Falta de rendimentos e problemas de saúde mental são preocupações comuns dos portugueses. Inquérito revela que isolamento e incerteza são as maiores causas de ansiedade e stress.
"O Impacto Social da Pandemia" é este o título do estudo lançado esta sexta-feira pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) sobre a forma como os portugueses estão a viver as restrições impostas pelo Estado de Emergência.
O relatório baseia-se num inquérito online sobre a pandemia e que foi realizado entre 25 e 29 de março, com uma amostra de 11500 inquiridos.
Lançado dez dias depois do fecho das escolas e uma semana depois da declaração do estado de emergência, o questionário permite concluir que a maioria dos portugueses que afirmam estar a ser financeiramente afetados pela crise provocada pela pandemia já vivia com dificuldades económicas antes da Covid-19.
Redução de rendimentos é preocupação comum
Apesar de a maioria dos inquiridos revelar "muita" ou "alguma" confiança na resposta das autoridades à pandemia, são comuns problemas económicos, especialmente por parte de trabalhadores por conta de outrem que ficaram desempregados, de trabalhadores independentes que deixaram de ter atividade e de pequenos empresários que tiveram de fechar portas.
Com maior ou menor folga financeira, os dados revelam que a redução de rendimentos é uma preocupação transversal a todos os inquiridos, com o receio de situações de precariedade, desemprego, lay-off e incerteza.
Resposta política à pandemia
O estudo revela que, ao contrário dos jovens, são sobretudo os mais velhos que confiam nas respostas dadas à pandemia pelo Presidente da República, primeiro-ministro, ministra da Saúde e diretora-geral da Saúde. Por outro lado, quando passamos de cargos políticos concretos para instituições como as "forças de segurança" ou o "Serviço Nacional de Saúde", a confiança aumenta e torna-se mais difusa do ponto de vista social e político.
As diferenças etárias são também visíveis no que toca às fontes de informação: uma maioria expressiva de inquiridos revela confiança nas informações das fontes tradicionais, como televisão e imprensa; já os mais jovens tendem a confiar menos nestes canais. O documento refere que "a idade é o fator mais diferenciador, sendo que os mais velhos confiam muito mais nos seus amigos e familiares que os mais jovens".
Estado de emergência, até quando?
Questionada sobre a duração das atuais restrições, cerca de um terço da amostra considera que as limitações vão durar até ao final do verão. Os restantes inquiridos apontam para uma duração curta (até fim de abril ou fim de maio), uma duração longa (até ao final do ano ou até daqui a um ano ou mais) e um último grupo aponta para data incerta.
Apesar das dúvidas sobre o que aí vem e quanto tempo irá durar, nove em cada dez inquiridos consideram que o estado de emergência decretado pelo Presidente da República era necessário. Ainda assim, e sendo quase consensual, a medida é vista de diferentes formas: os mais jovens defendem mais restrições e condenam o facto de o isolamento social não estar a ser respeitado, em particular pelos mais idosos. "À medida que aumentam a idade, a escolaridade e os rendimentos dos inquiridos, diminui a propensão para a defesa de maiores limitações", lê-se no documento.
A importação de casos é outra das preocupações, com vários inquiridos a defenderem o controlo de fronteiras aéreas, terrestres e marítimas, com quarentena obrigatória para quem chegue ao país. O uso obrigatório de máscara e de luvas em público e o encerramento alargado de empresas e serviços não urgentes são outras das propostas.
Queixas e preocupações
Quanto às limitações impostas pelo estado de emergência, há queixas dos mais variados tipos: dificuldade em conciliar o teletrabalho, a vida familiar e a educação dos filhos; falta de apoio no teletrabalho; falta de apoio para ir às compras; falta de apoio financeiro; falta de apoio psicológico; falta de companhia; falta de atendimento por parte dos serviços de saúde, entre outros exemplos.
O relatório do ICS-ULisboa e do ISCTE revela ainda que os inquiridos têm preocupações comuns, como o medo de perder o emprego, e receios sobre a contaminação e a falta de capacidade de resposta dos serviços de saúde.
"O tempo parece que está parado"
Por outro lado, há angústias sem idade, género, escolaridade ou condição social: o isolamento, a monotonia, a incerteza e os conflitos familiares são causas de ansiedade e stress. "O tempo parece que está parado. Com 77 anos de idade, já não tenho muito tempo para perder...", refere uma das inquiridas.
Na última semana de abril, os autores do estudo irão fazer novas entrevistas aos 11.500 inquiridos para perceber a evolução dos impactos sociais da pandemia.