Trata-se da maior investigação do género: neste estudo foram recolhidos dados de mais de 230 mil pacientes, que recuperaram da Covid-19. Nos casos mais graves, revelam os autores, o risco de desenvolver doenças mentais e neurológicas aumenta nos primeiros seis meses após a patologia.
Uma em cada três pessoas que apresentaram doença severa relacionada com a Covid-19 foi, até seis meses mais tarde, diagnosticada com uma doença neurológica ou psiquiátrica. O jornal The Guardian revela esta quarta-feira estes dados, relativos ao maior estudo até hoje feito no âmbito da compreensão desta relação e publicado pela revista científica The Lancet Psychiatry.
A investigação envolveu os registos de saúde eletrónicos de 236.379 pacientes, sobretudo dos Estados Unidos da América, e, desses utentes, 34% desenvolveram problemas de saúde mental e neurológica após a Covid-19. O problema mais comum foi a ansiedade, detetada em 17% das pessoas. Os especialistas já haviam alertado para que os sistemas de saúde fossem reforçados de forma a melhor tratar os pacientes - que poderiam ser em grande número, dada a escala da pandemia - afetados por estas sequelas da Covid-19. Os clínicos anteciparam que este impacto poderá ser sentido nos sistemas de saúde durante muitos anos.
Noutros casos mais raros mas não incomuns, os pacientes tiveram problemas do foro neurológico como acidentes vasculares cerebrais (7%) e demência (2%). Estes diagnósticos são mais comuns em doentes que tiveram Covid-19 do que entre os que passaram por gripes ou outras infeções do trato respiratório durante o mesmo período.
No estudo, foram tidos em consideração fatores como a idade, o sexo, a ascendência étnica e o historial clínico dos doentes. As conclusões ditaram que os pacientes que foram diagnosticados com Covid-19 tinham um risco 44% superior de desenvolver doenças neurológicas e mentais do que os que tiveram apenas uma gripe. Paul Harrison, autor do estudo, defende que foram utilizados dados de uma grande quantidade de pacientes, e que a investigação vem demonstrar "as elevadas taxas de diagnósticos psiquiátricos após a Covid-19", bem como que "problemas sérios que afetam o sistema nervoso (como os acidentes vasculares cerebrais e as demências) também ocorrem".
O autor também explica, em declarações ao jornal The Guardian, que, apesar de os riscos individuais para cada uma das doenças serem reduzidos, o efeito pode ser "substancial" quando avaliados toda a população e o impacto nos sistemas de saúde e de assistência social. A escala da pandemia, sustenta, torna mais frequentes estes problemas, que podem tornar-se crónicos. Paul Harrison advoga, por isso, que os sistemas de saúde devem ser reforçados para antecipar esta necessidade de cuidados.
As suspeitas de uma correlação entre a Covid-19 grave e o risco de doenças neurológicas não são novas. Uma investigação anterior colocava a tónica nos três primeiros meses após a Covid-19, período durante o qual haveria um risco aumentado de ansiedade e grandes flutuações de humor. No entanto, nunca um estudo tinha ido tão longe: as conclusões publicadas pela Lancet decorreram de uma análise de larga escala a um grande número de doentes.
Os diagnósticos mais comuns após a infeção com o SARS-CoV-2 foram a ansiedade (17%), oscilações de humor (14%), transtornos associados ao uso indevido de substâncias (7%), e insónia (5%).