O acesso à informação é maior, mas continua a existir muito receio em falar sobre sexualidade com as crianças e jovens. Ainda se acredita que falar de sexualidade incentiva à prática sexual ou pode servir para "doutrinar". Os especialistas desconstroem estas ideias.
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Muitos pais têm receio de falar sobre sexualidade com os filhos porque temem que isso incentive à prática sexual. Esta realidade é constatada pelos especialistas que trabalham com pais, educadores, crianças e jovens.
Mas faz sentido este receio? Paula Pinto, coordenadora da Sexualidade em Linha, revela que há estudos que mostram que não. "O que os estudos mostram é que há uma diminuição do risco de infeções sexualmente transmissíveis, [que a informação] não está associada a uma diminuição da idade de início das relações sexuais, ao mesmo tempo que há um aumento de informação e de responsabilização face aquilo que é o cuidar do seu corpo e a perspetiva de uma sexualidade positiva."
Para esta médica especialista em ginecologia e obstetrícia - que coordena a linha que existe há 21 anos e serve para informar, orientar, encaminhar e esclarecer dúvidas sobre Saúde Sexual e Reprodutiva -, é importante que todos percebam que a educação sexual vai muito além da vivência sexual. "O respeito por si próprio e pelo outro e a saúde fazem parte da educação sexual", sublinha Paula Pinto.
É também por isso que Rui Ferreira Carvalho, membro da direção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e médico interno de pedopsiquiatria, defende que é preciso tornar a educação sexual universal e transversal para todos os jovens que frequentem as escolas.
"Falar sobre os assuntos não incentiva a nada, caso contrário, não falávamos de tema nenhum, nem na escola nem em lado nenhum. Ajuda é a incentivar o pensamento crítico e a questionar", afirma Vânia Beliz, sexóloga e psicóloga clínica.
Vânia Beliz lamenta que exista ainda uma ideia errada sobre o que é educação sexual. "Quando nós trabalhamos em educação sexual, colam-nos logo um rótulo e dizem que andamos a doutrinar as crianças e a fazer ideologia de género", afirma Vânia Beliz. "Educar para a igualdade de género é explicar e ajudar a que as crianças tenham as mesmas condições de liberdade, não é colocar nem a mulher à frente, nem a mulher atrás."
Rui Ferreira Carvalho afirma que a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos é uma luta constante e um desses direitos é o direito à educação sexual. "A educação sexual é a forma de abordar estas temáticas de forma completamente livre de preconceitos e numa perspetiva integradora e compreensiva, com o objetivo de permitir a reflexão. Nenhuma criança nasce com preconceitos."
A identidade de género "não é exclusivamente social, não é exclusivamente aprendida e doutrinada, não é algo que seja passível de ser convencido, de ser transformado numa criança", assegura o médico interno de pedopsiquiatria.