Opinião

Sondagens que baralham certezas feitas

"Dou uma importância muito relativa a sondagens." O aviso é prontamente feito por Daniel Oliveira, que logo se explica sobre os seus motivos. A três meses das eleições, dias depois de uma crise política e "sem sabermos quem será o líder do principal partido da oposição, que se apresentará a votos", as sondagens são "retratos muito imperfeitos das opiniões dos eleitores no preciso momento em que são feitas". A fiabilidade, argumenta o cronista, é, por esta altura, "muito relativa".

No seu espaço habitual de Opinião na TSF, Daniel Oliveira lembra que foram para já feitas duas sondagens desde o chumbo do OE: a da TSF/DN/JN, feita pela Aximage, e da RTP, Público e Antena 1, feita pela Universidade Católica. E como o jornalista as lê? "Há dois dados interessantes que estão ligados entre si: o primeiro é que, perguntados sobre quem mais culpam por esta crise, os inquiridos respondem, nas duas sondagens, que é mais o PS do que o Bloco de Esquerda e o PCP; o segundo é que, em comparação com os anteriores estudos de opinião das mesmas empresas de sondagens - e essa é a comparação que se deve fazer, porque as sondagens dão-nos evoluções e tendências, não resultados -, o Bloco e o PCP não são especialmente castigados." A crise não parece "punir de forma extraordinária" estes partidos à esquerda do PS, mantendo, pelo contrário, "a evolução" que vinham apresentando, sem grandes oscilações. Tal acontece apesar de a grande maioria dos eleitores considerar que "deveriam ter viabilizado o Orçamento", ainda acrescenta o cronista.

"Também de forma surpreendente Rui Rio parece ser mais apreciado pelos eleitores do que Paulo Rangel, na sondagem da RTP", refere Daniel Oliveira, sustentando, no entanto, que o "PSD continua longe de beliscar a liderança do PS, que, nas duas sondagens, se mantém no limiar da maioria absoluta, mas sem a atingir".

O problema é que o nosso círculo nos devolve sempre as nossas próprias circunstâncias políticas, sociais, culturais ou profissionais, e a realidade é sempre mais complicada.

Em ambas as sondagens, a esquerda continua a reunir mais de metade dos votos, mas Daniel Oliveira não desenha já "cenários de governabilidade" com base nestes dados precoces. Isso seria "dar-lhes um valor que ainda não têm", analisa. "Não é neste momento que a questão da governabilidade se põe. O que me interessa perceber é se a opinião publicada está em consonância com a realidade que comenta. Se dermos crédito a estas duas sondagens, não tem estado."

"Segundo as sondagens, e ao contrário do que António Costa e a quase totalidade dos comentadores julgam, os eleitores terão percebido que o Governo teve responsabilidades neste impasse", declara Daniel Oliveira. O jornalista admite ter uma visão muito contrária à das sondagens. "Não é a que recebo do círculo mais próximo das minhas relações e do círculo mais alargado, mas sempre muito distorcido, das redes sociais. O problema - e todos temos tendência para o ignorar - é que o nosso círculo nos devolve sempre as nossas próprias circunstâncias políticas, sociais, culturais ou profissionais, e a realidade é sempre mais complicada do que isso. Pode também ser que o erro seja das sondagens, mas a coincidência entre as duas não deixa de ser sintomática."

O espaço público é rápido a cristalizar convicções, sob os efeitos de um determinado acontecimento político, mesmo quando ele é complexo.

Outra convicção geral, que Daniel Oliveira assume também ter tido, era de que o Chega seria "um dos grandes beneficiários desta crise". Também é essa a certeza dos inquiridos da sondagem da RTP, que "consideram que a extrema-direita é quem mais ganha com esta dissolução, logo depois do PSD, talvez influenciados pelo que se diz na comunicação social", prossegue Daniel Oliveira. Nos resultados da sondagem, isso não se confirma.

O cronista alerta que "o espaço público é rápido a cristalizar convicções, sob os efeitos de um determinado acontecimento político, mesmo quando ele é complexo, como é o caso". Processa-se, quase sempre, da seguinte forma: "Um comentador diz, o jornalista repete, o político apresenta como um facto indiscutível, e assim se formam perceções sem qualquer evidência empírica. Umas vezes, com objetivos políticos; outras, apenas por se basearem em sentimentos recolhidos nos círculos próximos dos observadores."

Se o PS cavalgar, como está a fazer agora, na culpa dos partidos à sua esquerda, pode ser menos compreendido do que julga.

No entanto, diz Daniel Oliveira, "a realidade é mais lenta, mais confusa e muito mais indeterminada". O cronista aponta ainda que, "na estratégia que os partidos levarem para a campanha, devem ter o cuidado de não terem como certas as convicções mediáticas do momento".

"Se o PS cavalgar, como está a fazer agora, na culpa dos partidos à sua esquerda, pode ser menos compreendido do que julga. Se os partidos mais à esquerda forem rápidos a cortar com o capital político da geringonça, podem estar a suicidar-se." Daniel Oliveira socorre-se da sondagem da Católica para avaliar que a maioria dos eleitores do PS, Bloco e CDU "acreditam que, caso o PS não maioria, a esquerda chegará a um novo acordo", o que é o desejável para os votantes no BE e do PCP. "E, se a direita se convencer de que tudo o que interessa é quem lidera, pode repetir o erro de acreditar que o legado de Passos Coelho rende votos ao centro, ou que ser mais violento contra o PS basta para roubar votos ao Chega. Os votos serão roubados à extrema-direita se houver a convicção de que a direita pode ganhar, e essa convicção depende da conquista de votos ao PS. Sem isso, não vencem. Quanto a isto, não precisamos de sondagens." É simples aritmética, remata Daniel Oliveira.

* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos

Daniel Oliveira