Da lixívia ao vibrador, da costureira à empregada de shopping. A provocadora história da mulher
Chega esta sexta-feira às bancas "Fêmea, uma história ilustrada das mulheres", da investigadora Inês Brasão e da ilustradora Ana Biscaia. Um livro provocador e livre, para pensar a condição da mulher ao longo do tempo a partir da força das imagens e da palavra.
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"Fêmea". O dicionário define a palavra como "qualquer animal do sexo feminino" e acrescenta três entradas, todas com sentido depreciativo, "pessoa do sexo feminino = MULHER; Mulher que vive maritalmente com um homem. = BARREGÃ, CONCUBINA, MANCEBA; Mulher que tem relações sexuais a troco de dinheiro. = MERETRIZ, PROSTITUTA."
A investigadora Inês Brasão e ilustradora Ana Biscaia assumem que a escolha do nome do livro é assumidamente provocadora. "O biológico determinou sempre aquilo que era a consideração da construção social do género feminino", explica Inês Brasão, "este livro tenta, através do título, fazer a provocação de contarmos outras zonas [do que significa ser mulher]."
Provocação, mas também uma quase-vingança, "usar o termo livremente depois de nos terem condenado a ser pouco mais do que isso."
Esta história não é cronológica. As autoras dividiram o livro em três partes para compor uma narrativa em que a mulher está no centro. Na primeira parte, explora os artefactos, objetos que marcaram a vida da mulher ao longo dos séculos. Aqui, encontramos o diário, que trancava os segredos e a vida, as meias de seda, que deixavam adivinhar as curvas, o baú do enxoval, combinado a preceito, mas também a lixívia ou o vibrador, objeto de prazer e libertação que, na verdade, começou por ser uma forma de controlo.
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A segunda parte centra-se nos manifestos, "acontecimentos e figuras extraordinárias que catapultaram e deram visibilidade" às injustiças e à luta pelos direitos das mulheres. Aqui, encontramos tanto a mulher balzaquiana, desprendida dos julgamentos sociais, como as "bruxas", perseguidas pela Igreja Católica, a queima de sutiãs, mas também a Mafalda, famosa personagem de Quino ou a cantora Nina Simone.
Na terceira e última parte, reflete-se sobre os territórios das mulheres, no fundo, o espaço que lhe é concedido ao longo dos tempos no mundo do trabalho. Uma viagem pelas profissões consideradas "aceitáveis", "apropriadas" - da costureira, à telefonista, professora, enfermeira, operária e também uma profissão das últimas décadas, eternizada por Rui Veloso, a empregada de Shopping.
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Histórias mal contadas, enganos e narrativas que têm sobrevivido ao longo dos séculos. "Fêmea, uma história ilustrada das mulheres" junta 36 temas da realidade feminina. Ao traço da ilustradora Ana Biscaia, juntam-se as palavras da investigadora Inês Brasão, num livro que pede ao leitor tempo para pensar e que lhe dá liberdade para construir também uma outra história.
"Mais do que fechar histórias, queremos deixar ao leitor portas abertas para continuar o processo de reflexão sobre aquilo que na condição feminina já aconteceu e continua a acontecer com imensas tensões e sinais contrários, que são coincidentes no tempo e nos lugares, mas que ajudam a tal placa das mentalidades a conseguir dar saltos. Neste caso, saltos positivos", explica Inês.
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"Há muitas brechas que são deixadas para o leitor se interrogue sobre a sua própria condição de homem ou mulher em relação a determinado acontecimento, que se reposicione ou que se aperceba de situações que não estão completamente claras".
Afinal, a máquina de lavar roupa autonomizou o trabalho da mulher ou reforçou o papel que lhe é atribuído nas lides domésticas? E que impacto tem no homem remeter durante séculos para a mulher o papel de cuidadora? Porque é que a revolução industrial só conta o lado do homem operário, quando tantas vezes coube às mulheres assegurar a produção da fábrica?
Deixemo-nos provocar.
"Fêmea, uma história ilustrada das mulheres", de Inês Brasão e Ana Biscaia, chega esta sexta-feira às bancas com o jornal Público, numa edição Santillana. As ilustrações de Ana Biscaia estão em exposição no Museu Nacional de Etnologia até ao dia 5 do mês de maio.