Adriano Henriques nasceu em 1964 em Coimbra, em cuja universidade se formou em Biologia. Fez a tese de doutoramento no IGC e em Filadélfia, mas defendeu-a na solene Sala dos Actos.
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Ouvimos falar de bactérias hospitalares e a reação mais fácil é culpar os hospitais por falta de cuidados. Na realidade, ao tomarmos antibióticos destruímos as más bactérias e ao mesmo tempo as boas que nos defendem. Contrariar este processo é um tema essencial na investigação de hoje, como explica este especialista em esporos. Será um dos assuntos a aprofundar no novíssimo programa de doutoramento criado por três instituições de topo da ciência portuguesa: o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), a que pertence Adriano Henriques, o Instituto de Medicina Molecular (IMM) e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). "Queremos criar uma nova geração de cientistas", diz ele, nascido em Coimbra em 1964, preocupado com a forma absurda como usamos o tempo. Os esporos, já agora, são "cápsulas do tempo", tão resistentes que podem viver inertes durante milhares de milhões de anos.
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Acaba de lançar um novo programa de doutoramento. Que programa é este?
É um programa financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e envolve o ITQB, o IMM e o IDC. Pela primeira vez, pretende fazer a interface não só entre estas instituições, na formação académica avançada, mas também explorar a interface que os microorganismos - bactérias e outros - fazem com os seus hospedeiros. É um aspeto novo do programa. Temos 16 bolsas para atribuir, as candidaturas estão abertas até 3 de janeiro de 2018.
São 16 bolsas para estudantes e investigadores?
Para estudantes motivados para explorar esta interface. Todos os organismos estabelecem relações mais ou menos estáveis com os microorganismos, nomeadamente as bactérias. Essas relações podem ser favoráveis às duas partes mas - e isso é um aspeto muito importante da microbiologia - nem todas as bactérias são patogénicas ou causam doenças. Muitas delas são absolutamente essenciais à vida humana tal como a conhecemos.
E andam por aí?
Estão sempre por aí embora não as vejamos, só temos a perceção de que existem em situações em que essa relação leva a efeitos, a patogéneses, a doenças infecciosas. As relações que as bactérias estabelecem com os hospedeiros são importantes para as bactérias e para a sua evolução, para o hospedeiro e para a sua evolução, e para a co-evolução dos dois. Queremos formar uma nova geração de cientistas interessados em tirar partido das muitas valências das três instituições, não só na área da imunologia do hospedeiro mas também na parte dos microorganismos.
Por que é importante criar um novo doutoramento?
É difícil criar um doutoramento que explore um ângulo novo e que coadune as práticas das diferentes instituições. Informalmente, somos todos - pelo menos alguns de nós - grandes amigos, conhecemo-nos há muitos anos. Outra coisa é estruturar um curso que traga algo de novo. E isso passa pelo reconhecimento da importância desta interface, não só do ponto de vista científico. É importante reconhecer que há uma série de questões relacionadas com a presença constante das bactérias nas nossas vidas - basta lembrar o recente surto de legionella, e já não é o primeiro - e com a questão da resistência aos antibióticos, um problema de saúde pública gravíssimo que poderá ameaçar a nossa espécie.
E as bactérias hospitalares?
A resistência às bactérias hospitalares, sim, mas também como é a interface com o hospedeiro humano. Há outros hospedeiros, organismos modelos que são estudados por diferentes colegas que fazem parte da constelação do programa. Como é que outros organismos modelos podem ser usados para estudar esta interface, que conhecimento derivamos daí? Nós vivemos hoje esta ciência, praticamo-la. Mas podemos pensar nas grandes epidemias que aconteceram na História, como a peste negra [século XIV], cuja bactéria só foi descoberta no início do século XX.
Muito depois de ela ter acontecido.
Muitos depois da grande epidemia. Ainda hoje é estudada, há ferramentas de biologia molecular, de sequenciação em larga escala de genomas, que permitem ir muito mais à frente. Queremos que os estudantes percebam o contexto histórico, temos um curso introdutório de história das doenças infecciosas. É importantíssimo reconhecer esta evolução e que impacto teve na Sociologia, Ha história. Outro exemplo é a eterna questão do que o Colombo levou para as Américas e o que é que o Colombo trouxe das Américas. A sífilis pode ter vindo do Novo Mundo ou não, é uma questão em aberto. Temos de conhecer a importância do período de ouro da descoberta dos antibióticos, entre os anos 1930 e 1960, e onde estamos, os riscos que corremos, as capacidades e as ferramentas que temos para explorar esta interface e propor e descobrir soluções.
Este programa de doutoramento vai ser coordenado pelo ITQB nas três instituições?
O programa vai correr nas três instituições. O facto de eu ser coordenador é apenas um título que os formulários exigem. É um colégio de pessoas e há comissões com muitos colegas que contribuem. Queremos que a interface se traduza em trabalhos de doutoramento originais e em parcerias dentro das instituições, duas ou mais.
Isso é novidade?
Muitas vezes isso acontece por necessidade, as pessoas colaborem, os projetos de doutoramento têm co-orientadores, mas queremos que isso seja, neste programa, uma regra, que se explore ao limite o que as instituições têm para dar, o ambiente, a prática, a história, as diferentes competências que têm e que são muitas vezes complementares. E que os alunos saibam beber e apreciar essa diversidade e transformá-la em algo de novo.
Esta facilidade de cooperação já existia quando estudou?
Acabava por existir com base na cooperação entre indivíduos, as pessoas falavam. Mas a capacidade de comunicação agora é muito superior e também gera problemas. Há uma tão grande diversidade de acesso a conteúdos que às vezes é difícil fazer opções. Uma das coisas que queremos fomentar também é um retorno a um certo classicismo. Tempo para as pessoas estudarem e interiorizarem os assuntos, tempo para voltarem ao livro de texto e não se restringirem àquilo que está no slide que o professor mostra na aula, tempo para pensar problemas. Isso é um aspeto importante, acentuar a necessidade de os estudantes investirem muito no trabalho individual. Quando penso no meu tempo de doutoramento, tinha todo o tempo do mundo para estudar e aprofundar os assuntos com a minha marca, explorar o que me interessava. Nós queremos que os estudantes tenham esse tempo. Esse retorno a um certo classicismo parece-me uma ideia interessante. O tempo.
Não é um retrocesso?
Não é um retrocesso. É muito importante reconhecer tudo aquilo que as tecnologias nos trazem, e o momento inacreditável que vivemos em termos de acesso a tudo e mais alguma coisa, e a capacidade de transformar essas ferramentas ao nosso dispor em algo de original, em deixarmos uma marca, usando tudo o que está à nossa disposição. Mas o mais importante é um investimento pessoal, um interesse, uma curiosidade que têm de ser fomentados ao deixar as pessoas seguir essa veia. E para isso é preciso tempo e é preciso que seja acarinhado. Essa é uma ideia importante neste curso.
Quem são os seus parceiros no IMM e no IGC?
Os vice-diretores do programa são a Maria Mota no IMM é o Miguel Soares no IGC. Somos iguais nas responsabilidades e no empenho, nós e os colegas todos que mobilizámos.
Três nomes de topo.
Nomes sobejamente conhecidos nas suas áreas e pessoas incrivelmente estimulantes neste nível de organização. Tenho a certeza que o serão também para os estudantes que interagirem diretamente com eles.
Fala de tempo mas afinal está a arranjar mais trabalho sempre, não é?
Há coisas pelas quais vale a pena apostar e, à medida que os anos vão passando, são cada vez mais claras. Esta é uma delas. É uma enorme responsabilidade mas também um enorme prazer estar em frente a uma turma, uma turma no sentido clássico da palavra. Ter algo para dizer que emocione e que toque, que possa mudar a vida das pessoas. Temos colegas em número suficiente no corpo docente do curso para fazerem isso. E vamos contar também - o curso de doutoramento tem esses fundos alocados - com a possibilidade de convidar os maiores especialistas para virem cá ou participar nas aulas ou em programas de seminário, ou para falar com os estudantes. Vamos ter a participação de uma série de empresas e entidades oficiais, desde o European Center for Disease Prevention and Control, que nos vem falar da situação das doenças infecciosas na Europa. Os alunos vão estar em contacto com o conhecimento mais atual e com os problemas mais prementes, não só do ponto de vista científico mas do ponto de vista das empresas e das organizações que fazem a monitorização do que está a acontecer em termos de resistência a antibióticos, propagação e disseminação de doenças infecciosas.
Vão ter muito mais candidatos do que vagas?
Normalmente acontece. Espero que sim porque isso significa que o curso está a gerar interesse. Mesmo para aqueles que não forem selecionados, há um pé na porta e isso também nos permite selecionar as pessoas que, dentro dos critérios que vamos definir, terão melhor capacidade de contribuir. É assim que funciona, não há lugar para todos.
É um programa anual? Podem entrar mais todos os anos?
É uma edição e quanto ao futuro logo se vê como vai correr, que avaliação fazemos.
A sua investigação principal tem que ver com esporos. Perguntei a várias pessoas e não sabiam o que são esporos.
Há vários tipos de esporos. Por exemplo, os fungos fazem esporos que podem resistir durante muitos anos. Mas os esporos mais resistentes são feitos por um grupo particular de bactérias muito antigo que apareceu neste planeta mais ou menos há 2,8 mil milhões de anos.
Nem sei o que isso é.
É muito tempo. A origem da vida na Terra está entre os 4,5 e os 4,8 mil milhões de anos. Se o que conhecemos sobre o percurso evolutivo deste grupo estiver correto, são muito antigas mas não são as bactérias mais antigas na Terra. Têm um processo de diferenciação. Todos os organismos crescem e multiplicam-se. Mas estas, se encontram insultos ambientais, condições ambientais extremamente adversas, formam um tipo de célula diferenciado que é metabolicamente inerte e resiste a tudo, mesmo a condições, simuladas ou reais, extraterrestres. No limite, podem viajar no espaço.
Aliás, creio que há um acordo vosso com entidades de investigação espacial para levar esporos e experimentá-los no espaço.
Sim. Os esporos bacterianos deste grupo, chamados firmicutes, estabelecem o limite, são provavelmente as estruturas vivas mais resistentes que temos neste planeta. Sobretudo, resistem à passagem do tempo. As moléculas de DNA que se isolam de tecidos com 30 ou 40 mil anos já estão muito destruídas, mas há esporos que foram isolados de cristais de sal com 250 milhões de anos, quando só havia um super-continente na Terra, chamado Pangeia. Foram isolados esporos com 40 mil anos no trato gastrointestinal de abelhas preservadas em âmbar, do período geológico dominicano. São verdadeiras cápsulas do tempo. Se alguém quiser preservar o seu DNA é só pô-lo dentro de um esporo e pode guardá-lo.
Para que é que isso interessa?
Há sempre duas respostas. Somos movidos pela curiosidade, temos a missão de conhecer o mundo que nos rodeia e somos parte da longa cadeia de homens e mulheres que desde a invenção da Ciência e da Filosofia há milhares de anos na Grécia Antiga tomou em mãos esta aventura. Isto não precisa de ser explicado, é inerente à espécie humana, é isso que fazemos. Somos curiosos por natureza, queremos saber. Mas também queremos saber porque daí podemos tirar lições e ferramentas para nos capacitarmos melhor para os desafios. Como disse no início, as bactérias andam aí, nem todas são patogénicas, muitas delas são benéficas, mas as patogénicas causam problemas societais terríveis. Para ligar isso aos esporos, um dos organismos patogénicos do momento, um patogene nosocomial que acumula nos ambientes hospitalares, é uma bactéria chamada clostridium difficile que forma esporos. Como é anaeróbia, a maneira de se disseminar é na forma de esporo, porque o esporo resiste a tudo, inclusive ao oxigénio. As estirpes epidémicas produzem muitos esporos que se espalham, passam de doente para doente, na forma de aerossóis, são ingeridos. O esporo germina no trato gastrointestinal e as formas capazes de crescimento ativo da bactéria produzem toxinas que causam os sintomas de uma série de doenças que podem levar à morte. Nos Estados Unidos há cerca de 14 mil mortes anuais devidas a doenças gastrointestinais causadas por clostridium difficile que afetam, por exemplo, a população envelhecida.
Essa é a bactéria a que, para facilitar, chamados bactéria hospitalar?
É uma delas. Queremos saber se podemos interferir com a maneira como o esporo é construído para que resista a tudo, até aos desinfetantes usados nos hospitais. Os esporos são muito difíceis de erradicar mas não servem para nada se não germinarem. Só quando o esporo germina sai lá de dentro uma célula capaz de crescer e dividir-se. No trato gastrointestinal, o esporo germina em resposta a sais biliares. É uma bactéria patogénica adaptada a viver e tirar partido do hospedeiro.
Aí está uma das situações que se encaixam no vosso programa de doutoramento.
Sim, esta interface seria explorada. Como é que o esporo é construído? Como germina? Como podemos interferir com estes processos e com a produção de toxina de forma a que, ainda que o esporo germine, a bactéria não seja virulenta, ou tão virulenta? Há trabalhos interessantíssimos de colegas do IMM e do IGC sobre o conjunto de bactérias que definem a microbiote humana, bactérias normais do nosso trato gastrointestinal, e que têm o efeito de antagonizar a germinação dos esporos de clostridium e o estabelecimento de uma população ativa. Quando nos hospitais as pessoas estão a ser tratadas com antibióticos de largo espectro, essa comunidade é dizimada e o clostridium difficile pode crescer e causar doença.
É quase um paradoxo, não é?
Exatamente. E essa interface da microbiote com os patogenes e com o hospedeiro é importantíssima. Este conjunto de bactérias normal tem a capacidade de influenciar comportamentos complexos e de antagonizar patogenes. Tudo isto tem de ser escalpelizado.
Como chegou a esse tema como preferencial?
Quando comecei, interessei-me por genética microbiana. No IGC [onde fez o doutoramento], o tema que me foi proposto foi a esporulação, o tal processo de diferenciação diante do qual uma célula capaz de crescer origina um esporo. Verifiquei que este processo toca em tantos aspetos da fisiologia das células - desde divisão celular, replicação do cromossoma, segregação do cromossoma, morfogénese - que me permite tocar em toda a biologia. Não precisei de me dedicar a mais nada, porque mais tarde ou mais cedo estou a tocar todos os aspetos da biologia. Durante este processo a célula reconverte tudo, precisa de mexer em tudo para construir uma célula de um tipo diferenciado. E ainda estou a estudar essa diferenciação celular.
Estive há uns anos no seu laboratório e vi no seu gabinete a data da chegada do [James] Cook [1728-1779] à Antártida. Ainda tem?
Tinha as três viagens do Cook. Numa das viagens ele esteve muito perto da Antártida mas teve de voltar para trás porque o gelo era de mais e o navio e a tripulação estavam em perigo. A frase famosa que ele escreve no diário é marcante. Ele era ambicioso suficiente para ir mais longe do que qualquer homem tinha ido mas não tomou essa decisão porque não era o tempo certo. Dou muitas vezes esse exemplo. Nós somos ambiciosos, queremos descobrir coisas, queremos ir onde mais ninguém esteve antes e às vezes não é possível e é preciso fazer recuos estratégicos para depois voltar a avançar. Isso é parte do processo científico. Aliás, queremos incutir nos alunos a noção de que a ciência é uma atividade humana, é uma busca de verdade e da beleza também, mais simples do que o trabalho do poeta ou do artista, porque obedece a regras muito estritas. Incutir nos alunos a capacidade de apreciarem o método e de o aplicarem com rigor. Fazer perguntas, planear experiências que deem respostas, analisar resultados, a fazer novas perguntas. Que os alunos tenham a perceção de que é uma atividade humana que obedece a regras. As viagens dos poetas, as viagens dos grandes exploradores dos séculos passados - há muitas viagens incríveis que foram feitas, desde os Descobrimentos portugueses e provavelmente antes até - fazem parte da experiência humana. Os cientistas podem ter uma responsabilidade social acrescida, no sentido em que o que fazemos pode produzir soluções para problemas concretos. Mas na perspetiva mais lata da experiência humana, é uma viagem que reiniciamos todos os dias. Principalmente quando as coisas correm mal, e muitas vezes correm... Correr mal é relativo, porque é tão comum estudante, colaboradores, estudantes aparecerem para discutir resultados e dizerem: "Adriano, isto não funcionou". É precisamente quando não funciona que há ganho de conhecimento.
Porquê?
O não funcionar corresponde a uma expectativa. Nós não fazemos experiências para verificar algo, nós fazemos experiências para testar algo. Temos uma hipótese mas ela não está necessariamente correta. Se a experiência for bem feita, gera sempre conhecimento. Pode dizer que a hipótese estava incorreta, que temos que voltar a desenhar uma experiência nova. Mas é sempre informativa e, quanto mais estranho o resultado, maior é o ganho potencial. Claro que é bom alguém aparecer a dizer: funcionou exatamente como esperávamos. Sentimo-nos bem porque temos de caminhar num sentido, temos de ter segurança no que fazemos. Mas os momentos mais excitantes no laboratório são aqueles em que os resultados são estranhos ou aparentemente a experiência não funcionou.
E quando confirma a ideia prévia?
É uma segurança. pode resumir-se à seguinte fórmula: se isto for verdade, então aquilo também deve ser. Se não for, algo diferente está a acontecer. Quando passamos esta fase exploratória de dúvidas e de resultados negativos, quando encontramos a pista certa, temos de gerar resultados que nos digam que estamos a pensar bem. Há de haver um ponto em que voltamos a ter problemas mas pelo menos há um caminhar numa direção. A experiência que dá os resultados esperados é muito importante também.
É uma festa?
É uma festa. Gera muita confiança no intelecto e na capacidade técnica, as duas coisas vão em paralelo. Em termos de formação, por exemplo num estudante de doutoramento, a confiança que gera uma experiência bem desenhada que produza um resultado esperado, em que todos os controlos funcionam, é uma parte importantíssima da aprendizagem da profissão. Agora consigo fazer, já fiz uma vez, já fiz muitas vezes. E também prepara a pessoa para ter confiança quando conduz uma experiência não produz os resultados esperados. É tudo um continuum, experiências boas e más geram confiança da mesma maneira. É preciso umas para interpretar as outras e vice-versa.
Com quantas pessoas trabalha?
Neste momento, umas dez. O grupo oscilou entre as seis e as dez. As pessoas com quem se partilha o espaço e o maior número de horas do dia são muito importantes. Temos excelentes relações de trabalho, os grupos funcionam de uma maneira muito generosa. Parte da aprendizagem da profissão é perceber que é uma atividade humana que depende muito de interações. As pessoas introvertidas que gostam de trabalhar sozinhas também têm um lugar. Há as pessoas introvertidas que gostam de trabalhar sozinhas, outras que são boas a interagir e avançam depressa porque interagem, corrigem a trajetória muitas vezes. Os dois tipos são possíveis, mas a páginas tantas há uma partilha das experiências, há um conhecimento que o grupo gera que é mais do que o conhecimento individual das partes,. É um tecido vivo.
É difícil gerir um tecido assim?
Acho que não. Já há um historial, uma prática, um estilo do grupo que quem entra adquire, e eu só tenho de orientar, pensar com as pessoas, dar o meu contributo - tenho mais anos, mais experiência. Os grupos evoluem nesse sentido e as pessoas que vêm encaixam muito bem e passam a funcionar da mesma forma.
Sempre gostou de ler. Ainda tem tempo?
Sim. Estive recentemente nos Estados Unidos e um dos livros na berra, de um antigo colunista do New York Times chamado Tom Friedman, é Obrigado por estares atrasado [Thank you for being late] A tese do livro é que estamos a viver um período especial em que a tecnologia está a evoluir de uma forma exponencial e nós estamos na parte exponencial da curva. Dizia-se que a tecnologia duplicava o poder computacional a cada x anos. Estamos na parte exponencial mas não só na tecnologia, também na globalização, no comércio e nas alterações climáticas. E ele diz que isto é de mais para nós lidarmos. Temos de fazer opções muito importantes, temos de ter muita cabeça, muita solidez intelectual para perceber porque é impossível lidar com isto tudo. O ser humano não está preparado. Diz que entrevistava muitas pessoas na zona de Washington e costumava marcar as entrevistas à hora do pequeno almoço. E toda a gente chega atrasada. As pessoas pedem sempre muita desculpa, porque o metro está atrasado ou há um engarrafamento e ele diz sempre: "Não, obrigado por estares atrasado". Porque são os minutos que ele ganha para estar a pensar no que tem de fazer durante o dia. Essa capacidade de extrair tempo aos exponenciais todos que nos rodeiam é fundamental. Esse é o livro que estou a ler agora. Estou sempre a ler livros.
E continua interessado na Banda Desenhada?
Muito. Ainda agora fui o festival da Amadora. É uma área que me interessa muito