Há cidades que têm procurado evoluir de forma a proporcionar aos seus cidadãos novas formas de transporte. Lisboa tem dado bons exemplos, mas em Turim já se sonha com o dia em que os carros nos vão buscar a casa sozinhos.
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É um sonho do mundo da mobilidade autónoma, mas pode não estar assim tão longe de se concretizar. No palco Auto/Tech & TalkRobot da Web Summit falava-se de como se podem resolver os problema de trânsito nas cidades, com recurso aos transportes autónomos.
Paola Pisano é deputada municipal da cidade de Turim para a área da inovação e cidades inteligentes e trouxe à Web Summit as esperanças desta cidade no que ao transporte diz respeito.
A cidade que é agora também a de Cristiano Ronaldo dá "carta-branca" às empresas que queiram testar novas tecnologias de transporte. Sejam carros, motas, autocarros ou drones, Turim está completamente aberta a novas experiências de mobilidade mas, para isso, conta também com o feedback de quem realmente precisa que os testes deem frutos: os cidadãos.
A deputada municipal conta que envolver quem vive na cidade é importante, principalmente dando-lhes poder para que possam participar nos testes. O objetivo é que a mobilidade seja sempre "um serviço. O que queremos é que primeiro a pessoa decida onde vai e depois como vai, não o contrário. Devemos ser capazes de ir onde quisermos, independentemente de como se pode ou deve chegar lá."
Para isto, a cidade deposita esperanças na mobilidade partilhada, mas está ciente de que o período de adaptação é exigente. "Gostaríamos de ter carros autónomos e queremos dar tempo aos utilizadores para que se adaptem a eles".
Turim é "uma cidade com muitos acidentes", diz Paola num tom que mais parece de eufemismo. "Queremos reduzi-los", garante.
Para isso, a cidade quer criar percursos que utilizem a super recente tecnologia de rede 5G, com antenas que já estão instaladas na cidade desde outubro deste ano, e que possam gerir frotas de carros autónomos. O objetivo é reduzir o número de acidentes mas também o número geral de viaturas a circular nas ruas da cidade, garantindo que os percursos levam os cidadãos a pontos essenciais da cidade.
Para isto, é preciso testar as infraestruturas e a resposta dos serviços já existentes, percebendo como podem ser integrados. Para já, prepara-se um percurso de teste entre a estação e o hospital de Turim.
A mudança também tem que "vir de fábrica"
Todas estas ideias precisam, para serem postas em prática, de material. Foi aqui que Bernd Heinrichs, chefe da área digital para a mobilidade inteligente da Bosch entrou na conversa.
Bernd sabe que é necessário acompanhar o desenvolvimento tecnológico e, para isso, a empresa criou uma nova unidade dedicada apenas e só à mobilidade partilhada. O objetivo é perceber do que precisam os cidadãos e como é que o podem produzir. Mas há mais.
A Bosch é uma "empresa de nível 1", ou seja, fornece serviços e matéria-prima a outras empresas, mas quer mudar isso. É por isso que quer perceber melhor os cidadãos, começando a produzir com eles em vista e a vender-lhes produtos diretamente.
Esta é apenas uma das adaptações que o mercado precisa de fazer, nota Bernd, falando também da "ownership" ou seja, da posse de carros.
"As pessoas vão começar a comprar menos carros, a economia da partilha está a crescer", explica. O aparecimento de transportes autónomos, que ainda por cima podem ser partilhados, leva a que "ninguém precise de ser dono deles."
A modularidade é outra das grandes mudanças a acontecer neste momento. Não só a modularidade de cada veículo, mas a modularidade dos transportes como um todo. Para isso, o chefe da área digital da Bosch dá um exemplo local.
Uma aventura em Lisboa
De saída da Web Summit, esta quarta-feira, Bernd Heinrichs quis ir experimentar a gastronomia portuguesa. Escolheu um restaurante no centro de Lisboa e foi recolhido, diz ele, por "nativos de Lisboa".
Entrou no carro e começou a observar as ruas. Carros, carros e mais carros, mau tempo e ruas que pareciam estreitar-se cada vez mais à medida que chegavam ao seu destino. "Isto é um perigo", pensou.
Teve tempo para pensar em várias soluções, diz ele. Porquê? Demoraram duas horas a fazer o percurso, diz Bernd.
"Se tivéssemos optado por qualquer outra forma de transporte, nem que fosse a pé, teríamos demorado menos tempo. Porque é que não fomos primeiro de comboio ou metro e, só depois disso, entrámos num carro? Ou porque é que não optamos por motos?". Uma discussão que ocorre na cabeça de todos os que circulam em cidades com o tráfego de Lisboa mais vezes do que se possa pensar.
O cidadão no centro das atenções
De volta a Paola, é altura de centrar a discussão nos cidadãos. "É importante devolver a cidade aos cidadãos", garante.
Em Turim, há uma zona exclusivamente pedestre que tem em vista a instalação de ligações 5G ao longo do seu percurso, uma espécie de hub pedestre no centro da cidade, uma zona de trabalho no centro da cidade, com os cidadãos como ponto focal.
É uma vitória, reconhece Paola, mas é preciso fazer mais, reconhece a deputada que é também professora universitária. Para isso, é preciso mudar mentalidades.
"A nossa administração pública é antiga. A média atual de idades é de 56 anos", um problema para quem quer inovar. A solução, considera Paola, está nos alunos universitários. "Queremos atraí-los para a administração pública da cidade, trabalhar com eles para perceber o que os cidadãos esperam do futuro, já que será o deles".
Para já, está criada uma empresa municipal de tratamento de dados. O objetivo é criar transportes públicos otimizados para a utilização que os cidadãos lhes dão. Não significa, alerta a professora, que se coloquem em trânsito mais autocarros; o objetivo é que eles sirvam melhor, sendo por exemplo maiores ou fazendo percursos mais úteis para os cidadãos.
Bernd alerta que para isso, é preciso que todos trabalhem em conjunto, já que ninguém pode resolver problemas sozinhos. As cidades não podem partir só dos seus dados, há que ouvir as empresas e ver o que têm para oferecer e como o podem implementar.
Fala-se de eliminar barreiras: o cidadão pode dar pistas à cidade sobre como melhorar os seus transportes, mas também às construtoras. É uma espécie de rede de inteligência urbana. No futuro, garante Bernd, "vamos ver automação em todo o lado. Nas pessoas, nos carros, em todos os meios de transporte. Vai estar tudo a trabalhar em conjunto, com a mobilidade como elo de ligação."
Para o fim ficou a partilha de um sonho que acabou por revelar-se comum. "Um dia, um carro vai poder ir buscar-me a casa e levar-me onde eu quero. Sem motoristas, sem trânsito, tudo automático", imagina Paola.
Ficamos à espera.