A longa noite de 15 de maio. A história do ataque a Alcochete no dia do desfecho do processo
O presidente destituído. O médico que se tornou presidente. O verão quente em Alvalade. As versões do Ministério Público. Passaram mais de dois anos - 742 dias - e o processo do ataque à Academia de Alcochete tem um ponto final agendado.
Corpo do artigo
Terça-feira, 15 de maio de 2018. Quando os capitães do Sporting se apressaram a sair dos carros em direção ao posto territorial da GNR do Montijo, Rui Patrício e William Carvalho sabiam que aquela noite de terça-feira ia ser longa. Do carro à porta de entrada, havia jornalistas, polícias e curiosos - uma azáfama nunca antes vista na GNR do Montijo.
No interior do posto estavam, há várias horas, os primeiros invasores detidos pela polícia. O grupo de jovens, todos do sexo masculino, aguardava a decisão da Justiça para saber se iam passar a noite a casa. A decisão surgiu noite dentro. Ficaram todos detidos e a maioria passaria os meses seguintes em prisão preventiva.
"Foi uma situação angustiante e estamos todos chocados. Isto é um drama para todos. Estou vazio", Bas Dost
À saída, os jogadores preferiram não falar. A primeira reação foi a de Bas Dost, antes das 22 horas. O goleador conversou com jornalistas holandeses, em declarações ao jornal AD Sportwereld, assumindo que não tinha palavras para definir a "angustiante" situação que tinha vivido naquela tarde.
"Não tenho palavras. Não estava à espera desta situação. Foi uma situação angustiante e estamos todos chocados. Isto é um drama para todos. Estou vazio", resumiu o jogador holandês.
A fotografia de Bas Dost com várias feridas abertas na cabeça tornara-se a imagem reconhecível do que tinha acontecido horas antes.
11531436
Para os jogadores do Sporting, tal como para as dezenas de jornalistas à porta da Academia, o treino daquela tarde de terça-feira acontecia num momento delicado. O Sporting acabava de perder o segundo lugar do campeonato para o Benfica após uma derrota, no Funchal (2-1), frente ao Marítimo. No final desse jogo, no estádio e, mais tarde, no aeroporto do Funchal, os jogadores foram confrontados por vários adeptos leoninos, entre eles Fernando Mendes, antigo líder da claque Juventude Leonina.
O clima de tensão alastrou à estrutura de futebol dos leões. Jorge Jesus havia sido informado no dia seguinte ao jogo, segunda-feira, 14 de maio, que a direção liderada por Bruno de Carvalho já não contava com ele para o futuro. No mesmo dia, a restante estrutura profissional de futebol e jogadores reuniram com o presidente para debater o futuro próximo dos leões.
O objetivo de apuramento para a Liga dos Campeões estava perdido - bem como os milhões de euros de tesouraria que daí advinham -, mas havia ainda uma final da Taça de Portugal para jogar no domingo seguinte, no Jamor, frente ao Desportivo das Aves. A preparação começava no dia seguinte, terça-feira.
A tarde de 15 de maio de 2018
A notícia da saída iminente de Jorge Jesus cobria as manchetes dos jornais de 15 de maio e levou dezenas de jornalistas a Alcochete, mesmo sabendo que não poderiam passar da porta. O treino era fechado, tinha sido agendado para a tarde.
Para os jornalistas que, ao início da tarde se dirigiram à porta da Academia de Alcochete, a expectativa era perceber se Jorge Jesus iria estar presente no treino. Para os jogadores, era a primeira sessão depois do jogo na Madeira, sabendo também que o treinador deveria abandonar o clube em breve.
Um grupo de várias dezenas de homens de cara tapada e com algum vestuário ligado a claques do Sporting invadiu a Academia do Sporting durante essa tarde. Os jornalistas ficaram à porta, guardada na altura por um segurança. Depois de entrar no recinto, o grupo invadiu e vandalizou o balneário e agrediu jogadores e equipa técnica.
9343804
Minutos depois, já circulavam pela Internet vídeos e fotografias em que Bas Dost era a cara mais reconhecível. Tinha um golpe na testa e estava a ser suturado na Academia do Sporting pouco depois de ter sofrido agressões. Nos vídeos eram visíveis os fumos de tochas, verdes e negros. Tudo isso dias antes do jogo da final da Taça de Portugal, frente ao Desportivo das Aves.
Para além de Bas Dost e Misic, Acuña, Rui Patrício, William Carvalho e Battaglia estão também entre os jogadores agredidos.
Detenções confirmadas
Às 21 horas, numa declaração conjunta da secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, e do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, o Governo confirmou a detenção de 21 homens presumivelmente envolvidos.
"Há um repúdio veemente para com atos de violência, vandalismos criminosos como os que ocorreram esta tarde. Quero mostrar solidariedade para com jogadores, técnicos e quem foi agredido", afirmou João Paulo Rebelo, lembrando a conquista do Europeu de Futebol de 2016 por parte da seleção portuguesa. Este era o lado negro do futebol em Portugal, dava a perceber o governante.
Cerca de uma hora depois, vários jogadores do Sporting começaram a aparecer junto ao posto territorial da GNR do Montijo para apresentar queixa e prestar declarações.
O presidente do Sporting não estava na academia à hora do ataque. Dirigiu-se para lá ao final da tarde, e haveria de falar à Sporting TV já noite dentro. Horas depois dos episódios de violência em Alcochete, Bruno de Carvalho disse que "há muito" tinha alertado para a necessidade de tomar "medidas corajosas" sobre o papel dos adeptos - e das claques organizadas - no futebol, em Portugal.
"Lamento ter ouvido o secretário de Estado do Desporto a dizer que era preciso ter tomado medidas corajosas e não ter dito quais eram essas medidas corajosas", afirmou Bruno de Carvalho à Sporting TV, depois das 22 horas de 15 de maio. "O Sporting há muito tempo que fala nisso, que fala nas claques", disse.
"Foi mau, foi chato ver as famílias ligarem preocupadas (...) Foi chato mas amanhã é um novo dia", Bruno de Carvalho à Sporting TV a 15 de maio
"Já ouvi uma série de teorias mirabolantes: que este era o meu modus operandi, que não deixo falar quem quiser falar mal... O meu modus operandi não é ver os meus jogadores e o meu staff agredidos, são a família que escolhi", reagiu Bruno de Carvalho, numa resposta a quem, no dia do incidente, acusava o dirigente de ter intervenção direta no que aconteceu em Alcochete.
"Foi mau, foi chato ver as famílias ligarem preocupadas (...). Mas amanhã é um novo dia", disse o presidente do Sporting. "Temos de nos habituar que o crime faz parte do dia-a-dia", acrescentou ainda, defendendo que o acontecera nessa tarde não fora "frustração [dos adeptos]", mas, sim, um "crime público".
Bruno de Carvalho assegurou também a presença na final da Taça. "Claro que vamos estar no Jamor. Talvez muita gente não queira, mas é claro que vamos estar no Jamor a jogar. Os jogadores estão tristes com o que aconteceu, mas querem jogar."
"Temos de nos habituar que o crime faz parte do dia-a-dia (...) "não é frustração, é crime público", Bruno de Carvalho a 15 de maio de 2018
Terramoto. As reações institucionais e a final da Taça
Na noite que se seguiu ao ataque, enquanto os jogadores eram ouvidos pela polícia, a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga de Clubes não tardaram em marcar posição.
"A FPF espera que as autoridades públicas não olhem a recursos para levar perante a justiça os responsáveis por atos criminosos que não podem deixar de ser punidos", rematou a fonte oficial do organismo, em comunicado.
"Tive o sentimento de alguém que se sente vexado pela imagem projetada por Portugal no Mundo. Vexado porque Portugal é uma potência, nomeadamente no futebol profissional, e vexado pela gravidade do que aconteceu", Marcelo Rebelo de Sousa no dia seguinte ao ataque
Pedro Proença, presidente da Liga, visou os responsáveis dos clubes. "Os dirigentes têm de perceber que no futebol não vale tudo", disse à RTP, a 16 de maio 2018.
Também no dia seguinte ao ataque, o Presidente da República condenou os incidentes. Marcelo Rebelo de Sousa referiu sentir-se "vexado" pelo que aconteceu e recusou dizer se iria marcar presença na final da Taça de Portugal, marcada para o domingo seguinte - acabou por marcar presença, pese embora a ausência de Bruno de Carvalho na tribuna de Honra.
"Tive o sentimento de alguém que se sente vexado pela imagem projetada por Portugal no mundo. Vexado porque Portugal é uma potência, nomeadamente no futebol profissional, e vexado pela gravidade do que aconteceu", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
Bruno de Carvalho respondeu a Marcelo Rebelo de Sousa numa nota pessoal enviada à agência Lusa. Nesse documentou nega qualquer responsabilidade no "ato hediondo" cometido na terça-feira na academia do clube, referindo-se às agressões aos jogadores e equipa técnica do Sporting, e criticando também a posição do Presidente da República.
No comunicado, o presidente do Sporting acusa o chefe de Estado de "não ter sido taxativo" a confirmar a presença no estádio do Jamor, para a final da Taça de Portugal. Bruno de Carvalho considera que essa declaração permitia fazer "duas leituras".
Acrescentou depois que o chefe de Estado lhe estaria a "imputar responsabilidades (...), deixando instalar a dúvida". Em segundo, dizia Bruno de Carvalho, Marcelo Rebelo de Sousa estava "disponível para aceitar que um grupo de marginais" pusesse em causa "a realização de um evento relevante" e que se achasse no direito "de acreditar que influencia as suas decisões".
Consequências no Sporting. A final perdida, a destituição e o verão quente
Bruno de Carvalho anunciou, dias depois, que não iria marcar presença na final do Jamor entre Sporting e Desportivo das Aves. O Sporting perdeu o jogo e a taça, que foi entregue na tribuna onde esteve Marcelo Rebelo de Sousa. No início do mês de junho, vários atletas anunciaram a rescisão unilateral dos contratos de trabalho com a SAD leonina. Alegavam que o clube não tinha garantido as condições de segurança dos atletas no exercício da profissão.
"Os acontecimentos dos últimos meses sublinharam a faceta autocrática e sectária do dr. Bruno de Carvalho, tornando impossível", Frederico Varandas
Rui Patrício, Rafael Leão, Daniel Podence, Gelson Martins e Rúben Ribeiro saíram em litígio com o Sporting e transferiram-se para outros clubes. Bas Dost, Bruno Fernandes e Rodrigo Battaglia voltaram atrás na decisão de abandonar o Sporting, enquanto William Carvalho saiu para o Bétis, de Espanha, após acordo do clube espanhol com os leões.
Dias depois da final da Taça de Portugal, Frederico Varandas, até então chefe do departamento clínico do Sporting, e que esteve presente na academia no dia das agressões, anuncia que está disponível para se candidatar à liderança do clube. "Se houver eleições, serei candidato", anunciou.
9372887
O diretor clínico denunciava aquilo a que chamava "faceta autocrática" de Bruno de Carvalho. "Os acontecimentos dos últimos meses sublinharam a faceta autocrática e sectária do dr. Bruno de Carvalho, tornando impossível" a sua permanência sob pena de faltar ao "superior dever de lealdade para com o Sporting Clube de Portugal".
O cenário de novas eleições era cada vez mais uma realidade. A Mesa da Assembleia Geral do Sporting nomeou em junho uma comissão de gestão que suspendeu os órgãos eleitos, liderados por Bruno de Carvalho.
Através de uma participação disciplinar, a comissão denunciava a "prática de gravíssimos ilícitos disciplinares que colocam em causa a própria subsistência da instituição Sporting Clube de Portugal".
"Após competente avaliação da participação, que requeria a suspensão dos membros em exercício de funções no Conselho Diretivo, entendeu-se não haver necessidade de procedimento prévio e partir para a suspensão imediata e deduzir nota de culpa que seguiu ainda hoje de manhã para os membros que estão em funções", explicou Rita Garcia Pereira, membro da comissão.
9488137
José de Sousa Cintra foi nomeado presidente da SAD e Artur Torres Pereira presidente do clube, até novas eleições.
Um dos processos disciplinares contra o Conselho Diretivo levou Bruno de Carvalho a enfrentar o voto dos sócios no final de junho de 2018. Sob medidas de segurança apertadas, numa assembleia que decorreu na Altice Arena, em Lisboa, Bruno de Carvalho foi afastado da liderança do clube por 71% dos votos dos sócios inscritos naquela tarde.
Durante o verão de 2018 foram ainda detidos mais arguidos que, alegadamente, estiveram envolvidos no ataque à academia de Alcochete. Fernando Mendes [no processo como Fernando Barata], o antigo líder da claque Juventude Leonina, é detido a 6 de junho. Com ele outras três pessoas, entre as quais o homem que conduziu o carro que saiu da Academia logo após as agressões, Nuno Torres.
No plano desportivo, os sócios do Sporting elegeram Frederico Varandas como novo presidente no início do mês de setembro, já com o campeonato a decorrer.
Bruno de Carvalho e Nuno Mendes detidos para interrogatório
Bruno de Carvalho surgiu à janela do austero edifício do tribunal do Barreiro, de palmas da mão juntas, olhos fechados. Na manhã de 15 de novembro, o antigo presidente do Sporting ficou a conhecer as medidas de coação aplicadas pelo juiz Carlos Delca. Para trás ficam três dias de detenção para interrogatório e uma longa espera.
O cenário junto ao tribunal do Barreiro nesses três dias de expectativa dizia muito sobre o peso deste processo. Um largo perímetro de segurança cobria a praça em frente ao tribunal, povoada apenas por jornalistas e polícia. À margem, populares e adeptos do clube que se faziam identificar com trajes e adereços do clube. Só podia entrar quem ia ao tribunal, ou as famílias que acompanhavam noivos nos serviços de registos, ali ao lado.
10166000
Suspeito de ser o mandante do ataque, Bruno de Carvalho é detido em sua casa a 11 de novembro, uma semana antes de ser conhecida a acusação. Na altura advogado de defesa de Bruno de Carvalho, José Preto disse à TSF que a detenção aconteceu numa situação repleta de "abusos extraordinários". Durante as buscas à casa do ex-presidente leonino, até o computador da filha de Bruno de Carvalho terá sido apreendido, o que José Preto considera um "abuso". "Apreenderam o computador da miúda, que precisa dele para os trabalhos da escola...", constatou o advogado.
Também nessa noite é detido o líder da claque Juventude Leonina, Nuno Mendes, numa ação policial no Estádio de Alvalade, ordenada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP) no espaço da claque, a "Casinha". Nessa busca, enquanto decorria o jogo entre Sporting e Desportivo de Chaves, foram apreendidos estupefacientes.
Bruno de Carvalho e Nuno Mendes estavam indiciados pelos crimes de terrorismo, ofensas e sequestro. Após três dias de detenção para interrogatório, o juiz do Tribunal do Barreiro, Carlos Delca, decidiu libertar Bruno de Carvalho e Nuno Mendes.
10181741
Em comunicado divulgado pelo Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, foi determinado, além das apresentações diárias aos órgãos de polícia criminal, o pagamento por cada um dos arguidos de uma caução de 70.000 euros.
10182781
Nuno Mendes seria novamente detido no ano seguinte, em maio de 2019. O Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão, depois de um recurso apresentado por Cândida Vilar, procuradora do Ministério Público. "Existem sérios perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação de inquérito, de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas", motivos invocados pelo acórdão. Mustafá foi libertado a 28 de fevereiro do ano seguinte, 2020.
A acusação do Ministério Público. Terrorismo
A acusação do Ministério Público (MP) sobre o processo chegou apenas a 17 de novembro. A procuradora nomeada, Cândida Vilar, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, admite no documento que foi forçada a avançar com a acusação. "A investigação não está totalmente concluída", afirma a magistrada no início do despacho final. Queixava-se de não lhe terem sido facultadas informações sobre escutas feitas ao antigo diretor do futebol do Sporting, André Geraldes, presentes num outro processo.
10183727
A acusação do MP alega que Bruno de Carvalho e o líder da Juve Leo, Nuno Mendes, conhecido como "Mustafá", "não só compartilharam a decisão criminosa, mas também a determinaram". O documento indica assim que os dois arguidos tinham levado 41 adeptos a praticar 40 crimes de ameaça agravada, 19 de ofensa à integridade física qualificada e 38 de sequestro. Uma soma de 97 ilícitos que, no entendimento do Ministério Público, configuram crimes de terrorismo, puníveis com pena de prisão de dois a dez anos.
10166027
Sobre Bruno de Carvalho, a acusação do Ministério Público refere que o então presidente do Sporting, "estabeleceu seis comunicações com o arguido Fernando Barata" (antigo líder da Juventude Leonina), na madrugada de 14 de maio de 2018, logo após o jogo perdido pelo Sporting no Funchal.
O MP considera ainda que Bruno de Carvalho tencionava, através de algumas declarações publicas - como o caso da ameaça de suspensão aos jogadores do plantel, em 2018 - "determinar os adeptos à prática de ações violentas contra jogadores e a equipa técnica", falando ainda o MP do conflito entre o dirigente os os capitães da equipa de futebol, Rui Patrício e William Carvalho.
A acusação fala ainda de "contactos pessoais e privilegiados com o líder da Juventude Leonina", que se realizavam muitas vezes no gabinete do presidente dos leões.
Sobre os restantes arguidos, a acusação utiliza como provas a troca de mensagens entre adeptos que tinha como objetivo premeditar o ataque à academia a 15 de maio.
Fase de instrução confirma arguidos em julgamento
O juiz do tribunal do Barreiro, Carlos Delca, decidiu em julho do ano seguinte [2019] que os 44 arguidos seguiam para julgamento nos exatos termos da acusação.
Aquela fase do processo teve um arranque difícil. Sessões adiadas antes dos primeiros depoimentos. A primeira sessão teve até um percalço logístico. Por questões de segurança, esta fase foi marcada para o Campus de Justiça de Lisboa. Parte dos arguidos em prisão preventiva foi enviada pelos serviços prisionais para o Barreiro e não para o Parque das Nações na primeira sessão, o que levou ao adiar dos trabalhos por algumas horas
Com 38 arguidos em prisão preventiva, a fase de instrução arrancou em julho de 2019 e com o estatuto de especial complexidade, permitindo que as medidas de coação pudessem ser estendidas por um limite maior.
A procuradora do Ministério Público (MP), Cândida Vilar, manteve na íntegra a acusação ao ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho, por considerar que a matéria de prova se mantinha. "Considero que a prova se mantém e não foi infirmada pelas suas declarações", afirmou Cândida Vilar, durante as alegações finais do debate instrutório do caso da invasão à Academia de Alcochete.
Por este motivo, a procuradora solicitou que o juiz mantivesse a Bruno de Carvalho, como medida de coação, a obrigação de apresentações diárias. Já a defesa de Bruno de Carvalho continuava a falar numa campanha de perseguição.
O julgamento. Quem é quem. Quem fez o quê
O local escolhido para o julgamento tem uma carga simbólica. Foram ali julgados alguns casos mediáticos, como o das FP-25. Casos que, pelos crimes em julgamento, exigem condições de segurança reforçadas. O tribunal de Monsanto, com as suas paredes de vidro, tem um estilo austero, embora no exterior a convivência entre arguidos, público e jornalistas seja a mais próxima de todo o processo.
Longe ficavam os dias da fase de inquérito atribulada no Barreiro, com perímetro de segurança de centenas de metros. Agora os arguidos, advogados de defesa e jornalistas almoçam lado a lado a metros do tribunal, num café dos guardas prisionais.
Na primeira sessão, Bruno de Carvalho não quis testemunhar e, como ele, a maioria dos arguidos. A defesa do antigo presidente do Sporting remeteu para o final das alegações um depoimento frente ao coletivo de juízes, liderado por Sílvia Pires.
Foram ouvidas 65 testemunhas de acusação e 90 de defesa, durante várias semanas, com duas a três sessões semanais. Tempo de separar as águas, Quem fez o quê, quem foi identificado. Vários arguidos assumiram a autoria das agressões. Outros foram identificados pelos jogadores e membros da equipa técnica como autores da invasão ao vestiário.
11839285
Rúben Marques assumiu a autoria das agressões a Bas Dost. "Vejo toda a gente a entrar na direção do edifício, com o cinto na mão, entro, seguimos até ao balneário e foi aí que deparei com o Bas Dost na entrada e dei-lhe uma pancada com o cinto", explicou o arguido, na 32.ª sessão do julgamento.
Rúben Marques disse ter batido "no primeiro que apareceu". O arguido, que à data dos factos tinha 21 anos, disse ter "a cara tapada", mas percebeu que o futebolista Rafael Leão, com quem andava na escola, o tinha reconhecido."Lá dentro deparo-me com o Rafael Leão e ele reconheceu-me rapidamente. Sorriu e vi logo que ele me tinha reconhecido. Fiquei quieto e pensei: 'Se faço alguma coisa ele vai dizer'",
"Estás aqui (...) queres ir embora, é?", Ruí Patrício e as palavras de um agressor
Do lado dos jogadores e equipa técnica fica a perceção do momento de pânico, mas também de parte do que movia os agressores. O capitão, Rui Patrício, recorda as palavras dos agressores. "Estás aqui (...) queres ir embora, é?", relata o guardião em julgamento, numa referência à possibilidade de uma transferência. "São uma vergonha", dizia outro adepto.
11676462
Outro dos capitães, William Carvalho, recorda os minutos dentro do vestiário. "Entraram, começaram aos gritos e ouvi-os a perguntarem onde estão o William, o Patrício, o Acuña e o Battaglia. Três ou quatro indivíduos disseram que eu não merecia vestir aquela camisola e deram-me socos no peito e nas costas", afirmou.
Jorge Jesus, treinador, garante que "foi tudo foi muito rápido. Não demorou muito mais de 5 minutos", explicou o então treinador leonino, que conta ainda que quando finalmente entrou no balneário viu jogadores a chorar, "sobretudo o Bas Dost".
11834739
Cerca "de uma ou duas horas" depois, surgiu Bruno de Carvalho. O ex-presidente do Sporting falou com Jorge Jesus e, segundo o treinador "gostava de falar com os jogadores, mas eles não quiseram", relatou o atual treinador do Flamengo.
Volte face. MP iliba o antigo presidente
"Colocaram-me do lado errado da barricada", disse o ex-presidente leonino, ouvido no tribunal de Monsanto durante as alegações finais do processo. O antigo dirigente falou apenas na 45.ª sessão do julgamento. "Passados quase dois anos do acontecimento, não compreendo como é que estou aqui na qualidade de arguido".
O antigo presidente leonino, que voltou a classificar a invasão à academia, ocorrida em 15 de maio de 2018, como "um crime hediondo e vergonhoso", garantiu não ter "qualquer conhecimento ou suspeita" de que algo do género pudesse acontecer.
"Passados quase dois anos do acontecimento, não compreendo como é que estou aqui na qualidade de arguido", Bruno de Carvalho
Também nas alegações finais, a procuradora responsável pela fase de julgamento do processo ilibou Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting, da autoria moral do ataque à Academia de Alcochete, considerando que não existem provas suficientes para uma condenação.
Na sessão, a procuradora do MP Fernanda Matias afirmou que durante o julgamento, iniciado em 18 de novembro de 2019, não foi feita prova de que o então presidente do clube "tivesse dado diretivas ou, sequer, tivesse conhecimento destes atos". Não há provas também, diz a procuradora do MP, sobre o envolvimento de Nuno Mendes e Bruno Jacinto na premeditação do crime.
O Ministério Público deixou cair a acusação por terrorismo e os crimes de sequestro e danos materiais. No entanto, Fernanda Matias entende que os 41 arguidos em Alcochete devem ser acusados de crime de introdução em lugar vedado ao público.
A procuradora do MP quer ainda ver 37 arguidos condenados a uma pena de prisão de cinco anos, imputando a 17 deles crimes de ofensa à integridade física e, aos restantes 25, crimes de ameaça agravada.
A decisão do coletivo de juízes pode ser conhecida esta quinta-feira, 28 de maio. Está pendente da resposta dos advogados às alterações não substanciais dos factos que resultam do julgamento.
