Atropelado a caminho do sonho, voltou como vice-campeão europeu: Francisco Laranjeira chega aos Surdolímpicos "mais motivado do que nunca"
Portugal vai estar representado por 13 atletas nos Surdolímpicos, que decorrem em Tóquio, entre 15 e 26 de novembro. A TSF acompanhou toda a preparação e, durante esta semana, dá-lhe a conhecer aqueles que também são rostos de coragem, superação, ambição e crescimento no desporto. Francisco Laranjeira é a atleta desta terça-feira.
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Atropelado num momento decisivo de preparação para os Jogos Surdolímpicos de 2022, Francisco Laranjeira é o rosto de quem já viu o sonho desmoronar-se em segundos, mas também de quem sempre soube dar a volta. O regresso às pistas fez-se com um título de vice-campeão europeu e com a vontade de conquistar os objetivos que ficaram por alcançar. "Mais motivado do que nunca", o atleta português quer agora, em Tóquio, mostrar que o desporto para surdos também tem valor.
"É um silêncio total, sou só eu e a minha mente." Foi assim que Francisco Laranjeira partiu para a conversa com a TSF, no Complexo Municipal de Évora, onde durante os últimos meses treinou sob orientação de João Ferrão. Surdo desde que nasceu, o som faz parte do seu dia a dia, exceto na pista: "Eu corro no silêncio. Encontro foco e força."
No dia em que fomos ao encontro de Francisco deparámo-nos com uma pista bem cheia. O atleta de 26 anos estava no meio de tantos outros e, se alguém esperava que a comunicação fosse um problema, enganou-se. "Foi uma questão de hábito", contou-nos.
"Para mim, agora já há mais normalidade do que desafios, mas no início notava muito. Não conseguia pôr o ritmo certo (tanto nos treinos como nas provas) e isso prejudicava-me um bocado. E a questão de correr sem aparelhos também foi complicada no início para poder comunicar. Era aquela questão de não ouvir, mas consegui adaptar-me bem."
À medida que o tempo foi passando, Francisco e o treinador começaram a desenvolver sinais de comunicação próprios. Entendem-se perfeitamente. Aliás, do aquecimento às séries mais específicas, o que verdadeiramente nos saltou à vista durante o treino foi a capacidade de superação do jovem atleta, que, em abril de 2022, quando tudo parecia alinhado para concretizar o sonho de participar nos Jogos Surdolímpicos de Caxias do Sul, no Brasil, viu o destino trocar-lhe as voltas.
"O Francisco foi atropelado no dia em que estávamos de partida para o estágio final de preparação para os Jogos Surdolímpicos, que nesse ano seriam no Brasil. Aliás, isto foi em abril e os Jogos seriam em maio. Não foi um momento fácil", recordou João Ferrão.
O condutor fugiu e nunca foi identificado. Francisco Laranjeira fraturou o perónio da perna direita. Seguiram-se longos e dolorosos tempos de recuperação.
"Foi um momento muito difícil. Só com o apoio do treinador e da minha família consegui avançar. Senti-me impotente. Foi como levar uma facada. Estava a preparar-me para uma coisa que foi por água abaixo num segundo", confessou o atleta que representa o Grupo Desportivo Diana, de Évora.
"Mas consegui voltar lá cima, voltar a treinar bem, recuperar psicologicamente e fisicamente para poder preparar-me para o próximo objetivo. (...) Estou motivado para os Jogos Surdolímpicos. Acho que estou em forma. Sinto-me bem. Agora estou pronto para as provas", acrescentou.
João Ferrão interrompeu para sublinhar ainda: "No ano seguinte, ele voltou a fazer marcas de qualificação e inclusive foi ao Campeonato da Europa de surdos, na Polónia, onde foi vice-campeão europeu nos 5000 e nos 10.000 metros. Portanto, desse ponto de vista, a recuperação fez-se com sucesso."
"Mais motivado do que nunca" e com os Jogos Surdolímpicos de novo no horizonte, Francisco adotou ao longo dos últimos meses uma rotina exigente, de segunda-feira a domingo. Este era já o terceiro treino da semana, a uma quarta-feira. Aconteceu com normalidade, na pista, mas há dias que exigem cuidados extra, em particular depois do acidente.
"Quando faz treinos fora da pista é de facto melhor levar os aparelhos colocados, embora não seja essa a situação normal em competição. É para ele próprio se salvaguardar de alguma situação que possa ocorrer. Com os aparelhos colocados pode mais facilmente ouvir sons e alguns barulhos", explicou o treinador.
A relação de confiança entre Francisco e João Ferrão tem sido determinante ao longo deste caminho.
Sempre com um sorriso na cara e com uma atitude calma, Francisco disse-nos, já à saída do treino, que espera que o seu testemunho e percurso possam inspirar outros atletas, em particular surdos: "Ainda há um pouco de desinformação sobre o desporto para surdos, mas já estamos a encontrar novos atletas. Acredito que, aos poucos, vão começar a entrar mais pessoas, porque, tal como eu e outros colegas, o nosso trabalho também acaba por ser mostrar para fora o desporto surdo e mostrar e fazê-los sentir que também têm valor."
Questionado sobre os objetivos para Tóquio, respondeu: "Melhorar dos 15:16 e, se possível, baixar dos 15 minutos aos 5000. Também nos 10.000 quero bater o recorde pessoal, baixar dos 31:45." Vamos a isto?

Francisco Laranjeira vive o sonho consciente de que o atletismo não vai durar para sempre e, por isso, conciliou sempre a prática desportiva com os estudos. O jovem atleta - que corre desde os 16 anos - é licenciado em Sociologia pela Universidade de Évora e mestre em Gestão de Recursos Humanos.
Além da família e do apoio do treinador, Francisco encontra força e inspiração em Cristiano Ronaldo e em Jakob Ingebrigtsen (atleta norueguês campeão em várias distâncias): "Admiro-os muito."
Francisco Laranjeira é um das 13 atletas que integra a comitiva portuguesa nos Jogos Surdolímpicos deste ano, que decorrem de 15 a 26 de novembro, em Tóquio, no Japão.
Este ano assinala-se o centenário desta competição multidesportiva, cuja primeira edição decorreu em 1924. Tóquio acolherá aproximadamente 3.000 atletas de cerca de 80 países, que competirão em 21 modalidades distribuídas por 17 arenas.
Portugal somará a sua nona participação em Jogos Surdolímpicos, competição na qual já conquistou 17 medalhas.
