo de Estado invocado por várias testemunhas. O documento agora consultado dá mais detalhes sobre o caso e a decisão de António Costa.
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Recorde-se que o DCIAP estava a investigar o uso de práticas proibidas por lei como escutas, registo de conversas, bem como a interceção de e-mails e a fotografia de pessoas fora do espaço público.
No despacho de arquivamento, o MP sublinha a extrema gravidade dos crimes em causa que surgiram relatados num julgamento por espiões que trabalharam nos serviços secretos do Estado.
Aberto o inquérito, as testemunhas ouvidas invocaram "de forma constante" o Segredo de Estado para não responderem às perguntas dos magistrados. Um segredo que também travava o acesso a vários documentos dos serviços de informação.
PGR diz que lei pode proteger interesses instalados
Em resposta, António Costa recusou totalmente o levantamento do Segredo de Estado, sendo que a própria resposta acabou por ser classificada como secreta, com o MP a recordar que o legislador deu ao chefe do Governo o poder de ponderar dar prioridade à ação penal do MP ou à atuação dos serviços secretos que, sublinha o MP, respondem perante o primeiro-ministro.
Ao arquivar o caso, o MP sublinha que António Costa "decidiu pela prevalência da atividade dos Serviços de Informações em relação ao exercício concreto da ação penal".
O despacho de arquivamento não deixa no entanto de sublinhar um parecer de 2014 da Procuradoria-Geral da República (PGR) que diz que a lei "pode alargar um regime de segredo particularmente severo a matérias que simplesmente sejam desagradáveis a determinados interesses instalados e que dessa forma possam ir contra o próprio Estado de Direito".