
Campanha "I Belong"
DR/ACNUR
A ONU lança hoje campanha para erradicar apátridas dentro de dez anos. Em todo o mundo existem dez milhões de pessoas que não têm nacionalidade, vivendo num devastador limbo jurídico.
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«A cada dez minutos nasce um novo apátrida», disse hoje António Guterres, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), aos jornalistas em Genebra, descrevendo a situação como «totalmente inaceitável» e «uma anomalia no século XXI».
O ACNUR pretende através da campanha lançada hoje colocar em evidência «as consequências devastadoras para toda a vida da condição de apátrida» e pressionar os países a retificarem as suas leis a fim de garantir que não é negada nacionalidade a ninguém.
«Muitas vezes são excluídos desde o berço até ao túmulo, sendo-lhes negada uma identidade legal quando nascem, acesso à educação, cuidados de saúde e oportunidades de trabalho durante toda a vida e mesmo a dignidade de um funeral oficial e de um certificado de óbito quando morrem», referiu a agência no seu relatório. A condição de apátrida «faz com que as pessoas sintam que a sua própria existência é um crime», afirmou o Alto-comissário para os Refugiados.
As pessoas podem tornar-se apátridas por uma série razões como a discriminação com base na etnia, religião ou género, ou quando um Estado se desmorona. A guerra e o conflito também dificultam, muitas vezes, o registo dos nascimentos.
O relatório não contabiliza o caso dos palestinianos, uma vez que a Assembleia Geral da ONU reconheceu o Estado da Palestina, disse Guterres. O problema de muitos dos 4,5 milhões de palestinianos na Faixa de Gaza e dos milhões que vivem como refugiados em todo o mundo é que o Estado da Palestina tem ainda de aprovar as suas leis de nacionalidade, afirmou, insistindo que se trata de uma situação muito específica» que requere uma «solução política».
O maior número de apátridas encontra-se na Birmânia, país que nega cidadania a cerca de um milhão de muçulmanos de etnia Rohingya, de acordo com dados facultados por António Guterres. A Birmânia considera os Rohingya imigrantes ilegais oriundos do Bangladesh que, por sua vez, olha para os que atravessam a sua fronteira como ilegais provenientes daquele país.
Quando uma nação se divide, as pessoas são frequentemente deixadas num limbo. A título de exemplo, mais de 600 mil pessoas continuam como apátridas depois da desintegração da União Soviética há mais de 20 anos.
Em cenários de guerra, conflito ou tumulto, também é frequente ser difícil registar nascimentos, especialmente entre os refugiados, o que faz com que os bebés fiquem sem pátria. António Guterres deu um exemplo: 70% dos bebés de refugiados sírios nascidos nos vizinhos Líbano ou Jordânia não recebem certificados legais de nascimento.
Em paralelo, há determinados países, como o Irão ou Qatar, que nega às mulheres o direito de passar a sua nacionalidade para os filhos em condições de igualdade com os homens, «situação que pode criar cadeias de apátridas que se estendem por gerações», advertiu o ACNUR.
Como parte da campanha lançada hoje - sob o título "I Belong" (Eu pertenço), António Guterres e outras 20 personalidades, incluindo o Alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, o príncipe Zeid Ra'ad Al Hussein, os laureados com o Nobel da Paz Shirin Ebadi e Desmond Tutu, e a enviada especial do ACNUR e atriz Angelina Jolie, apresentam uma descrição do que significa viver sem nacionalidade.
«Pode significar uma vida sem educação, sem assistência médica, sem emprego legal, sem liberdade de circulação, sem esperança nem perspetivas de futuro», diz a carta, em que se sublinha que a condição de apátrida é «desumana». «Acreditamos que é chegada a hora de acabar com esta injustiça».
A campanha pretende reunir dez milhões de assinaturas com a petição na sua tentativa de erradicar a condição de apátrida nos próximos dez anos.