Os YouTubers contra-atacam. A resposta a Bruxelas sobre o Artigo 13
Aos poucos, os YouTubers vão utilizando a plataforma de vídeos online para se fazer ouvir acerca do polémico Artigo 13. A discussão já atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil.
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O Artigo 13 "não se dirige a YouTubers", mas às "plataformas como o YouTube, que têm lucrado graças a conteúdos que não cumprem as leis de direitos de autor". A frase consta da carta que Sofia Colares Alves, a chefe de representação da Comissão Europeia em Portugal, dirigiu aos YouTubers esta semana, na sequência das chamadas de atenção dos mesmos em relação ao Artigo 13. Não sabe o que é o Artigo 13? Comece por aqui .
A resposta a esta carta não tardou pela demora. E não vem por carta, nem por e-mail, mas obviamente através de vídeos no YouTube. Os criadores de conteúdos desta plataforma têm contra-argumentado com a representante europeia em Portugal. Os pontos de discussão são os que Sofia Colares Alves apresenta na sua carta. Resumimos aqui os quatro principais pontos da discórdia.
1. Como é possível que o abandono da Europa por parte do YouTube não afete os próprios YouTubers?
O primeiro - e provavelmente o principal - ponto desta discussão prende-se exatamente com a plataforma em questão. Filipe Neto, Paulo Borges (Wuant) e Mariana Cabral (Bumba na Fofinha) são unânimes.
A primeira reação de Filipe Neto, que se apresenta como o sexto maior YouTuber do mundo, é o riso. No vídeo de resposta nem disfarça a ironia. "Sofia, você disse literalmente: YouTubers, relaxem, não vai acontecer nada com vocês, só com o YouTube!". No vídeo, o criador brasileiro considera este argumento uma "atrocidade" e explica porquê.
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"Quem decide o que vai ser apagado é o YouTube. É uma empresa privada. Se o risco for o YouTube ser processado, vai apagar vídeos e ponto final", defende o brasileiro, acrescentando que este tipo de decisões se alarga a plataformas como o Facebook ou o Instagram e cita mesmo a CEO do YouTube, Susan Wojcicki, que já tinha avisado que, caso o Artigo 13 fosse aprovado, milhões de vídeos seriam apagados.
"Não vale a pena o risco, eles vão limitar tudo", reforça. E deixa outro aviso: para prevenir o risco de ser processada por 380 milhões de pessoas, a plataforma não deverá hesitar em tomar a decisão mais segura: desligar a tomada na Europa.
O vídeo de Wuant defende a mesma ideia, embora aproveite também para responder diretamente a alguns órgãos de comunicação social. O YouTuber português explica que "no YouTube, quem é prejudicado são os criadores" e alerta: "se os criadores não puderem fazer conteúdo na Europa, nós saímos."
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"Se o YouTube vai sair, como é que isso é bom para os YouTubers?", questiona um dos portugueses com maior número de subscritores da plataforma.
2. Quem detém os direitos de autor do conteúdo publicado?
Bumba na Fofinha escolhe uma posição mais inquisitória. A própria admite que a carta de Sofia Colares Alves não lhe permitiu "saber mais do que sabia antes" e acrescenta mesmo: "eu não sei o que é que isto quer dizer."
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A criadora sugere que "se saia do campo do abstrato", do "éter das possibilidades" e da "linguagem jurídica" e que se adote uma postura mais prática, de preferência com respostas de "sim" ou "não".
Bumba na Fofinha parte então para a desmontagem do que será uma "inteligência artificial e mecanismos para verificar se cada vídeo publicado é detentor de todo o conteúdo que posta", ou seja, se os direitos de autor de todo o conteúdo de um vídeo pertence, de facto, ao criador do próprio.
Partindo do pressuposto de que "nós, os criadores, não temos os direitos de nada", a YouTuber vai direta a um exemplo prático: uma imagem pesquisada no Google.
A portuguesa pergunta se, à luz do Artigo 13, caso utilize essa mesma imagem num vídeo seu, ainda que por dois segundos, "o YouTube, Instagram, Facebook, Wordpress passam a ser legalmente responsáveis por averiguar se a imagem tem direitos de autor? Se isso não for possível no imediato, a plataforma terá que bloquear o vídeo à partida? É objetivo deste artigo que as plataformas sejam capazes de determinar se comprei os direitos de autor dos conteúdos? Se sim, como é que isso se faz de uma forma ágil?"
Por fim, deixa uma pergunta simples: o botão share continua a fazer sentido? "Se isto é realmente assim, não há um único criador de conteúdo que eu conheça que não veja 60 a 90% dos seus vídeos bloqueados."
3. Como é que o YouTube vai atuar perante possíveis abusos ou ilegalidades?
São várias as questões que, aparentemente, ainda necessitam de clarificação. O vídeo de Filipe Neto deixa uma outra pista: o Content ID do YouTube.
Este é um mecanismo que permite a cada canal perceber se conteúdo da sua autoria foi repostado ou redifundido por alguém, sem autorização prévia, permitindo que esse mesmo conteúdo seja ou imediatamente apagado, ou que o autor original absorva os lucros gerados por esse mesmo conteúdo.
"Eu sou o sexto maior YouTuber do mundo em termos de subscritores, estou a chegar aos 28 milhões. Se uma thumbnail (a imagem de apresentação do vídeo) minha for censurada, sinto muito. Tenho mais de 350 milhões de visualizações por mês, mais do que o PewDiePie (o maior YouTuber do mundo, com 72 milhões de subscritores) e ainda assim não tenho tratamento privilegiado dentro do YouTube. Imaginem os que têm 500 mil ou 30 mil", explica.
Nesta altura, volta a ser citada a carta da representante europeia, em concreto a passagem na qual ela garante aos YouTubers que "vão poder dizer ao YouTube como querem que os vossos vídeos sejam utilizados". A esta passagem, Filipe Neto responde com um sonoro "não!"
4. Quem é protegido por esta nova lei? A quem serve esta diretiva?
Wuant e Filipe Neto são os mais assertivos, mas também os mais especulativos nesta questão: há uma guerra entre o mundo offline e o mundo online?
O português fala em lobbying na União Europeia a favor da indústria das grandes editoras de música e das cadeias de televisão. "Estão a querer ganhar mais, basicamente", alerta. De seguida, compara a descida de audiências dos "media tradicionais" com a subida das suas visualizações no YouTube, argumentando que "é uma forma" de se defender.
O brasileiro é mais sagaz nos comentários que faz: "os media offline estão loucos por esta lei, estão a babar-se" pela entrada em vigor da diretiva europeia. E questiona "qual foi a televisão em Portugal que alertou para esta questão?"
As interrogações deixadas no ar são o resultado da tese já apresentada por Wuant, cuja tomada de posição Filipe Neto saúda no seu vídeo: esta nova lei vem beneficiar "as grandes empresas."
"Não há uma quantidade minimamente significativa" de criadores indignados com a situação dos direitos de autor. Neto justifica este argumento com a sua experiência na plataforma: "Crio conteúdos todos os dias e até hoje nunca ninguém reclamou comigo pelo uso de alguma coisa. É uma ilusão, não existe. Querem proteger as grandes editoras e canais de televisão. Estão a matar a arte independente na Internet", atira, rematando com "estão a proteger os grandes."
Os três YouTubers fecham os vídeos com a mesma ideia: é preciso impedir que a desinformação se alastre, pedindo a cada um dos seus espectadores (ou subscritores) que se informe e pedindo clarificações à União Europeia, em claro descontentamento com a carta de Sofia Colares Alves.