Aos 60 anos com memória de 20? Recuperar recordações pode depender de estímulo elétrico
O segredo para, depois dos 60 anos, manter a memória que tinha aos 20 ou 30 anos pode estar na estimulação elétrica do cérebro.
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O estudo das doenças relacionadas com a memória, como o Alzheimer ou a demência, tem sido uma das áreas com que cientistas e investigadores de todo o mundo se têm debatido, mas em Boston pode ter sido dado um passo importante.
Durante quase uma hora, várias pessoas com mais de 60 anos recuperaram a memória que tinham há 20 ou 30 anos como resultado de uma pequena experiência publicada esta segunda-feira na revista Nature Neuroscience.
Segundo o estudo publicado, a perda de memória ao longo dos anos poderá ser revertida através da estimulação de duas áreas-chave do cérebro, a ritmos específicos.
Os investigadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, concluíram que, depois de sujeitos a um breve período de estimulação elétrica do cérebro - 25 minutos - um grupo de 42 pessoas saudáveis com idades entre os 60 e os 76 anos conseguiram reverter problemas de memória.
Num teste feito depois dos estímulos, as respostas dos intervenientes foram - durante pelo menos 50 minutos - tão precisas como as de um grupo de 42 jovens na casa dos 20 anos.
Com recurso à eletroencefalografia (EEG), que teve como fim monitorizar a atividade cerebral, e à estimulação transcraniana por corrente alternada (tACS), os cientistas estimularam os cérebros de ambos os grupos e conseguiram modular as interações das ondas cerebrais ligadas ao funcionamento da memória de trabalho.
Este tipo de memória lida com informação retida de forma temporária para uso em tarefas imediatas como ponderações ou tomadas de decisão.
Os participantes mais jovens tinham níveis mais altos de interação e sincronização de certos ritmos de onda cerebral, algo que leva os investigadores a sugerir que dirigir os estímulos a estes ritmos específicos em cérebros de pessoas mais velhas pode ajudar à sua função.
Apesar dos bons resultados, a equipa de investigadores adverte que é preciso estudar melhor esta forma específica de estimulação elétrica, fazer mais ensaios clínicos e estudar os resultados em grupos maiores.
Resultados são bons, mas é preciso ter cuidado
Ouvido pela TSF, o neurologista Alexandre Castro Caldas recomenda também cautela contra excessos de otimismo, mas admite que a estimulação elétrica do cérebro é um caminho importante na procura de tratamento para alguns tipos de demência.
"Não há dúvida de que, quando se faz uma ativação elétrica do cérebro como um eletrochoque, modifica-se muita coisa. O eletrochoque era uma coisa muito violenta, que às vezes ainda se usa para tratar a depressão. A verdade é que vai atuar em zonas do cérebro que têm a ver com a arrumação da informação, por isso é possível que, transitoriamente, as coisas se modifiquem", explica o neurologista.
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Admitindo que os resultados desta experiência são interessantes e que a investigação merece ser continuada, Alexandre Castro Caldas considera que "ainda é cedo" para se garantir que há uma solução a caminho.
"Esse é o meu receio ao divulgarmos isto às pessoas. Neste momento, em Lisboa, há uma quantidade de pessoas a fazer isto", revela. Mas, isto, é o quê? É "esta estimulação elétrica. Já existem aparelhos à venda, na Internet, podem comprar-se. As pessoas vendem isso a outras pessoas com doenças e isso assusta-me", admite o neurologista antes de explica os seus receios.
"As pessoas acreditam que vai ser a solução, gastam imenso dinheiro e depois não acontece nada. Isto tem de ser muito bem trabalhado, muito bem estudado e não pode ser feito dessa forma", alerta.
Por agora, a estimulação elétrica do cérebro é apenas uma linha de investigação promissora no tratamento de doenças neurológicas, mas é preciso estudar mais e fazer mais experiências.