Torres de Papel: é como tapar um rombo num barco com um "baldinho das crianças"
"Torres de Papel": uma reportagem no maior Tribunal Fiscal e Administrativo do país, onde existem 21 mil processos pendentes. Casos que valem 8 mil milhões de euros, metade contra decisões do fisco.
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"É um pouco como estar num barco com um rombo e nós a tirarmos a água com um baldinho das crianças para brincar na praia". Isabel Patrício, juíza no tribunal fiscal de Lisboa, usa esta imagem para resumir o trabalho no maior tribunal do país nesta área.
Numa visita guiada pelo juiz-presidente do tribunal, a juíza Isabel recebe-nos no seu gabinete atulhado de processos no chão, por cima dos armários, nos parapeitos das janelas a tapar a vista para o Tejo. Um cenário comum aos gabinetes dos juízes neste edifício de oito andares no Parque das Nações.
"Costumo dizer que só tenho duas mãos e uma cabeça. Sou juíza mas também sou ser humano e é trabalhar um pouco até cair para o lado. É o traço comum aqui a todos nós", afirma a juíza que, como a média dos colegas, tem perto de mil processos pendentes.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa há pelo menos cinco anos que a biblioteca, fundamental para acompanhar a evolução das leis, não recebe um livro por falta de dinheiro para os comprar.
O juiz-presidente, Benjamim Barbosa, destaca igualmente a enorme falta de juízes: no tributário há menos de metade dos que seriam necessários para o volume de casos, enquanto no administrativo são apenas um quarto.
Com 21 mil processos pendentes que valem quase 8 mil milhões de euros, o trabalho dos juízes é ainda mais complicado porque as leis fiscais (e as taxas de imposto) mudam várias vezes por ano.
Depois, no administrativo são avaliados casos que parecem à primeira vista simples como a atribuição de nacionalidades ou a polémica licenciatura de Miguel Relvas (que espera há dois anos por uma decisão), mas também outros altamente complexos como as 82 queixas contra o fim do Banco Espírito Santo.
No tribunal tributário encontram-se, por exemplo, casos de quatro volumes, milhares de páginas, onde se julgam, contudo, coimas que valem apenas 26 euros... ao lado de outros com dezenas de volumes que valem milhões e afetam a sobrevivência de empresas ou a saúde da economia.
Só um juiz tem em mãos casos que envolvem 2,4 mil milhões de euros em impostos.
Sem meios, o juiz-presidente do tribunal, Benjamim Barbosa, admite que "é normal, dentro da anormalidade, que os casos demorem anos", sendo "impossível dar uma resposta adequada".
Manuela Lopes é outra juíza do tributário. Ainda tem alguns casos da década de 1990 à espera de decisão, mas explica que é humanamente impossível responder a tudo. Mesmo quando os juízes ficam doentes ou vão de licença de maternidade continuam a colocar-lhes processos nos gabinetes.
A juíza recorda que quando entrou pela primeira vez no seu atual gabinete já o 'herdou' cheio de montes de volumes com casos para julgar e garante: "Não é por nossa preguiça que isto chega a este estado".