A arte do período da Revolução de Outubro foi determinante para os desenvolvimentos artísticos na arte ocidental do século XX. Que influência teve em Portugal?
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A arte do período da Revolução Russa deu origem ao construtivismo como movimento estético e político, que viria a ter uma forte influência na arquitetura e na arte ocidental do século XX, mas não teve muito impacto em Portugal.
Essencialmente, o construtivismo negava uma "arte pura", e visava abolir a ideia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo quotidiano, e que deveria, em vez disso, ser inspirada nas novas conquistas de um Estado operário, nas técnicas e materiais modernos, servindo objetivos sociais e a construção de um mundo socialista.
Um único artista português que se destaca pelas influências da arte russa na sua obra, mas um pouco anterior à Revolução de 1917, foi Amadeo de Souza-Cardoso, potencialmente devido aos contactos que teve com artistas russos em Paris, nomeadamente com Sonia Delaunay.
Alguns portugueses olharam para a arte russa deste período, como os neorrealistas, mas nos anos 1950, como foi o caso do pintor Júlio Pomar, um dos poucos artistas em que se encontram algumas influências, durante essa época.
Por outro lado, o cinema soviético de Eisenstein e Vertov chegou a Portugal em 1926 e seduziu a crítica, os cineastas e determinou a estética de filmes como "Maria do Mar", "Revolução de Maio" e "A Aldeia da Roupa Branca".
Cineastas e críticos de cinema como António Lopes Ribeiro, Leitão de Barros, Chianca de Garcia, Afonso Lopes Vieira e José Gomes Ferreira multiplicaram elogios, nas publicações portuguesas dos anos de 1920-1930, à produção que emergia com a Revolução Russa. Manoel de Oliveira considerou-a revolucionária por si mesma.
Análise de Luís de Pina
A aceitação do cinema da chamada "vanguarda soviética" em Portugal foi analisada por Luís de Pina, antigo diretor da Cinemateca Portuguesa, no catálogo da Cinemateca de 1987.
"Ouvi da boca de Chianca de Garcia" que o filme "A Aldeia da Roupa Branca" (1933) foi "concebido como uma 'Linha Geral' amena, popular". "Trata-se, no fundo, da mesma história de substituição de um processo coletivo antigo, por um processo coletivo novo, baseado na máquina" - o trator de Eisenstein e a camioneta de Caneças.
No entanto, o impacto do cinema soviético da década de 1920 na produção portuguesa já era anterior. Em 1929, três anos antes da criação da Tobis, António Lopes Ribeiro e Leitão de Barros visitaram Moscovo e os meios de produção local.
"Vendo-se 'Lisboa, Crónica Anedótica' [1930], evocam-se imagens de Eisenstein ou de Vertov, diante de 'Maria do Mar' [1930], reveem-se processos de Pudovkine, tal como certos rostos e enquadramentos de 'A Severa' [1931]", o primeiro sonoro português, escreve Luís de Pina sobre os filmes de Leitão de Barros.
O próprio realizador, aliás, deixou claro que "Maria do Mar" "era fortemente influenciado pelo cinema humano que a Rússia lançou no mundo", mas com "um sentido mais pitoresco, mais português, do que o ritmo trágico da alma eslava".
Para Luís de Pina, porém, o paradoxo da aceitação do cinema revolucionário soviético, nos alvores da ditadura portuguesa, aconteceu com "A Revolução de Maio" (1937), elogio ao golpe que impõe a Ditadura Nacional, dirigido por Lopes Ribeiro, que o escreveu com António Ferro, responsável pelo Secretariado Nacional de Propaganda do Estado Novo.
O filme "acusa nítidas influências formais da escola russa, dos processos de convencimento ideológico dos autores soviéticos", escreveu o antigo diretor da Cinemateca.
Em 1933, porém, o ano em que a Ditadura Nacional se transforma em ditadura do Estado Novo, com a nova Constituição, o cinema soviético desapareceu das salas portuguesas.