Política

Sócrates acusa: «sistema» vive da cobardia dos políticos

Direitos Reservados

Numa carta enviada ao Diário de Notícias, o antigo primeiro-ministro retoma o tema do segredo de justiça e da prisão preventiva, e lança acusações contra políticos, magistrados e jornalistas.

A pedido do Diário de Notícias, a quem foi dirigida a carta de José Sócrates, a TSF substituiu o manuscrito original pela transcrição do seu conteúdo.

É nas três páginas dedicadas ao segredo de justiça que José Sócrates mais carrega nas acusações, afirmando que «a impunidade de quem comete esses crimes (violação do segredo de justiça) está sustentada na intimidação e na cumplicidade». Pelo próprio punho, dias depois de o XX Congresso do PS ter decorrido sem que o seu nome tenha sido pronunciado em qualquer discurso, o antigo líder socialista escreve «diga-mo-lo sem rodeios: o "sistema" vive da cobardia dos políticos; da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de direito, e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto, basta-lhes dizer: "deixem a justiça funcionar". Sim, não se metam nisto».

Admitindo que «é verdade que, há muito, alguns desafiam o sistema, e dizem abertamente que a justiça foi ultrapassada», Sócrates questiona «mas, e se foi ultrapassada por aqueles a quem confiamos a nossa liberdade? Sim - a pergunta clássica - quem nos guarda dos guardas? Silêncio. "As instituições estão a funcionar"»

Depois de uma primeira mensagem enviada à TSF e ao jornal Público há pouco mais de uma semana, em que avisava que «este processo só agora começou», e dias depois de ter enviado à RTP uma resposta afirmando «estou preso, mas não lhes faço o favor de ficar calado», Sócrates enviou esta semana ao DN uma nova epístola, manuscrita a tinta vermelha, com três páginas e dois temas - prisão preventiva e segredo de justiça -.

Na primeira página pode ler-se, no canto superior direito, «em resposta ao Diário de Notícias». Mais abaixo, do lado esquerdo, surge a frase «da prisão preventiva...». É assim que a carta começa, com José Sócrates a dizer «prende-se para melhor se investigar. Prende-se para humilhar, para vergar. Prende-se para extorquir. Prende-se para limitar a defesa; sim, porque esta pode "perturbar o inquérito"». Mais do que tudo, diz o antigo líder socialista, «prende-se para calar».

Aliás, Sócrates fala de uma outra forma de prisão, a da opinião pública, sublinhando que só a defesa está obrigada a cumprir o segredo de justiça. Referindo-se à acusação, afirma que os magistrados «nem precisam de falar - os jornalistas, alguns, fazem o trabalho por eles. Toma lá informação, paga-me em elogios. Dizem-lhes o que é crime conhecerem, eles compensam-nos com encómios: magnífico juiz; prestigiado procurador; polícia dedicado e competente».

É um «lado oculto e podre», diz Sócrates, mas há muito conhecido. Na opinião do antigo primeiro-ministro, a impunidade de quem viola o segredo de justiça assenta, já se disse, na intimidação e na cumplicidade. A cumplicidade ficou explicada no início do texto, quanto à intimidação, José Sócrates justifica-a porque, «desde logo, o recalcitrante sabe que arrisca uma campanha negativa na imprensa, senão mesmo uma investigação. E sabemos como pesa a simples notícia de que se está sob investigação».