No Ano Novo Lunar, a mais importante festividade chinesa, queimam-se panchões para afugentar espíritos maus e cumprem-se vários rituais, numa festa que, em casa, tem uma divindade especial que convém não descurar: o deus do fogão.
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As ruas estão engalanadas com diversos motivos festivos. Alguns animais, como a serpente que ficará a reinar a partir de domingo, iluminam jardins e diversos arruamentos da cidade e cada família procura, agora, a poucos dias da grande festa, os últimos motivos e ingredientes para a reunião familiar que, em muitos casos, marca o regresso anual às origens e proporciona o único período de férias.
No continente chinês, e mesmo de fora para dentro, decorre agora o maior movimento humano simultâneo, dado que milhões de pessoas aproveitam a época festiva para visitar a família e a terra natal. Por terra, por ar ou pelo mar, todos os meios são utilizados para chegar a casa.
Em Macau, como noutras cidades, as famílias procuram concluir os últimos detalhes da festa, que terá um jantar em família antes da romagem ao templo, onde todos rezam e veneram os deuses e pedem proteção para o ano que se inicia.
Mas a noite de Ano Novo marca também o fim do período de uma semana em que tudo foi permitido, já que da casa da família esteve ausente o deus do fogão, a mais importante divindade da casa que nos últimos dias do ano velho sobe aos céus para entregar ao Imperador de Jade o relatório daquela família.
«Uma semana antes do Ano Novo, há um jantar de família conhecido como o 'pequeno Ano Novo', num dia dedicado a este deus do fogão, um deus lar, cuja figura ou nome está atrás do local onde se cozinha e que ao longo do ano toma conta da família e sabe sempre tudo o que se passa», começa por contar Fernando Sales Lopes, residente em Macau desde 1986, licenciado em História e Mestre em Relações Interculturais.
A noite que marca a saída da divindade da casa das famílias até ao primeiro dia do Ano Novo, é «bem nutrida» e «bem bebida», mas há pequenos detalhes que ninguém pode esquecer, acrescentou.
«Não só é importante alimentar bem o deus do fogão com muitas iguarias da época, como se deve passar mel na placa ou no boneco da divindade para ele ir com umas palavras mais doces. Deve dar-se também muita aguardente porque, se for 'com os copos', o imperador de Jade acaba por não perceber nada do que ele diz, ou então, como tem muito mel, só diz as coisas boas e não diz as coisas más», conta.
Todo o jantar e a satisfação do deus do fogão visa apenas manter a harmonia daquela família com o Imperador de Jade, augurando boa fortuna no ano que está para chegar, e marca o início da última semana do ano em que tudo, ou quase tudo -- que, por vezes, inclui alguns excessos -, é permitido, porque não há ninguém a vigiar os elementos da família até ao regresso do deus do fogão.
»Todos percebemos que, nesta última semana, há muito mais movimento, porque as famílias estão a preparar a entrada do Ano Novo, mas também estão libertas do olhar do deus do fogão e por isso podem fazer tudo, brincar com tudo até à noite de Ano Novo, altura em que a divindade volta ao seu lugar na casa e vai cumprir mais um ano de vigilância de todos os membros da família».
A azáfama do Novo Ano inclui muitas tradições e superstições, como roupa interior nova, mudança de móveis velhos, limpeza da casa e substituição das figuras dos deuses, saldar as contas e vender o mais possível dos artigos em armazém, no caso dos comerciantes.
Mas é também nesta altura que, por tradição, os barcos de pesca voltam ao porto Interior e, engalanados e alinhados, dão nova vida ao local, embora na atualidade aquele porto de abrigo não receba tantos navios como antigamente.
Os pescadores deslocam-se a terra, principalmente ao templo de A-Má, a deusa dos navegantes, para agradecer a safra do ano que terminou e pedir proteção para o ano que se inicia.