Ouvido na comissão de inquérito, o coronel Manuel Esperança foi confrontado com a redução do efetivo nos Paióis de Tancos e, apesar de lamentar a falta de condições, defendeu que estava "dentro dos padrões"
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O número de homens presentes nos Paióis de Tancos, na madrugada de 27 para 28 de junho de 2017, no momento em que foi roubado o material militar daquela unidade, não era o ideal, mas era o "mínimo" e, porventura, suficiente. A ideia foi deixada, no parlamento, pelo coronel Manuel Esperança, durante a primeira audição no âmbito da comissão parlamentar de inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto em Tancos.
Aos deputados, o antigo comandante do Regimento de Infantaria de Tomar - uma unidade que também cedia efetivos para a segurança dos Paióis - disse que o efetivo estava "dentro dos padrões" praticados pelo Exército.
"Se as instalações tiverem os meios auxiliares necessários, este efetivo, naquele grau de ameaça - que não era considerado crítico -, era aceitável. Agora, eu ficaria mais descansado se tivesse outras condições", disse o coronel Manuel Esperança.
Na audição, o militar - agora na reserva - foi também confrontado por vários grupos parlamentares com a informação de que, a partir de 2007, o efetivo no paiol foi reduzido de 44 para seis homens. "Oito militares (seis soldados, um cabo e um sargento) que atuam como duas quadras, mesmo considerando a dimensão das instalações e perante aquele grau de ameaça, poderia não ser desejável, mas era o mínimo e estava dentro dos padrões do que nos foi ensinado", disse.
Segundo o relatório do ministério da Defesa Nacional, intitulado "Tancos - Factos e documentos", que foi publicado em março de 2018, foi realizada, já em 2007 "uma redução de cerca de 75% do determinado inicialmente, mas realmente nunca efetivado, quanto ao número de militares a afetar à segurança" dos Paióis Nacionais de Tancos.
Durante a audição, que foi requerida pelo PS, o coronel Manuel Esperança, que sublinhou que a sensibilidade dos paióis é "elevada", lamentou ainda a falta de investimento que terá levado à degradação das instalações. "As dificuldades pelas quais o país passou não permitiram a utilização de recursos, e nós sentimos isso", disse, acrescentando: "A vedação, os meios de segurança eletrónica não era os que gostaríamos de ter".
"Hoje é fácil dizer que foi uma opção que poderia ter sido diferente, mas, na altura, quem de direito tomou uma opção consciente", sublinhou.
Recrutamento em bairros sociais questionado por coronel. "Não os vamos buscar à Ericeira".
Sobre o assalto, o coronel, agora na reserva, defendeu ainda que teria por "objetivo" o roubo das cerca de 1500 munições de nove milímetros que continuam ainda por recuperar. "Pareceu-me que era o objetivo", assinalou, pouco antes de esclarecer alguns detalhes sobre o restante material militar furtado: "As granadas são, de facto, material de guerra sensível, os lança-granadas tinham datas ultrapassadas".
Ao longo da audição, o coronel Manuel Esperança fez ainda a defesa do antigo Chefe do Estado-Maior do Exército, o general Rovisco Duarte. "Rovisco Duarte é uma vitima das vítimas processo", disse, salientando a "máxima consideração" por alguém que "agiu bem" no momento de deixar o cargo.
Outro dos dados assinalados pelo coronel e antigo comandante do Regimento de Infantaria de Tomar foi o de que os contratos de seis anos que são atualmente oferecidos aos militares não são suficientes, notando que esse é um detalhe ainda mais relevante já que lidam com "material sensível".
"Será que ao colocarmos indivíduos de forças especiais num regime de apenas seis anos, em contacto com material sensível, não temos de ter outra atenção e tratá-los de outra forma", questionou, após chamar a atenção para o atual processo de recrutamento. "Se queremos homens para ir para o Afeganistão ou República Centro Africana não os vamos buscar à Ericeira, se calhar vamos a bairros problemáticos, com contactos com realidades que não são as melhores. Há um problema de segurança que é transversal".
A comissão de inquérito ao furto de material militar em Tancos tem previstas audições a 63 personalidades e entidades. Decorre durante 180 dias, até maio de 2019, e é prorrogável por mais 90, para que se possa chegar a conclusões.