Vamos jantar como reis? Exposição mostra como se comia no tempo de D. Luís I e D. Maria Pia

Foto: TSF
A festa é no Palácio Nacional da Ajuda. Os conservadores foram aos baús e atreveram-se a desembrulhar peças, por vezes nunca usadas. Há garrafas de champanhe à espera que lhe tirem a rolha, há uma molheira-mocho com um ratinho na boca ou um sabão de lavar a loiça, de marca "O Orgulho da Cozinha". Nesta exposição ainda há mais histórias do que História
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Depois de uma passagem pelas porcelanas, cuja duração dependerá do tamanho e da intensidade do interesse de cada visitante, passamos à mesa de Estado.
Cristina Neiva Correia é conservadora das coleções de cerâmica. Parece que Cristina já viveu nestes corredores, nos fins do século XIX, e que se cruzou diariamente com D. Maria Pia e com as instruções da rainha para a cozinha, os criados ou para a lista de compras.
Imagine, havia listas de compras imensas da Jerónimo Martins, (a pequena mercearia de Lisboa, por esta altura já se dedicava à importação e exportação de alimentos), vinham de navio, grandes quantidades de legumes e de frutas frescas.
À mesa, há agora, tal como nesse tempo, as flores frescas. De resto, as fruteiras estão cheias de uvas artificiais e nenhum alimento fumega.
O brilho das louças, dos talheres e dos copos é que remete para um cenário aquecido por lareira, de velas acesas, noutro dia escuro e chuvoso.
Cristina Neiva Correia faz as apresentações: "Aqui é onde tomam acento o rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia de Saboia. D. Augusto também, muitas vezes, porque houve uma fase em que viveu cá, o D. Afonso e o D. Carlos, obviamente adultos, as crianças não tomam acento. Há também um lugar para o vedor, o mordomo, o chefe dos guardas, o padre, a dama camareira. Entre 11 e 12 pessoas, são os testemunhos que nós temos a partir das listas de cozinha e pastelaria."
O Palácio Nacional da Ajuda já não tem cozinha, o mais próximo é a sala de lavagem.

Tem ao fundo uma imensa pia de mármore pontuada por torneiras de latão douradas e um sabão. "Encontramos um sabão Pride of the Kitchen, americano, de 1878", conta entusiasmada Maria João Burnay.
A conservadora da coleção de vidros, equipamentos e utensílios reina sobre mil preciosidades. Outras preciosidades. Quase tudo aqui tem um brilho dourado-velho. São os cobres de cozinha, a maioria amolgados de tanto embaterem uns nos outros ou de serem remexidos com grandes colheres metálicas.
Maria João amarra com fio transparente algumas garrafas da garrafeira real, empoeiradas, ainda com as rolhas. É champanhe? "É! Têm uns 150 anos, ficaram na garrafeira. E ninguém lhes tocou..."
Luxo, luxo está num pequeno espaço onde rivalizam as pequenas peças: serviços de chá, café, chocolate; mini-chávenas e colheres minúsculas; uma pinça para comer espargos, peças de quase joalharia como a molheira que o arquiteto Ricardo Estêvão Pereira toca depois de calçar uma luva branca de algodão.

"Tem a forma de um mocho. Se abrirmos, vimos que tem algo na boca", a molheira terá uns quatro centímetros de altura "e, se puxarmos, percebemos que é um ratinho, é uma colher com um ratinho na ponta".
O arquiteto da exposição admite que, às vezes, sustém a respiração ao manusear peças tão pequenas e delicadas. "Além da família real, dos próximos e dos conservadores do palácio, pouca gente terá alguma vez visto estas peças."
Um dos mistérios é a alimentação dos animais domésticos que viviam no Palácio da Ajuda.
Cristina Neiva Correia pega em fragmentos de testemunhos e relatos, que, colados, permitem imaginar como entre tanta gente para alimentar também havia uma diversidade de animais de estimação. E já eram moda nestes tempos.
"D. Maria teria um lulu da Pomerânia branco", também "havia o papagaio de D. Luís" e depois um guarda-rios, uma macaca que mordia, cães, um gato persa, e sabe-se lá que mais, porque o que não sabemos da vida no palácio é do tamanho daquilo que nos foi chegando.