Política

Greves de professores quase "self-service". Leia o parecer da PGR e saiba o que está em causa

Hugo Delgado/Lusa (arquivo)

Procuradoria baseia a sua análise num esclarecimento feito aos professores na página do sindicato.

O parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a greve convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação aponta que a informação dada aos professores pela organização, de que podiam fazer greve apenas durante parte do dia, aproxima a iniciativa de uma "greve self-service", algo que não fazia parte do pré-aviso original e que põe em causa a legalidade da mesma.

LEIA AQUI O PARECER DA PGR NA ÍNTEGRA

"Se cada docente, atenta a referência a primeiros tempos efetuada pelo Sindicato nas indicadas «FAQS GREVE 2022»>, decidir o dia, o tempo e a concreta duração do período de adesão à greve, numa gestão individual, deve-se concluir que se está perante uma greve com características similares às das greves self-service, onde os efeitos pretendidos se diluem, atento o modo de desenvolvimento da atividade escolar por unidades letivas", lê-se na conclusão 16.ª do documento enviado ao ministério da Educação.

A PGR assinala que, na informação transmitida pelo S.TO.P. ao Governo, a greve seria à jornada diária de trabalho, mas que essa informação era diferente da que constava de um documento disponibilizado pelo próprio sindicato.

Greve ao dia todo ou aos primeiros tempos?

Na publicação "FAQ GREVE 2022" - em que são dadas respostas a várias perguntas sobre a greve - o S.TO.P. dava luz verde aos professores para poderem fazer uma greve com a duração que pretendessem.

Nessa página, em que está um conjunto de 16 perguntas e respostas para os professores, surgem as questões: "Como posso organizar a minha adesão à greve?", "Tenho de avisar antecipadamente que vou fazer greve?"e "Se faltarmos aos dois primeiros tempos da manhã não descontam o dia todo?"

Na resposta à primeira destas perguntas lê-se que a greve "pode ser realizada durante todo o dia ou, por exemplo, fazer greve ao início do dia e, se assim entender, interromper a greve após os primeiros tempos/horas", algo que não corresponde, no entender da PGR, ao que se lia no pré-aviso.

"A pretensão de que os trabalhadores diariamente, durante esse período (de longa duração), pudessem fazer, a cada dia, greve apenas aos primeiros tempos do horário diário" impunha que esse cenário "também tivesse sido contemplado no aviso prévio".

Sem que tal seja feito, assinala a PGR no parecer, não é "legalmente permitido esse sucessivo modo de execução parcial".

Numa outra resposta é mesmo dito aos professores que "não é necessário justificar a falta" desde que tenham feito greve "a uma só parte do dia".

O sindicato aconselha a entrega, "na secretaria do Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada um papel de retorno, com a hora da retoma ao serviço" para que não seja descontada "a totalidade do dia no vencimento".

Noutra resposta lê-se ainda que o trabalhador "pode decidir em cima da hora de entrada ao serviço que quer fazer greve, assim como pode decidir terminar a greve em qualquer altura do dia", o que também não alinha com o entendimento da PGR.

A procuradoria assinala ainda que a decisão de fazer greve "em inobservância ao constante no aviso prévio, no que concerne à sua duração" - que é definida nos pré-avisos como "uma paralisação nacional a todo o serviço, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado" - "afeta a legalidade" da mesma e leva os trabalhadores a incorrer "no regime de faltas injustificadas".

Este parecer do Conselho Consultivo, escreve o ministério, "será homologado" e greve terá agora de "respeitar os pré-avisos" apresentados pelos sindicatos "em respeito pela legislação que enquadra o direito à greve, enquanto direito fundamental dos trabalhadores".

S.TO.P. tem de decidir que caminho segue

Em declarações à TSF, Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito do trabalho, explica que perante este parecer, o Governo pode, no limite, avançar para a rescisão do contrato de trabalho, mas só o tribunal "poderá decretar a greve ilegal".

O documento hoje revelado, assinala, é já uma análise "profunda e que deve fazer refletir quer os sindicatos, quer os trabalhadores que aderem".

"As ausências dos trabalhadores, com base no pré-aviso e da forma como as têm feito, são injustificadas", o que se traduz em "infrações disciplinares" que podem ser "fundamento para a cessação do contrato".

Perante os dados trazidos a público pela PGR, o S.TO.P. tem agora dois caminhos: "Ou passa a executar a greve de acordo com os pré-avisos que faz, ou altera os pré-avisos para fazer uma greve como pretende, de forma mais ampla."

O problema do segundo caminho é o de que, porque a greve suspende os contratos, há perda de rendimentos. "Perante uma classe que claramente não tem uma retribuição especialmente robusta, diria que é muito difícil que os trabalhadores continuem a resistir durante muito mais tempo", observa.

"Já há muitos anos que sabemos que a resistência e duração de uma greve têm a ver com uma questão muito simples: a capacidade financeira para resistir à privação do salário", assinala também Luís Gonçalves da Silva.

Por agora, o Governo ganha uma arma jurídica que "pode fazer ricochete", alerta este especialista, "porque um dos pontos que é central para qualquer das partes é a opinião pública" e, se num primeiro momento havia apoio a esta greve, este parecer e as consequências nas aprendizagens podem mudar o cenário.

Gonçalo Teles e Miguel Laia