Quase 30 anos depois, Portugal vai mudar a Lei de Bases da Saúde. O que defendem os partidos?
À proposta de Lei do Governo juntam-se diplomas do PCP, PSD e CDS. Esquerda quer menos privados e fim das taxas moderadoras. PS pisca à esquerda, mas também alinha à direita. Propostas deverão baixar a comissão para alcançar consenso.
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Mais do que um exame minucioso, o debate promete ficar-se por um diagnóstico a contrarrelógio: a grelha indica cerca de uma hora para o debate dos quatro diplomas assinados por Governo, PSD, CDS e PCP.
António Costa já manifestou o desejo de ver a lei aprovada à esquerda."A minha convicção é que a atual maioria tem todas as condições políticas para conseguir aprovar uma lei de bases da saúde que permita fazer aquilo que é essencial", disse o primeiro-ministro, num almoço na Associação 25 de Abril. Mas PCP e Bloco desafiam o PS a saltar do muro e a apagar ambiguidades que encontram na lei.
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Diagnósticos
O primeiro sintoma que todos referem é a idade da lei de bases em vigor. São 28 anos e apenas uma breve revisão pelo meio. Aqui as opiniões dividem-se: para a esquerda, a cada ano houve mais ataques ao espírito inicial do Serviço Nacional de Saúde, com transferência de meios e responsabilidades para o setor privado; para PSD e CDS, ainda há espaço para que outros setores, como também o social, complementem aquilo que o público não consegue fazer.
Num piscar de olhos à esquerda, a proposta do Governo limita o apoio do Estado ao desenvolvimento do setor privado da saúde em concorrência com o público: o setor privado e social entra em campo quando o público não conseguir prestar o serviço.
"Nos últimos anos tem-se assistido a um forte crescimento do setor privado da saúde, quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, sobretudo ao nível da competição por profissionais de saúde e da desnatação da procura. Importa, portanto, rever aquele entendimento, estabelecendo que os setores público, privado e social, que integram o sistema de saúde português, atuam segundo o princípio da cooperação e pautam a sua atuação por regras de transparência e de prevenção de conflitos de interesses", lê-se na proposta do Governo que condiciona as parcerias "à avaliação da sua necessidade".
A esquerda quer vincar que a "a saúde é um direito e não um negócio" e, por isso, tanto BE como o PCP querem traçar uma fronteira entre público e privado. As parcerias público-privadas (PPP) são para reverter. Os bloquistas defendem o fim do "rentismo que drena recursos públicos para alimentar o negócio dos privados na saúde", enquanto o PCP exige uma "cobertura de serviços de saúde universais e não mercantilizados". Os comunistas citam dados do Instituto Nacional de Estatística de 2016, para lembrar que "existiam 114 hospitais privados e 107 públicos e quatro em regime de PPP".
O PSD defende a cooperação entre o SNS, "supremo garante da proteção dos cidadãos na doença", e o setor privado e admite o financiamento ao setor social, "sempre que tal contribua para a melhoria do acesso e a obtenção de ganhos em saúde para os utentes e possa reduzir a carga da doença, assim como os respetivos encargos para os contribuintes".
Já o CDS sobe um patamar, sugerindo a "concorrência" entre público, privado e social. "O Sistema de Saúde deve evoluir no sentido de alargar e diversificar as formas de prestação e de gestão dos serviços de saúde, em benefício dos cidadãos, independentemente da natureza pública, privada ou social das instituições prestadoras de saúde, salvaguardados os princípios de transparência, da prestação de contas e da avaliação de resultados", defendem os centristas.
Taxas: Abolir ou "moderar"?
Ao tomar o pulso ao atual estado das coisas, a esquerda encontra nas taxas moderadoras uma maleita a erradicar, e tanto o PCP como o Bloco prescrevem a extinção, enquanto tanto o PS como a direita defendem que estas taxas podem servir para moderar a "procura desnecessária", sugerindo a isenção para quem esteja em "condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade". A ministra da Saúde, Marta Temido, já veio considerar que a receita de até 170 milhões para o SNS não é um "elemento de financiamento, mas de moderação".
Exclusividade no público?
O Governo e a esquerda pretendem, em diferentes graus, tentar manter os profissionais de saúde em regime de exclusividade no Serviço Nacional de Saúde e o executivo admite "criar incentivos financeiros ou de outra natureza que promovam a dedicação exclusiva e a investigação em saúde e para a saúde".
O PCP destaca a capacidade de "resiliência admirável" do SNS e defende a "existência de uma política de recursos humanos que assegure a existência de um número adequado de profissionais que permita satisfazer as necessidades da população em cuidados de saúde através do correto dimensionamento das dotações de trabalhadores e a sua distribuição pelo território nacional".
Não ficam de fora "a existência de condições de trabalho dignas, da integração nas carreiras com remunerações adequadas de forma a incentivar e valorizar o regime de trabalho a tempo completo, e a dedicação exclusiva ao SNS".
Já o PSD sugere "facilitar a mobilidade entre o setor público e os setores de economia social e privado".
O legado Arnaut-Semedo
No caminho para este debate, foi simbólico o encontro de ideias entre António Arnaut, conhecido como o "pai do Serviço Nacional de Saúde" e o médico e antigo dirigente do BE, João Semedo. Os dois fizeram da obra "Salvar o SNS" a derradeira batalha de vida, numa ode ao regresso do SNS à matriz original e clara delimitação entre público e privado.
Anticorpos dentro do PS
Pelo meio, zangaram-se as hostes socialistas. A nova ministra da Saúde pegou no trabalho elaborado pela Comissão liderada por Maria de Belém, antiga titular da Saúde e, das 59 propostas, manteve apenas 28. Uma proposta "concisa", diz Marta Temido; uma desvalorização do trabalho feito, na leitura de Maria de Belém.
Tanto o PSD como o CDS recuperam as linhas que o Governo deixou cair e fazem deles algumas das ideias da Comissão liderada por Maria de Belém.
Votações adiadas para a Comissão.
Todos os diplomas, em debate esta quarta-feira, devem baixam à Comissão de Saúde sem votação para que seja tentado o consenso "mais alargado possível".
O Bloco de Esquerda antecipou-se ao debate, levando o diploma a discussão no ano passado, de onde transitou para a comissão - e aguarda agora por estes novos quatro diplomas.