Sociedade

Águas subterrâneas do Algarve já estão apenas com 25% da capacidade. Agricultores racionam água

Nuno Brites/Global Imagens (arquivo)

A maior barragem da região está com 36% e regista o pior ano de sempre.

"Isto já são frutos da próxima campanha", explica David Tereso, enquanto pega em minúsculas laranjas que estão a desabrochar. O agricultor anda pelo seu pomar de citrinos, localizado na zona de Algoz, no concelho de Silves. Nas árvores encontram-se frutos que deverão ser colhidos no mês de outubro. Mas, para este agricultor, já nada é um dado adquirido. O tempo quente que se fez sentir em abril deixa muitas incertezas no horizonte. "Foram calores acima dos 30 graus e isso vai fazer com que todos estes que estão amarelos não vão vingar e ao não vingarem, não há colheita", explica, apontando para os frutos.

A empresa de David Tereso tem cerca de 300 hectares de pomares de citrinos, e a maior parte não se situa em qualquer perímetro de rega. Por esse motivo, as árvores são regadas com água proveniente de furos artzianos. "Nesta altura ainda não estamos a apanhar água salobra", garante. Mas o nível dos furos está a baixar drasticamente e "a água vem mais turva, não tem tanta qualidade".

Alguns agricultores da zona do barlavento algarvio (entre Silves-Portimão e Vila do Bispo) já se queixam de que há furos à beira da salinização. O diretor regional de agricultura do Algarve revela que os lençóis freáticos da região têm pouca água. "Alguns deles têm níveis de armazenamento abaixo dos 25%", garante Pedro Valadas Monteiro. "Significa que estamos com uma situação complicada não só na quantidade, mas sabemos que, neste caso, a quantidade também está associada à perda de qualidade, com os fenómenos de salinização", adverte.

Ainda não chegámos ao verão e a associação que gere o perímetro de rega Silves-Lagoa-Portimão já está a seguir um plano de contingência. "Já está a fazer cortes de água aos seus agricultores não fornecendo água durante dois ou três dias por semana", revela o diretor regional de agricultura.

E, se na zona Norte e Centro do país choveu o suficiente para encher barragens, pelo Sul há cinco meses que as nuvens não trazem chuva. A maior albufeira do Algarve, a barragem de Odelouca, situada no Barlavento algarvio, e que foi construída em 2010, regista o pior ano de sempre: encontra-se apenas a 36% da sua capacidade.

Além dos agricultores, também os produtores de gado estão a passar momentos difíceis.

Pedro Monteiro conta que, sem chuva, as pastagens não cresceram ou tiveram um desenvolvimento muito fraco e, nesta altura, os criadores pecuários já estão a utilizar as reservas de palha, feno e ração que tinham para o verão.

Com a seca que cada vez é mais persistente, grande parte dos agricultores já utiliza sistemas eficientes de rega. "Todos os nossos pomares têm sondas de humidade e temos um controlo absoluto sobre o que se rega e a quantidade que se rega", garante David Tereso.

O agricultor sugere que devia equacionar-se em Portugal um sistema integrado de barragens. "Somos um país pequeno, porque é que não existe uma rede hidrológica nacional?", questiona. David defende que as albufeiras estejam ligadas entre si. "O Alqueva já faz transvases entre barragens no Alentejo, porque é que as barragens do Centro e Norte não fazem transvases para o sul?", pergunta o agricultor. Afirma que "politicamente" é preciso saber se "a agricultura interessa ou não". "Se não interessa, diga-se", continua. "Nós fechamos a porta e vamos arranjar outra coisa para fazer", afirma indignado.

Águas do Algarve tem planos de contingência em vigor

A empresa Águas do Algarve garante que está a fazer "obras de preparação para antecipar os problemas". O presidente do Conselho de Administração revela que está em curso a recuperação de algumas origens de água subterrâneas que já tinham sido desativadas.

Além disso, "estamos a fazer a preparação e manutenção do volume morto da barragem da Bravura para, caso seja necessário, ser ativado", acrescenta.

António Eusébio lembra também que a recuperação do volume morto da Barragem de Odeleite, uma obra financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência, já está concluída, o que permite acomodar mais 15 milhões de metros cúbicos para abastecimento público.

"Não sendo uma situação fácil, estamos a fazer tudo para que o verão se consiga ultrapassar dentro da normalidade", assegura.