Dúvidas sobre a maior coleção de gravuras de Rembrandt «descoberta» em Águeda (vídeo)

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O acaso de uma arrumação ao depósito da Fundação Dionísio Pinheiro, em Águeda, levou à descoberta da maior coleção do mundo de gravuras de Rembrandt, que pertenceu à Biblioteca Nacional de Paris. Mas há quem conteste esta afirmação.
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A Fundação, criada por testamento de um empresário do setor têxtil que fez fortuna no Porto, tem expostas 14 das 282 gravuras até ao final de junho e tem sido procurada por especialistas, estando aberta a que seja feito um estudo exaustivo da coleção.
Dionísio Pinheiro, que viveu entre 1891 e 1968, foi aos 11 anos trabalhar para o Porto como marçano nos Armazéns Cunha e frequentava à noite a Escola Industrial. Deram-lhe sociedade nos Armazéns e não mais parou, desdobrando-se em atividades comerciais e industriais, de que é exemplo a criação de uma fábrica de tecidos em Rebordões, Santo Tirso.
«Recentemente descobrimos no depósito diversas peças, e entre elas estava um conjunto de gravuras que foram identificadas como sendo de Rembrandt, de diferentes estádios, que terão sido compradas entre 1956 e 1958, na sequência de um leilão da coleção de arte do Conde do Ameal, que as adquiriu de uma coleção da Biblioteca Nacional de Paris. É esse o percurso conhecido das 282 gravuras, em traços gerais, até virem para Águeda», relata Luís Arruda, do conselho de administração da Fundação
Feita a descoberta, a administração da Fundação resolveu divulgá-la e fazer uma primeira exposição temporária com uma seleção de 14 gravuras, por limitações de espaço e razões de segurança, e entende que a coleção deve ser estudada.
Outra raridade que a Fundação Dionísio Pinheiro possui são dois esmaltes de Limoges do séc. XVI, de um conjunto que retrata a Lenda de Eneias e de que existem outras peças na Europa, nomeadamente em Paris, que estavam dados como «desaparecidos» para a História.
As gravuras de Rembrandt e os esmaltes de Limoges são as últimas surpresas do "tesouro" de Dionísio Pinheiro, que pode ser visitado em Águeda e inclui uma coleção variada de pintura portuguesa do séc. XIX, mas também prataria portuguesa, mobiliário francês do séc. XVIII, porcelana e estatuária chinesa, ou marfim indo-português e cingalês.
Maria-José Goulão, que hoje é professora de História da Arte na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, contactou a TSF para revelar que foi «em 1985, a primeira conservadora e responsável pelo Museu da Fundação Dionísio Pinheiro, por um curtíssimo período de tempo antes de iniciar a minha carreira académica no ensino superior. Como historiadora de arte, não posso deixar de protestar veementemente contra a forma como esta notícia tem sido propalada. Com efeito, a coleção em causa, referida sem qualquer seriedade como "A maior colecção do mundo de gravuras de Rembrandt", é apenas um portfólio de cerca de 300 REPRODUÇÕES do lote original de águas-fortes de Rembrandt, feitas em França no séc. XIX segundo o processo da heliogravura, possivelmente com alguns retoques manuais a ponta-seca. Trata-se de excelentes facsimiles, e não de gravuras feitas à mão. São tão convincentes que são frequentemente postas à venda por leiloeiros pouco escrupulosos como tiragens das matrizes originais de Rembrandt, mas de facto são tudo menos águas-fortes atribuíveis ao pintor. A col. completa terá um valor de mercado aproximado de cerca de 9 000euro, no total das cerca de 300 gravuras. E já agora, a col. não foi objecto de nenhuma descoberta recente; esteve desde o início identificada (eu mesma manuseei muitas vezes as pastas com estas reproduções), foi inventariada e classificada e foi mesmo objecto de um artigo publicado numa revista da especialidade pela minha sucessora, a Dra. Madalena Cardoso da Costa. Lamento, mas ainda não é desta que o País encontrou a galinha dos ovos de ouro, depois do episódio dos Miró».