O "Oratório" de grandes dimensões criado pela pintora Paula Rego, e que a partir de quinta-feira pode ser visto pela primeira vez em Portugal, conta «histórias terríveis» de mulheres violadas e crianças abandonadas, disse a artista portuguesa.
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«Vamos ver os meninos mandados fora», resumiu a artista numa visita guiada para a comunicação social, que antecede a inauguração prevista para quinta-feira na Casa das Histórias Paula Rego (CHPR), em Cascais.
A peça, com cerca de três metros, destaca-se numa das salas expositivas do museu, rodeada de cerca de uma dezena de estudos preparatórios, e a artista explicou as situações descritas nos painéis pintados.
«Aquela é uma mulher a ser violada, a outra é uma mulher a dar à luz sozinha, com muitas dores. A outra é uma criança a ser deitada pela janela e a outra a ser deitada a um poço», relatou a pintora de 76 anos, que reside em Londres desde os anos 1970.
A violência das cenas rodeia os bonecos no centro do grande oratório: aqueles que representam «os sobreviventes» destas histórias mais trágicas, acolhidos por instituições, mas cujo futuro será também marcado «pela falta de carinho».
Criada entre 2008-2009, a peça já foi mostrada em Londres, porque foi feita na sequência de um convite do Foundling Museum de Londres, um museu dedicado à primeira instituição a receber crianças abandonadas naquela cidade, em 1741.
«Antigamente, em Inglaterra, não havia a roda», explicou a pintora, referindo-se a um sistema usado por instituições religiosas ou do Estado para recolha de crianças abandonadas anonimamente, e que se espalhou sobretudo pela Europa católica, incluindo Portugal, a partir do século XVI.
Paula Rego criou esta peça inspirando-se nos antigos oratórios religiosos, e concebeu os painéis com as pinturas de mulheres, homens e crianças que colocou no interior e nas portas de um grande armário de madeira.
«É um oratório sem os santos tradicionais. Mas a Nossa Senhora também está lá, porque estas crianças abandonadas são santos», comentou a pintora.
"Oratório" já esteve no México, foi mostrado pelo Brasil e encontra-se agora em Cascais, onde ficará em exposição até 31 de Dezembro, a par de outra exposição com uma centena de obras de Paula Rego, sobretudo desenhos que deram origem a séries em pintura.
"O Corpo tem mais cotovelos", título da exposição que tem curadoria de Ana Ruivo, «mostra, pela primeira vez, um conjunto de desenhos da artista relacionando-os com a dificuldade em desenhar o corpo», explicou Helena de Freitas, directora da CHPR.
Esta mostra reúne mais de uma centena de obras, algumas emblemáticas da colecção, como "Love", "Entre as Mulheres", "Anjo", as séries "Misericórdia" e o "Ciclo da Virgem", todas da autoria de Paula Rego.
Há também uma obra do marido, Victor Willing (1928-1988), intitulada "Place".
A inauguração oficial das duas exposições na CHPR, em Cascais, será na quinta-feira, às 18h30, com a presença da pintora Paula Rego.