Limites e humanidade. Frankenstein tem 200 anos, mas está mais atual do que nunca

TSF
Ficção científica, ciência, limites ou humanidade. Os temas presentes no livro Frankenstein têm mais de 200 anos mas continuam a fazer parte do nosso dia a dia. Há evolução, é certo, mas os limites e a humanidade (ou falta dela) estão presentes dois séculos depois.
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O livro Frankenstein foi publicado há 200 anos, em 1818, e a história tem passado de geração em geração até aos dias de hoje. E a questão que se impões é se, dois séculos depois, é possível haver algum tipo de atualidade na história que marcou os primórdios da ficção científica? A resposta é sim, apesar de ser inesperado que tal aconteça.
A história do cientista Frankenstein, que criou uma criatura no seu laboratório a partir de corpos mortos e de eletricidade, é mais próxima dos nossos tempos do que pode ser previsível. Os especialistas convidados do terceiro evento comemorativo dos 200 anos de Frankenstein - Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, Alexandra Marques, do i3Bs da Universidade do Minho e David Felismino, do Museu da Saúde - concordam com a tese.
Uma noite para a História
Mary Shelley era uma jovem quando escreveu a história e tudo começou com um desafio lançado numa noite de tempestade. Numa mansão perto de um lago em Genebra, o poeta Lord Byron sugeriu que cada pessoa presente escrevesse uma história de fantasmas. Assim foi. Nesse dia, a jovem construiu o texto que é considerado por muitos a primeira história de ficção científica, uma versão que não é aceite por todos. Apesar disso, certo é que se trata de uma história que permanece viva e na memória de milhões por todo o mundo.
"Frankenstein é um livro muito atual"
Carlos Fiolhais relembra, em declarações à TSF, que o "romance Frankenstein de há 200 anos reflete os desafios da época", nomeadamente com questões sobre o que é a vida, a morte, o papel da eletricidade da vida e até se a eletricidade é capaz de assegurar vida a partir da morte. Porém, há pontos em que nos cruzamos com a atualidade. "A questão do que é a vida é uma questão atual, mas hoje sabemos que existem células, que existe ADN e temos técnicas de, por exemplo, edição genética", reflete.
"Nesse sentido, Frankenstein é um livro muito atual que nos alerta para os perigos da ciência e os perigos da ciência têm a ver com aquilo que podemos e devemos fazer. O que podemos fazer a ciência pode dizer, o que devemos fazer é uma questão social, a questão de ética é da sociedade como um todo e não apenas dos cientistas", acredita o professor.
As questões dos limites e da ética são, portanto, fundamentais no ponto de vista de Carlos Fiolhais, já que a "sociedade está a mudar a um ritmo que às vezes até nos deixa um bocadinho assustados". "Há que ter esperança e cuidado, ciência e consciência", alerta.
Perante este cenário, o especialista acredita que é importante que o público esteja "minimamente informado daquilo que a ciência é capaz porque não devem ser os cientistas a fazer escolhas sobre aquilo que se faz, deve ser a sociedade como um todo", e por isso "a educação científica é cada vez mais importante nos dias de hoje".
A (des)humanidade chegou até aos nossos dias
E se a ciência e os limites são temas impossíveis de dissociar do livro de Mary Shelley, a humanidade é algo que não pode passar despercebido. A criatura criada por Frankenstein - monstro, como ficou conhecido - nunca foi aceite pela sociedade.
"O problema das relações humanas não é da ciência, o problema da relação com o outro, da integração, da socialização... a ciência pode dizer umas coisas mas o que disser é limitado", explica o professor.
Assim, Carlos Fiolhais recorda que "está muito claro neste romance que a criatura não nasce má", simplesmente "é diferente, tem um aspeto diferente, uma cor diferente, dois metros e tal, mas perante a diferença as pessoas reagem mal".
O monstro nunca conseguiu constituir família, ter uma companheira ou simplesmente ser aceite pela sociedade. "Isso trata de uma reação humana perante a diferença e essa reação continua hoje a existir, quando falamos das migrações, dos refugiados, dos direitos de certos grupos sociais, estamos confrontados com as questões da diferença"
Este ponto faz o especialista acreditar que "mais do que um romance sobre as possibilidades e os limites da ciência temos uma história, e por isso nos toca e chega aos dias de hoje, sobre a humanidade e a falta dela".