Thiago Gomes orientou Pepê numa fase crítica da carreira do jogador. Nos sub-23 do Grêmio, o médio ofensivo viveu um turbilhão de emoções num momento em que procurava a afirmação. Das conversas com o treinador aos grandes golos, como o de Alvalade, o atual treinador do Esporte Clube São José lembra o convívio com Pepê.
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O golo de Pepê aos 92 minutos e 32 segundos de jogo em Alvalade remete o antigo treinador do médio ofensivo para um outro momento na carreira do jogador. Thiago Gomes lembra que, num outro ambiente, num outro continente e num outro nível, aquela "cavadinha" de pé direito, sobrevoou outro guarda-redes, garantiu uma vitória importante para os sub-23 do Grêmio de Porto Alegre. Alegria não falta no jogo do brasileiro, nem compromisso.
Atual treinador do Esporte Clube São José (jogo a estadual gaúcho e a Série C do Brasileirão), Thiago Gomes orientou Pepê nos sub-23 do Grêmio em 2018. O médio-ofensivo tinha sido promovido à equipa principal para as primeiras semanas da temporada, mas acabou por cair nas opções para integrar, novamente, os escalões de base. O técnico brasileiro lembra aqui o primeiro rasgo de personalidade do jogador: perante a insistência do agente em colocá-lo num outro clube, ouviu a comissão técnica, e passou a atuar num palco secundário, à procura de uma segunda oportunidade.
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"O empresário de Pepê não estava satisfeito. Queria que ele ficasse na equipa principal. Mesmo o Pepê achava que merecia mais oportunidades na equipa principal. Durante vários meses, Pepê recebeu muitas propostas para sair do Grémio, muitas mesmo", nota Thiago Gomes.
O treinador entendia que tinha em mãos um valor seguro para o clube. "Conversei muito com ele, disse-lhe para ter calma, que a oportunidade ia aparecer. Há um momento em que o Pepê quase saiu do Grêmio. Voltei a falar com ele, disse-lhe que acreditava que, naquela mesma temporada, iria surgir uma nova oportunidade para integrar a equipa principal. Mas ele tinha de estar pronto e a treinar".
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Foi um golo como o de Alvalade que ajudou a criar um novo espaço de afirmação. "Trabalhou muito bem, dedicou-se muito aos treinos. Pepê fez grandes golos, incluindo um golo parecido com esse [referência ao golo no Sporting CP vs FC Porto, a 11 de fevereiro, 0-2]. Estava cara a cara com o guarda-redes (goleiro), e deu uma cavadinha na bola. Logo de seguida, Pepê teve uma oportunidade porque alguns dos jogadores do profissional se lesionaram".
Um elogio ao profissionalismo de Pepê, num momento em que a ansiedade era natural num jovem de um clube grande do Brasil, num momento final de formação.
Taticamente responsável
"É um jogador muito táctico. Sempre foi um atleta tecnicamente muito comprometido. Num determinado momento, eu dizia-lhe que não precisava de marcar o lateral contrário com tanta insistência. Não precisava de voltar tanto, era necessário estar mais perto da baliza", comenta Thiago Gomes.
Do que tem visto do seu antigo pupilo, o técnico brasileiro sublinha que a bagagem construída no processo de formação do jogador ajudou a uma adaptação a um novo contexto. Aconteceu com Pepê aquilo que também havia acontecido com Otávio, médio formado no velho rival, Internacional.
"Trabalhei com a periodização tática durante muito tempo. Gosto dessa ideia, e por isso também do futebol português. Isso permite-me perceber a evolução de um jogador (táctica e mental) no futebol português. Eu enfrentei algumas vezes o Otávio [antigo jogador do rival do Grêmio, o Internacional de Porto Alegre]. Ele tem um pouco mais de facilidade para jogar no corredor central. Embora tenham virtudes semelhantes, há algumas diferenças. O Otávio saiu do Brasil como uma grande promessa que se desenvolveu aí em Portugal".
Com Sérgio Conceição, Pepê experimentou diferentes funções na equipa azul e branca. Thiago Gomes acredita que a função que tem sido de Galeno é a que melhor corresponde às características de Pepê. Ainda assim, a polivalência do jogador e o entendimento que tem do jogo, ajudam Pepê a ter um papel relevante noutras funções.
"Penso que o Pepê deve jogar como um extremo pelo lado esquerdo do campo. Ele tem muita amplitude e profundidade. Só assim pode receber a bola em situações de um-contra-um, ou, muitas vezes, fazendo um movimento para agredir a linha - sobretudo quando o adversário joga num bloco alto, pela capacidade que tem para bater a defesa em velocidade". Thiago Gomes tem na memória os golpes da perna direita de Pepê, que valiam vitórias no futebol brasileiro.
O Brasil não pode deixar escapar Pepê e os novos Pepês
Otávio joga hoje pela seleção portuguesa. Pepê ainda aguarda uma oportunidade na canarinha na segunda temporada que completa em Portugal. "São jogadores de grande qualidade. O Brasil vai passar por um momento de reformulação, com a chegada de um novo treinador [ainda por anunciar após a saída de Tite]. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) quer um treinador com uma mentalidade diferente. Vai ser formada uma nova geração para o Brasil voltar a pensar em ganhar um campeonato do Mundo".
Pepê viveu dificuldades na afirmação no plantel profissional de um grande clube brasileiro. Thiago Gomes explica que os brasileiros deviam olhar para o que foi feito em Portugal. "Estive em 2019 em Portugal com a equipa B do Grêmio para fazer jogos com o Benfica, Braga, com as equipas secundárias de grandes clubes. Chamou-me à atenção a qualidade dessas equipas", nota.
"Penso que esse é também um caminho para a evolução do futebol do Brasil. As equipas B são um palco para o processo de formação dos atletas, permitindo manter os atletas mais tempo nos clubes. Aqui no Brasil terminaram as equipas de sub-23, um jogador de clube grande que não tem espaço tem de sair para um clube mais pequeno. Penso que a CBF ainda não deu conta que temos aqui um grande problema".
E o treinador português. Justificam a aposta de tantos clubes brasileiros - atualmente sete na Serie A do Brasileirão - ou são uma questão de moda? "Gosto muito da filosofia de jogo que vejo em Portugal. Trabalho com a periodização táctica há mais de dez anos. Aqui no Brasil falou-se muito das contratações de Jorge Jesus, de Abel Ferreira, dando certo. Porém, alguns treinadores portugueses tiveram dificuldade para trabalhar no Brasil. Pela gestão de grandes atletas, pela parte técnica, pelas decisões em grandes jogos. Acho que se perdeu o filtro, a capacidade para os dirigentes escolherem grandes treinadores. Eu sou um treinador jovem, não tenho ainda o patamar para treinar um FC Porto, um SC Braga, um Flamengo".
"Criou-se uma moda, após o sucesso de Jorge Jesus, de Abel Ferreira, mas, alguns treinadores portugueses contratados por dirigentes brasileiros, não estavam preparados para fazer a gestão de grandes clubes do futebol brasileira. Sou fã do trabalho de Abel Ferreira. Jesus fez um grande trabalho no Flamengo. Mas temos muitos treinadores qualificados no Brasil", explica o treinador do Esporte Clube São José.
Tal como Pepê, Thiago Gomes procura a afirmação no contexto profissional. Extintas as equipas de sub-23, o antigo adjunto de Luiz Felipe Scolari treina agora o São José, vizinho dos grandes de Porto Alegre, Grêmio e Inter. "Os Estaduais são um momento em que os grandes clubes têm de enfrentar clubes melhor. Equipas que jogam defensivamente de uma forma muito sólida, muito forte. O São José está na briga por uma zona de qualificação para as meias- finais. Brincamos que somos vizinhos do Inter(nacional) e do Grémio.
"Mas é um momento para fazer experiências, testar grandes jovens atletas, mas também onde se cria uma grande pressão sobre os treinadores, porque se espera que os grandes clubes cheguem sempre às finais. É só ver o caso do Santos (Paulistão). Estamos muito contentes pelo momento que o clube vem vivendo, sendo um clube pequeno, um clube de bairro, que joga o campeonato Brasileiro Série C, a terceira divisão. Quem sabe um dia possamos colocar o clube na Série B, numa segunda divisão".