A história por detrás da foto que valeu a Mário Cruz uma nomeação no World Press Photo
O fotojornalista português Mário Cruz foi nomeado na categoria ambiente do World Press Photo com a fotografia de uma criança que recolhe materiais recicláveis no muito poluído rio Pasig, nas Filipinas.
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O fotojornalista português Mário Cruz é um dos nomeados na categoria Ambiente do World Press Photo 2019, com uma imagem do rio Pasig em Manila, nas Filipinas, anunciou esta quinta-feira a organização do prémio internacional.
Os nomeados foram anunciados no sítio online do galardão dedicado ao fotojornalismo, que é atribuído desde 1955, premiando as imagens mais marcantes recolhidas no ano anterior em várias categorias.
"Living Among What's Left Behind" ("Viver entre o que foi deixado para trás", na tradução do inglês) é o título da imagem captada por Mário Cruz, que é fotojornalista da agência Lusa, mas desenvolveu este projeto a título pessoal sobre comunidades de Manila que vivem sem saneamento, junto ao rio, rodeadas de lixo.
A imagem mostra uma criança que recolhe materiais recicláveis deitada num colchão, rodeado de lixo, que flutua no rio Pasig, que já foi declarado biologicamente morto na década de 1990. "É um apelo que merece a nossa reação rápida", disse Mário Cruz à agência Lusa.
Sobre o significado deste prémio, o fotojornalista disse "esperar o mesmo de sempre": "Que as imagens criem discussão, e essa discussão passe rapidamente à ação, porque o que eu fotografei não é um cenário negativo futurista. É o presente".
"Muitas vezes caímos no erro de nos preocuparmos com a microescala que nos afeta diretamente no nosso dia a dia, mas a verdade é que isso é apenas o início de algo que se encontra descontrolado em vários outros pontos do planeta", comparou Mário Cruz.
O fotojornalista esteve durante um mês a desenvolver o seu projeto junto das comunidades que vivem ao longo do rio Pasig, testemunhando uma situação extrema de poluição ambiental que os habitantes enfrentam há décadas.
"Nós vemos imagens de praias com lixo no areal e ficamos incomodados, mas estas pessoas em Manila estão rodeadas de lixo diariamente, já há muitos anos, e isto merece a nossa reação rápida", apelou.
A fotografia vencedora foi captada nesse sentido: "No fundo é um apelo para que não se ignore o que não pode ser ignorado".
Os habitantes daquelas comunidades tentaram, sem sucesso, ir viver para a capital das Filipinas, e acabaram por criar construções ilegais junto ao rio, onde vivem, sem saneamento, e muitos deles da reciclagem do lixo que é atirado fora.
"É um problema que se arrastou, e está a agravar-se tomando dimensões preocupantes", alertou o fotojornalista, acrescentando que viu estuários, criados para impedir as cheias, cheios de lixo.
"Neste momento só se vê lixo. É dramático olhar para um canal de água e não ver a água, só plástico, e isso merece sem dúvida uma reação", reiterou.
Em 2016, o fotojornalista Mário Cruz conquistou o primeiro lugar na categoria Temas Contemporâneos do World Press Photo, com um trabalho sobre a escravatura de crianças - dos meninos Talibé - no Senegal, que veio a dar origem a um livro.
"Os temas que eu documento estão sempre relacionados com justiça social e direitos humanos, e estas questões ambientais estão embebidas nestas áreas", explicou.
Mário Cruz apontou que este trabalho é mais complexo, na sua estrutura, do que aquele que realizou sobre as crianças Talibé, que foi criado a preto e branco.
"Neste caso também estive perto de um mês nas Filipinas, mas o trabalho foi construído de outra forma, também com cor", indicou.
Sobre o facto de uma criança voltar a estar em foco na imagem nomeada, o fotojornalista precisou que "não é um trabalho focado nas crianças, mas nas comunidades".
"Naturalmente que as crianças são as que mais sofrem, pois muitas delas têm de andar no rio, no meio do lixo, a recolher tudo o que possam reciclar, e assim ganhar algum dinheiro para ter comida. O problema é que tudo volta depois para o rio, num ciclo que é difícil de quebrar", descreveu.
Os nomeados anunciados esta quarta-feira nas várias categorias são todos premiados e estão integrados na exposição itinerante do galardão, mas só em abril o júri irá divulgar a fotografia do ano e as várias classificações nas respetivas categorias.
Este ano, o júri da 62.ª edição avaliou 78.801 imagens captadas por 4.738 fotógrafos que concorreram ao prémio.
Em 2016, o fotojornalista Mário Cruz conquistou o primeiro lugar na categoria Temas Contemporâneos, com um trabalho sobre a escravatura de crianças - dos meninos Talibés - no Senegal ("Talibés - Modern Days Slaves"), que deu origem a um livro, depois de publicado na Newsweek, e que constituiu um alerta global. No Senegal, foram distribuídos panfletos com fotografias feitas por si, tendo sido resgatadas centenas de crianças.