Quatro miúdos questionam a Comissão Europeia sobre o artigo 13. E o resultado foi este
Não, a Internet não vai acabar, e não - provavelmente - o YouTube não vai desaparecer. Os memes sobrevivem e a música será medida ao segundo, como já o é. Nesta guerra de direitos de autor, a Comissão Europeia garante que o objetivo é dar mais poder aos criadores - uma espécie de o seu a seu dono.
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É um dos assuntos do momento no mundo online, mas é no mundo offline que tem sido gerido. O Artigo 13 nasceu na Comissão Europeia, mas assim que chegou ao conhecimento público os YouTubers não demoraram muito a comentá-lo e até mesmo a pô-lo em causa. O alarme lançado pelos criadores não demorou a causar o pânico entre os jovens que compõem a maior parte dos espectadores dos canais do YouTube. "A Internet vai acabar?" perguntava-se nas redes sociais. "O canal do Wuant vai ser apagado? E os memes, vão desaparecer?"
Foi a partir dessas dúvidas que a TSF organizou, nos seus estúdios, um debate improvável. De um lado, Sofia Colares Alves, Chefe de Representação da Comissão Europeia em Portugal. Do outro, Rita, Lourenço, Sara e Carolina, todos eles na faixa etária dos 12-13 anos e com vários canais subscritos no YouTube. A conversa, moderada pelo jornalista Nuno Domingues, tinha um objetivo simples: perceber o que é, afinal o Artigo 13. E quem coloca as perguntas são, nada mais, nada menos do que os espectadores dos YouTubers que tanto alarmaram para esta eminente nova realidade da Internet.
A conversa não começou, no entanto, sem que se pusessem os pontos nos "is" em relação à perspetiva que os jovens têm, na realidade, sobre o tal "fim da Internet" que tem sido anunciado. A resposta foi unânime: o alerta generalizado "foi exagerado."
Rita confessa que começou por acreditar que a Internet poderia realmente estar perto do seu fim, mas depois percebeu que essa não era a verdade. No entanto, reforçou que ainda "é tudo um bocado...", falhando o adjetivo. Lourenço demonstrou alguma preocupação com a possibilidade de deixar de poder ouvir algumas músicas ou ver algumas imagens devidos aos copyrights - direitos de autor - e à sua gestão. Sara seguiu a linha de Rita, confessando que começou por sentir-se alarmada mas depois, em conjunto com os pais e após algumas conversas e pesquisas, percebeu que o fim da Internet não estava ao virar da esquina. Carolina percebeu que esse era um cenário exagerado e que "não ia acontecer o que tinham prometido".
Conhecendo a posição comum de que todos partiam, foi Lourenço quem deu o tiro de partida nas perguntas: as covers (versões de músicas) vão continuar a ser permitidas?
Sofia Colares Alves começou por explicar que "o que se pode fazer hoje em dia vai continuar a poder fazer-se. O que já é protegido vai continuar a ser", referindo-se aos direitos de autor das músicas originais. Como a representante europeia o coloca, "o cover é uma música feita sobre outra. O original pode estar registado e o autor terá direitos sobre ele. Em princípio, as covers precisam de autorização, como já acontece hoje e continuará a acontecer."
É neste ponto da conversa que é introduzido um dos mecanismos que mais tem dado que falar: os filtros de Inteligência Artificial que, segundo a diretiva, serão responsáveis por identificar o que está, ou não, protegido por direitos de autor.
"Os mecanismos que identificam material que é protegido já existem, o que está em causa é quem os protege. Eu tenho uma música e identifico-a como sendo protegida. Se alguém fizer dinheiro com ela, vou dizer que quero parte do dinheiro que me é devido. Isso é algo que já existe. Mas, por exemplo, no YouTube - onde se carregam mais de 400 horas de vídeo por segundo - não posso simplesmente dizer que a música é minha e que quero o meu dinheiro. Tenho que registar o direito com o YouTube, eles utilizarão depois uma tecnologia de reconhecimento e, como estão a pagar aos criadores por produzirem conteúdos, vão falar com elas para dar dinheiro aos criadores. Isso é o que existe."
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Mais do que saber como vão ser feitas as mudanças, os quatro jovens utilizadores do YouTube e redes sociais avulsas queriam saber o que vai mudar. E dentro do que vai mudar, perguntou Rita, qual vai ser a maior mudança?
"Isto é algo que afeta sobretudo o mundo dos grandes e dos fortes. Não afeta os utilizadores", começou por explicar Sofia Colares Alves. "Vai facilitar a vida a quem carrega vídeos, muda o papel das plataformas em relação aos criadores", especificou a representante da Comissão Europeia antes de introduzir o tema da legislação "que não é clara." Para a Comissão Europeia, um dos problemas do YouTube - e de outras plataformas - é o de que a plataforma vê-se como "uma infraestrutura tecnológica, uma zona neutra, em que uns carregam e outros consomem conteúdo", sem que associe a si qualquer obrigação de supervisionar essa interação.
Trocando por miúdos, é como se cada um de nós fosse dono de um "mercado enorme em que alguém vai vender, uma espécie de feira da ladra. As pessoas compram e vendem - um marketplace." Numa situação como esta, enquanto donos, pensamos que nada temos a ver com o que se vende. O problema é que "a certa altura, começam a vender-se coisas ilegais: material roubado, drogas e outras substâncias." De seguida chegam as autoridades, que nos dizem "meus amigos, vocês são donos deste mercado", não é possível dizer que nada têm a ver.
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No caso do YouTube, o que se passa é que há publicidade a ser vendida e monetizada, é recebido "um pagamento pelo espaço que as pessoas utilizam para vender" os seus produtos, neste caso vídeos. "Fazem dinheiro com este mercado, portanto têm que ter responsabilidade com o que se passa nele. É o que Artigo 13 faz, pedir às plataformas que assumam alguma responsabilidade para com o conteúdo que está a ser partilhado", explica. "Se os conteúdos são protegidos, o dinheiro deve ser partilhado com as pessoas que têm os direitos de autor."
O futuro da música, imagens e memes
É altura de sair do abstrato e entrar no mundo do que é palpável (ou quase, visto que é virtual). Fala-se da presença de marcas nos vídeos, com Sara a perguntar se a simples presença de um objeto com um logótipo visível pode ser razão para eliminar um vídeo.
A resposta europeia é simples: "a diretiva não está relacionada com esses assuntos." Ainda assim, fica o esclarecimento de que o uso ocasional de uma marca num vídeo, por exemplo numa t-shirt, "não é apropriação, não há um uso propositado", portanto não há problema.
No que diz respeito à música, a resposta já atinge outro grau de complexidade. Rita começa por perguntar se a utilização de trechos de música continuará a ser permitida. "Depende. A reprodução de música só é protegida a partir de x segundos. Depende de país para país. Se for inferior ao limite, pode continuar a colocar-se a música. Se ultrapassar, vais ter que pedir autorização a quem tem os direitos ou vais ter que a ir buscar a uma plataforma, pagas e depois utilizas", explica Sofia Colares Alves.
A questão começa a complicar-se quando se analisa a forma como o YouTube deve reconhecer a quem pertencem os direitos das músicas. "Vou ter que identificar a música ao YouTube e dar-lhe o material digital necessário para reconhecer essa música. Eles colocam essa informação na base de dados e, a partir do momento em que a música é carregada, a tecnologia vai identificá-la", pagando ao dono dos direitos uma parte do que pagaria a quem fez o carregamento.
Os memes - pequenas imagens usadas como forma de humor ou crítica social - são uma das grandes preocupações manifestadas pelos internautas, principalmente os de gerações mais novas. E a Comissão Europeia deixa, mais uma vez, a garantia de que não vão ser afetados.
A pergunta parte da Carolina, que quer saber se vai ter que pedir autorização - por exemplo, à Disney - para fazer um meme. "As imagens também podem ser protegidas, mas não para fazer memes", explica a representante da Europa, acrescentando que esta utilização tem, no entanto, que ser uma verdadeira paródia.
"Queremos que se divirtam e possam fazer paródias sobre imagens, conferências de imprensa de jogadores de futebol ou até mesmo com o Presidente dos Estados Unidos. A imagem pode ter direitos de autor, mas desde que seja para fazer um meme ou paródias, está coberta por uma exceção aos direitos de autor."
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Ouvida toda esta explicação, pretende saber-se se a medida é retroativa. "Não é", diz Sofia Colares Alves.
Os utilizadores dos dias que correm
Rita, Lourenço, Sara e Carolina são, de facto, os utilizadores que vão conhecer o futuro da Internet mas, antes do futuro, é preciso saber qual é o seu presente.
Na auscultação aos seus hábitos online, percebe-se que há pontos claramente comuns aos quatro: veem pouca TV e fazem a maior parte do seu consumo de conteúdos no mundo online, dividido entre redes sociais e plataformas de vídeo ou áudio.
Esta realidade vai ao encontro do alerta que os YouTubers têm lançado nos seus vídeos: os media tradicionais estão a ficar ao abandono.
Lourenço introduz o tema seguinte, fazendo a ponte entre a música e o seu uso livre. "Há um canal no YouTube que se chama No Copyright Sounds, que publica músicas que qualquer YouTuber pode utilizar. São livres de direitos. O Artigo 13 vai proibir o uso de músicas desse canal?"
A visão da Comissão Europeia é exatamente a contrária: o Artigo 13 vai fomentar o uso de mecanismos como o que é disponibilizado por esse canal. O uso destas músicas é livre porque, explica Sofia Colares Alves, "o YouTube já pagou direitos de autor, já adquiriu uma licença para utilizar essas músicas na sua plataforma."
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O objetivo da diretiva é "incentivar as plataformas a que o uso do conteúdo partilhado já tenha sido contratualizado com os autores, de forma a que se possam utilizar de forma livre e descansada. Facilita o trabalho dos utilizadores que querem carregar conteúdo nas plataformas."
A grande mudança
Esmiuçado o artigo e as suas implicações, Sara quer saber qual é, afinal, a grande mudança. Tomando o exemplo do YouTube, a representante da Comissão Europeia explica que "muitas vezes, o que acontece é que os autores disponibilizam vídeos e música no YouTube a troco de muito pouco dinheiro. Noutras plataformas, como a Netflix, o Spotify ou a Twitch, que pagam direitos de autor, quando ouvem músicas ou veem um filme na Netflix, o dinheiro reverte para o autor/criador. Há plataformas que fazem isso de forma completamente transparente, o que se quer é que o YouTube também o faça de forma completamente transparente e que os autores tenham mais poder de negociação."
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No que diz respeito à avaliação da carta que originou toda a discussão, Sofia Colares Alves não se arrepende de a ter enviado, até porque "surtiu efeito". "Teve um efeito importante, o de se ter estas conversas. São conversas serenas, informadas, fala-se nas escolas" acerca do assunto. Para além disso, a discussão "está aberta" e todos assistem a um fenómeno: "há miúdos a falar da União Europeia, de diretivas e de artigos".
Para o fim, fica a garantia pela qual tanto internauta espera: "a Internet não vai acabar. Poderia pôr as minhas mãos no fogo - mas cabe ao YouTube decidir: o YouTube também não vai acabar."
Neste encontro entre quem vive cada vez mais online e quem, offline, tenta impor novas regras ao mundo digital, a convicção de que este é o caminho certo parece não ser completamente pacífica. A União Europeia está mais convencida do que os utilizadores em relação a esta nova diretiva e, nesta dimensão, há quem ainda queira fazer-se ouvir. Até porque a Internet não dorme.