O eucalipto tem características que o tornam mais inflamável que outras árvores. A explicação dos especialistas, quando a lei para travar o eucalipto ainda está no Parlamento.
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Em janeiro do ano passado, o ministro da Agricultura garantia que estava praticamente concluído um diploma para revogar o Regime de Arborização, que ficou conhecido como a lei de liberalização do eucalipto. No entanto, o diploma aprovado pelo governo que altera essa lei de Assunção Cristas ainda está no Parlamento. Está em discussão na comissão de Agricultura desde abril deste ano.
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O ministro Capoulas Santos explicou esta tarde o que pretende com a alteração: "O que não queremos, contrariamente ao que sucedeu no passado, em que se liberalizou a plantação de eucaliptos e toda a gente podia plantar onde quisesse... o que nós queremos é não permitir mais área, mas, naquela área onde permitirmos, que seja feito com regras".
Ora, porque é que é preciso travar o eucalipto? Foi isso que perguntámos aos especialistas.
Domingos Patacho é o coordenador da Quercus para as florestas. Ele alerta para as características combustíveis desta espécie, sublinhando que quando se trata de monocultura, ainda é pior.
"Todos os proprietários, plantando as mesmas áreas até ao limite dos terrenos em centenas ou milhares de hectares, formam uma grande mancha de eucalipto e quando entra um incêndio é muito difícil de parar", sublinha.
Para além disso, o eucalipto tem "características intrínsecas como óleos essenciais inflamáveis" e um tipo de casca que "lança projeções incandescentes até centenas de metros e que provocam focos secundários".
O ambientalista e investigador João Camargo chama também a atenção para essa circunstância das cascas saltarem em chamas para grandes distâncias provocando novos focos de incêndio.
"Um professora da Austrália diz que o eucalipto evoluiu para queimar a sua concorrência. É o Rambo das árvores. É uma espécie extremamente resistente e adaptável que prolifera em condições onde outras não proliferam. O território português não está preparado para essa voracidade de uma espécie deste género que já ocupa 9% do território nacional", analisa.
Domingos Patacho vive em Ourém, conhece bem a zona que ardeu: "São milhares de hectares de eucaliptos e de proprietários. Parte das áreas que arderam são de muitos proprietários, muitos deles vivendo noutras zonas do país ou no estrangeiro. Quando vêm no verão vendem a madeira a quem lhes der melhor preço".
João Camargo faz um diagnóstico semelhante: "O eucalipto é uma árvore do abandono. Planta-se e dez ou 12 anos mais tarde vai-se lá."
Aliás, os números de emprego na indústria da celulose, faz notar, "são muito baixos": "Estamos a falar de nem três mil funcionários diretos do setor da celulose em Portugal".
Na análise do ambientalista, o que se passa atualmente é a existência de um monopólio da indústria de celulose. "O Estado acabou por - não diretamente - entregar uma fatia gigantesca do território nacional a uma indústria. Uma maneira relativamente simples de modificar esse caráter monopolístico que foi dado ao território é apoiar a plantação de outras espécies".
E para isso, é necessário apoio público: "Este problema não se pode resolver sem dinheiro nem sem Estado. É absurdo alguém dizer que há Estado a mais quando temos 2,5% de floresta pública e quase 100% de bombeiros voluntários".
O coordenador para as florestas da Quercus considera também que há muita coisa a mudar, a começar pela revogação da Lei de Assunção Cristas. Em marcha, está a chamada reforma florestal do Governo. "Insuficiente", responde Domingos Patacho, acrescentando: "Parece-nos que é uma reforma que fica um pouco aquém e que teria que ter mais áreas de reestruturação para alterar as questões do ordenamento florestal".
As alterações, dizem os ambientalistas, têm que ser mais profundas.