Sociedade

Mais doentes graves, não-Covid, podem começar a chegar aos cuidados intensivos

Hospital S. João, Porto Artur Machado/Global Imagens

Governo diz que há pacientes com doenças que não se têm manifestado nos serviços de saúde que chegarão "mais tarde e mais graves".

O Governo teme que os cuidados intensivos possam vir a ter uma maior procura por causa de doentes que estão a chegar mais tarde e em situação mais graves aos serviços de saúde.

Esta é uma das três razões que levaram o Programa de Estabilização Económica e Social, publicado no fim de semana, a incluir uma rubrica de 26 milhões de euros para investir no reforço da resposta de medicina intensiva.

A Resolução do Conselho de Ministros explica que é preciso melhorar a capacidade de resposta nesta área, que se estima que se mantenha com uma elevada procura", não apenas por causa da Covid-19 que deve ficar com "incidência endémica significativa", lê-se no documento, mas também devido à necessidade de ativar serviços de saúde temporariamente suspensos e a um crescimento de novos doentes graves.

O Governo dá como terceira justificação para o reforço de meios um "aumento da procura por doentes com patologias que não se têm manifestado em procura expressa, chegando mais tarde e mais graves".

Intensivistas compreendem receio

À TSF, o presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos aplaude a iniciativa de reforçar esta área, "cada vez mais importante na medicina moderna", e compreende a preocupação com o aumento de casos a precisar deste tipo de tratamentos, admitindo a preocupação que comecem a chegar doentes mais graves.

João Gouveia detalha que "não sabemos exatamente o que se está a passar com os doentes que em situações normais apareciam antes nos hospitais, havendo o receio de que possam vir a aparecer com complicações de doenças que de outra forma teriam aparecido precocemente, dificultando, os tratamentos".

O presidente da sociedade científica diz que "não sabemos onde vai levar a diminuição da procura" dos cuidados de saúde que se verificou nos últimos meses com a Covid-19 e dá um exemplo: "Há menos doentes com enfarte do miocárdio a entrar no sistema nacional de saúde o que se pode dever por um lado ao confinamento, mas de certeza que há um número significativo que deve ter tido o seu enfarte, que não recorreu ao sistema e que se calhar daqui a uns tempos vamos ter complicações desses enfartes".

Uma das metas do Governo, expressa no Programa de Estabilização Económica e Social, é levar a nova rede de referenciação de medicina intensiva, proposta pela Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva, para 919 camas, num rácio de 9,4 camas por 100 mil habitantes.

Ordem dos Médicos concorda

O Bastonário da Ordem dos Médicos, que há vários meses tem alertado para as consequências de suspender consultas e tratamentos nos hospitais, bem como para o receio dos doentes em irem aos serviços de saúde, compreende a preocupação com o aumento da procura dos cuidados intensivos por doentes que chegam tarde aos serviços.

Miguel Guimarães recorda que "uma das coisas que fizemos para combater a Covid-19 foi deixar de lado, por despacho, todos os doentes não-Covid, adiando doentes não prioritários e prioritários. Agora temos um grande trabalho pela frente".

"Agora as coisas começam a voltar ao normal", além de doentes de outras doenças há também mais acidentes na estrada, "e é importante que o Governo reconheça esta situação e a necessidade de ter mais camas de cuidados intensivos e simultaneamente camas [deste tipo] para os doentes Covid", refere o bastonário.

Miguel Guimarães defende, em declarações à TSF, que o país precisa, de facto, de mais camas de cuidados intensivos, área onde Portugal fica, historicamente, muito abaixo da média europeia.

O bastonário recorda que trabalha num grande hospital central, no Porto, e que já antes da pandemia todos os dias existiam cirurgias adiadas porque depois não havia espaço nos cuidados intensivos, sublinhando que mais cuidados intensivos não é igual, apenas, a mais ventiladores - são precisos também mais médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde.

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