"Há tanto tempo que não vinha aqui", exclamam os visitantes mais velhos quando regressam ao centenário edifício do Aquário Vasco da Gama (AVG), em Algés. É uma das frases mais frequentes aos ouvidos de Paula Leandro, que trabalha há 30 anos no serviço educativo e cultural daquele espaço.
Inaugurado em 1898, para celebrar os 400 anos da descoberta do caminho marítimo para a índia, o primeiro aquário do país foi uma iniciativa do rei D. Carlos I, considerado o pai da oceanografia moderna.
O repórter Rui Silva mergulhou na história do aquário-museu criado por um príncipe que queria estudar o mar português
Apaixonado pelo mar "quando ainda tinha 15 anos", o então príncipe encontrou o experiente Alberto do Mónaco - que já fazia campanhas oceanográficas - e "desenvolveu o sonho de vir a estudar o mar português".
Naquela altura, recorda Paula Leandro, "o mar era desconhecido, sobretudo a parte das grandes profundidades abissais", pelo que D. Carlos iniciou um conjunto de 12 campanhas de exploração marítima cujo espólio é atualmente exibido no aquário Vasco da Gama.
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Ali se pode observar, por exemplo, um peixe-farol capturado abaixo dos 1000 metros de profundidade. Uma novidade para a época porque "até cerca [do ano] de 1850 pensava-se que a vida no mar não existia abaixo dos 500 metros de profundidade". Os cientistas julgavam "a partir do momento em que a luz do sol desaparecia" na profundidade, não existia mais vida no oceano. A recolha de um peixe que usa iluminação própria para capturar as presas foi, portanto, uma "novidade extraordinária que representa o desconhecido e a aventura".
Mas o rei conseguiu mais: pela primeira vez, capturou um tubarão-demónio, que até então só tinha sido identificado no Oceano Pacífico. Fez também um inventário de peixes, moluscos, estrelas-do-mar e ouriços existentes nas águas nacionais e "recolheu uma amostra diversificada de espécies novas para a fauna portuguesa".
Os apontamentos escritos e os desenhos do rei estão representados nas paredes da escada de acesso ao primeiro andar do aquário. Chama-se "escada-mergulho", porque proporciona ao visitante a experiência de subir desde as profundezas até à superfície, enquanto vai lendo algumas frases escritas em português arcaico na parede azul ('Explorar scientificamente', 'Um peixe abyssal', 'Innumeros em todas as dragagens').
Faltam especialistas
A área museológica do aquário Vasco da Gama continua por mais salas, com mais frascos e animais "naturalizados". Não se pode dizer "embalsamados" porque a técnica é diferente, explica Paula Leandro. A naturalização não utiliza a injeção de químicos no corpo do animal, quando é preparado para exposição. Este é um trabalho feito por taxidermistas, "técnicos muitos especializados" que o aquário já teve "durante muitos anos", mas que agora são contratados externamente.
"Faltam-nos técnicos, temos poucas pessoas", lamenta Paula Leandro, referindo que entre os 48 funcionários existe apenas "uma única assistente técnica que é responsável pela manutenção e conservação permanente" do material exposto. "Uma pessoa é muito pouco", pelo que "são necessários recursos humanos para desenvolver também atividades pedagógicas".
Gerido desde 1901 pela Marinha Portuguesa, o AVG tem recebido nas últimas duas décadas "pouco menos de 50 mil visitantes por ano", a maioria alunos de escolas. Turistas são "apenas 5%", porque a realização de campanhas de comunicação envolvendo agências de publicidade esbarra sempre nas "restrições de verbas". Ainda assim, a responsável de Educação e Cultura do AVG garante que o espaço é "muito valorizado" pelos visitantes estrangeiros devido à "experiência de proximidade, de história e de tradição" que proporciona.
Um museu estudado que vai para obras
Paula Leandro adianta que o aquário é, ele próprio, objeto de atenção por parte de museólogos. "Quem estuda museologia reconhece aqui vários tempos, várias épocas e várias tendências" de mostrar história ao público. Exemplo disso é a Sala Nova, inaugurada em 1980 e que, com vitrinas de madeira castanha e legendas datilografadas, "espelha uma época em que se fazia museologia desta forma".
Apesar do orgulho no estilo clássico, a responsável anuncia que o aquário vai sofrer obras de remodelação em algumas salas do espaço museológico.
A sinalética, a iluminação e algumas vitrinas vão ser mudadas, com o objetivo de tornar mais apelativa a comunicação com o público.
O aquário quer "contar histórias" aos visitantes, abandonando o método tradicional de "dar apenas" a sistemática e classificação dos animais, que "prevalecia nos museus de história natural".
A remodelação de três salas no primeiro piso deve ocorrem em duas fases: primeiro, durante o mês de julho, e depois em setembro. "Apenas serão encerradas as salas que estiverem sobre intervenção em cada momento, nunca sendo vedado o acesso total ao museu", explica a responsável.
A tartaruga ex-residente que nadou até à América
Outras mudanças que já começam a ser visíveis estão relacionadas com a área dos animais vivos. Atualmente, os tanques das tartarugas, leões-marinhos e focas - que durante anos fizeram as delícias dos visitantes - estão vazios.
A justificação prende-se com as normais legais de proteção animal e com as "tendências" de uma sociedade cada vez menos tolerante a agressões aos animais. "Não é bonito ver um animal selvagem desta forma, limitado a um tanque", justifica Paula Leandro, que chegou a ouvir "muitas reações negativas de visitantes tristes e revoltados" pelas condições a que os animais estavam sujeitos. Afinal, o objetivo do AVG é dar o exemplo mostrando "respeito e amor pelos animais".
Para o fim da exibição nos tanques também contribuiu o aparecimento de outros espaços de recuperação de animais marinhos no país.
O tanque das tartarugas vai passar a ser ocupado por cágados, que se adaptam melhor àquele espaço. Quanto ao tanque das focas e dos leões-marinhos, "a solução é mais difícil" e ainda está em estudo.
A última tartaruga marinha a habitar o aquário viveu ali durante 20 anos. Chama-se Gama e foi libertada ao largo de Aveiro ,em novembro de 2017. O transmissor satélite que lhe foi colocado na carapaça tem fornecido resultados animadores: "Em poucos meses nadou 5.000 km, manteve o seu instinto selvagem intacto e está a nadar em direção à costa americana, onde há de encontrar a praia onde tinha nascido e onde irá pôr ovos".
O peixe que recebe cartas
Não é crível que a tartaruga regresse ao aquário, onde o animal vivo mais antigo é um peixe-cão com 30 anos de idade, oriundo dos Açores. Este peixe, "relativamente raro", tem sido "sempre tratado pela mesma pessoa" e recebe um mimo especial: "Cada vez que o tratador vai de férias manda um postal ao peixe, que é depois lido pelo resto do pessoal" do AVG, conta Paula Leandro. Porém, este peixe-cão já testemunhou outra forma especial de amor: um visitante que pediu a noiva em casamento, numa missão organizada pelos funcionários do espaço.
Continuar a promover "uma ligação de proximidade" junto de "gerações inteiras" é um dos objetivos de quem trabalha no Aquário Vasco da Gama, o pai dos aquários em Portugal que é hoje "um avozinho ativo, dinâmico e que gosta de ir evoluindo" com a sociedade.