Maria do Mar Pereira é uma investigadora portuguesa na Universidade de Warwick que acaba de ganhar um prémio internacional superior a 100 mil euros.
Esses estereótipos, concluiu a socióloga, dão origem a várias desigualdades e têm impacto nocivo nas crianças e nos jovens.
Dois estudos - um numa escola secundária, outro numa universidade - deram à investigadora que trabalha no Reino Unido, o Prémio Philip Leverhulme.
Maria do Mar Pereira, que é vice-presidente do Centro de Estudos da Mulher e do Género na Universidade de Warwick, explicou à jornalista Barbara Baldaia como desenvolveu os dois estudos que lhe valeram este prémio internacional
Ganhou este prémio na sequência de dois estudos. Fale-me sobre eles.
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Um dos estudos foi feito numa escola em Lisboa com uma turma do 8º ano, com jovens de 14 anos. Durante alguns meses, tornei-me uma das alunas da turma e fui observando o que acontecia no recreio, na sala de aula, no ginásio. O que me interessava era observar o sexismo e a homofobia na vida de adolescentes.
O segundo estudo foi nas universidades. Fiz esse trabalho de estar camuflada a observar o que acontece nas salas de aula, nas conferências, nas reuniões e procurei também aí analisar o sexismo e a homofobia e como se manifestam na vida académica.
E chegou à conclusão que, quer num caso quer noutro, há estereótipos de sexo e de género.
Tanto nas escolas como nas universidades, vemos ideias feitas que as pessoas têm: crianças e jovens e adultos. Às vezes, os adultos têm ideias mais estereotipadas que as crianças e jovens. Essas ideias vão afetando as interações do dia a dia, as decisões que se vão tomando e esse efeito acaba por produzir desigualdade, marginalização, violência, bullying, tanto na escola como nas universidades. Essas desigualdades têm efeito na vida de todas as pessoas, não só das mulheres.
"As raparigas fingiam que eram mais burras do que realmente eram, o que por vezes tinha um efeito no seu desempenho académico e faziam dietas muito pouco saudáveis".
Mas de que estereótipos estamos a falar?
Se pensarmos na escola, são muitos. Por exemplo, a ideia de que os rapazes não podem chorar, não podem tocar nos amigos, pedir ajuda, sentir-se vulneráveis. As raparigas, sob grande pressão de serem muito bonitas, muito magras, fazerem dietas constantemente, [a ideia de] não poderem ser inteligentes de mais porque supostamente os rapazes não gostam de raparigas muito inteligentes e, portanto, tanto os rapazes, como as raparigas sentiam uma grande pressão de todos os dias tentar encaixar nessas ideias.
As raparigas fingiam que eram mais burras do que realmente eram, o que por vezes tinha um efeito no seu desempenho académico e faziam dietas muito pouco saudáveis. Os rapazes não procuravam ajuda quando precisavam, entravam em brigas quando não queriam entrar e isso tinha um efeito muito negativo na sua saúde emocional e física.
Estes são os estereótipos que as pessoas não gostam. Quando entrevistava cada uma das pessoas individualmente, todas me diziam, na privacidade, que não gostavam daqueles estereótipos, que só os mantinham porque as outras pessoas o faziam.
Ou seja, embarcam na lógica de grupo.
Exatamente, é a força da pressão de pares e, portanto, os estereótipos vão-se reproduzindo apesar de ninguém gostar deles e toda a gente estar a ser prejudicada por eles.
Nas universidades, as coisas são um bocadinho diferentes, são espaços onde a autoridade, a hierarquia são muito pesadas. Portanto, temos muitas vezes pessoas com grande peso nas universidades que têm ideias muito estereotipadas sobre género e sobre sexualidade e que, no dia a dia das universidades, na forma como ensinam, na forma como tomam decisões, vão reproduzindo este sexismo.
Estamos a falar sobretudo do corpo docente.
Sim, eu foquei-me no corpo docente, não estudei tanto a vida académica. Eu verifiquei que há muito a ideia de que o trabalho científico das mulheres não é tão valorizado, não é tão interessante quanto o trabalho dos homens. A ideia que os homossexuais também fazem ciência menos interessante, a ideia que estudar género e sexualidade também não é muito rigoroso e não deve ser financiado ou não deve entrar nos programas. E também muito assédio sexual de docentes a estudantes e também entre docentes. Isso afeta muito as mulheres, afeta umas mulheres mais que outras.
Esse assédio tem implicações nas notas?
Nas notas, nas carreiras, e também no tipo de pessoas que estão representadas nas universidades. O que acaba por acontecer é que as pessoas sentem que é uma cultura tão machista e tão homofóbica que, na altura de decidir se vão continuar a estudar ou que carreira vão escolher sentem que se calhar o mundo universitário não é um mundo para elas.
"Os professores universitários são muito preconceituosos e não há dúvida de que isso afeta o tipo de conhecimento que estamos a produzir nas universidades".
Acaba por chegar à conclusão de que os professores universitários são bastante preconceituosos...
São, são muito preconceituosos e não há dúvida de que isso afeta o tipo de conhecimento que estamos a produzir nas universidades. As pessoas saem das universidades com estereótipos que deviam ter sido desconstruídos, com grandes falhas no seu conhecimento de questões que deviam ter aprendido.
Digo-lhe também que pessoas como eu que podiam estar a trabalhar em Portugal acabam por decidir ir trabalhar para outros países, porque as oportunidades são maiores.
Está a trabalhar no Reino Unido. A sua decisão teve a ver com isso?
Sim, saí de Portugal porque esta área de investigação do género e sexualidade não era muito reconhecida e as pessoas diziam-me muito abertamente que o que eu estava a fazer não era ciência a sério, o que é agora curioso porque estou a receber este prémio internacional.
Os estereótipos de género e de sexo são diferentes em Portugal do que são no Reino Unido?
Cada país tem os seus próprios estereótipos. devo confessar que quando cheguei a Inglaterra estava à espera de descobrir que Portugal era mais atrasadinho, porque é uma conversa que temos muito em Portugal. E na realidade não é isso que observo, é muito mais paradoxal.
Há alguns aspetos em que eu acho que os e de género em Portugal são muito mais fechados e é mais difícil combatê-los e noutros aspetos em que somos mais abertos, mais igualitários. Dou-lhe um exemplo: sendo um país mais pobre, as mulheres sempre trabalharam em Portugal, seja na agricultura, seja nas fábricas, e, portanto, sinto que há uma maior aceitação do trabalho das mulheres em Portugal do que existe no RU. E vê-se isso nas estatísticas.
Uma desvantagem que se tornou vantagem, no fundo.
Exatamente. Portanto, acho que também é importante recusar esse discurso de que somos muito atrasadinhos. Mas há muitas coisas em que podemos fazer muito melhor.
Falou na desconstrução dos estereótipos. Como é que isso se faz?
Sabemos na sociologia que os estereótipos só podem existir e só funcionam se as pessoas não os questionarem. Porque a maior parte dos estereótipos, quando pensamos neles, não fazem muito sentido. A maior parte dos estereótipos só funciona se estivermos em piloto automático e se não pensarmos sobre eles. A partir do momento em que os questionamos, começamos a ver que não fazem muito sentido. [É importante] qualquer trabalho de educação, de debate, pôr as pessoas a parar um bocadinho e pensar "porque é que fazemos isto?".
Geralmente as pessoas apercebem-se que há muitas coisas que fazem em piloto automático por estereótipos que não faz muito sentido. Este trabalho de debate, de sensibilização, de conversa nos media, é que faz a mudança.