Bom, mau ou vilão? O filme de Rui Vitória no Benfica ainda não terminou. Há ainda mais para contar, também sobre as últimas 24 horas.
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No dia 15 de junho de 2015, Luís Filipe Vieira começa a conferência de imprensa de apresentação de Rui Vitória com as seguintes palavras: "O tempo é sempre o melhor juiz das nossas ações e das nossas decisões". Foram palavras quase proféticas as que o presidente do Benfica proferiu nessa tarde. O percurso do treinador foi marcado por momentos bons, maus e por um vilão que acabou por não assistir in loco à nova campanha de Rui Vitória no Benfica. Vejamos o filme:
O bom
Passaram 1268 dias desde que Rui Vitória foi apresentado como treinador do Benfica. Neste período, o treinador português conseguiu conquistar dois campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal, duas Supertaças Cândido de Oliveira e uma Taça da Liga.
Os dois primeiros títulos de Rui Vitória ao serviço do Benfica chegaram logo na primeira temporada. Depois de um início de época tremido, a perder a Eusébio Cup para o Monterrey e a Supertaça para o Sporting de Jorge Jesus, que trocara o Benfica pelos leões no mesmo verão em que Vitória chegou à Luz, Rui Vitória acaba a época como campeão nacional e como vencedor da Taça da Liga.
O campeonato foi renhido e até pode mesmo ser considerado "de loucos". Benfica e Sporting batem o recorde de pontos da Liga Portuguesa e combatem ferozmente pelo título. Os 86 pontos que o Sporting fez em 2015/2016 tinham sido suficientes para, na época anterior e ainda com Jesus ao comando, o Benfica ter sido campeão (os encarnados tinham somado 85 pontos). Os encarnados tornam-se tricampeões com 88 pontos e Rui Vitória é campeão na época de estreia na Luz.
A Taça da Liga também faz parte da boa estreia de Vitória. O Benfica conquistou o troféu, cuja final ainda se jogava em maio, ao bater o Marítimo por 6-2, em Coimbra.
A época de estreia do treinador na Champions é, curiosamente, a melhor que teve ao comando do Benfica. As águias chegaram aos quartos-de-final da competição, fase em que foram eliminados pelo Bayern de Munique com um agregado de 3-2 a favor dos alemães. Na primeira época, Vitória é campeão nacional, vence a Taça da Liga e chega aos quartos-de-final da Champions.
A boa época do plantel teve impacto no mercado de transferências: o jovem revelação da época, Renato Sanches, é eleito Golden Boy e vendido ao Bayern de Munique por 35 milhões. Gaitán vai para o Atlético Madrid por 25 milhões.
Em termos de títulos, pode dizer-se que a melhor época de Vitória foi a segunda. O treinador começou por conquistar Supertaça frente ao SC Braga, num jogo que venceu por 3-0 frente a uma equipa que tinha Rafa Silva como principal estrela. O jogador acabou por ingressar no Benfica alguns dias depois.
Rui Vitória levou o Benfica ao tetracampeonato (bicampeonato para Rui Vitória), o primeiro da história do clube, em 2016/2017.
Em janeiro, o Benfica vendia Gonçalo Guedes ao PSG por 30 milhões de euros, mas a venda fez pouca mossa num plantel que tinha conseguido manter nomes como o de Ederson, Lindelöf, Nelson Semedo, Mitroglou e Jiménez e ao qual ainda se juntaram André Horta, Cervi, Zivkovic e Carrillo, numa transferência do Sporting para o Benfica que deu "pano para mangas".
Desta feita foi o FC Porto quem terminou no segundo lugar, comandado por Nuno Espírito Santo, a seis pontos dos encarnados.
Na Liga dos Campeões, o Benfica ficou-se pelos oitavos de final. Foi eliminado pelo B. Dortmund.
A época não acabou sem que Vitória conquistasse a sua primeira Taça de Portugal ao serviço das águias e logo frente ao seu clube anterior. O Benfica venceu o Vitória SC por 2-1 e Rui Vitória juntava a prova rainha do futebol português ao seu palmarés.
Novamente, o mercado falou (bem) mais alto: Ederson sai para o Manchester City por 40 milhões, Lindelöf vai para o Manchester United por 35 milhões, Nelson Semedo segue para Barcelona por 30 milhões e Mitroglou sai algo relutantemente para Marselha por 15 milhões.
O último título de Rui Vitória acontece no início da época 2017/2018: o Benfica conquista a Supertaça frente ao Vitória SC com uma vitória por 3-1. Nesta época, o FC Porto é campeão com Sérgio Conceição ao leme e mais sete pontos que os encarnados.
Há mais de um ano que o Benfica não vence qualquer título oficial nacional ou internacional.
O mau
Se as duas primeiras épocas de Rui Vitória à frente do Benfica são, de um modo geral, positivas em muito devido ao facto de ter sido campeão nacional em ambas, a terceira época acaba por ser quase desastrosa, não fosse a Supertaça conquistada.
Os encarnados somam zero pontos na fase de grupos da Liga dos Campeões, num grupo em que encontraram CSKA Moscovo, Basileia e Manchester United. É nesta fase que os encarnados sofrem uma das maiores humilhações da época, ao perder com o Basileia, na Suíça, por 5-0.
Os zero pontos na fase de grupos figuram um novo recorde negativo na competição. Além da ausência de pontos, o Benfica soma também um número baixíssimo de golos marcados: apenas um em seis jogos.
No campeonato, o cenário não é melhor. A entrada de Sérgio Conceição ao comando do FC Porto marca o que aparenta ser um novo ciclo para os dragões: a ideia de jogo muda, a prata da casa ganha outra dimensão e a expressão "jogar à Porto" volta ao léxico do futebol português. Conceição encontra em Marega um autêntico todo-o-terreno que decide jogos a favor dos portistas e os dragões conquistam mesmo o campeonato. Ainda assim, o Benfica conseguiu ter o melhor marcador da época em que os dragões vencem o campeonato: Jonas marcou 34 golos.
Na Taça de Portugal, a equipa de Rui Vitória é eliminada pelo Rio Ave nos oitavos de final.
Na Taça da Liga, conquistada pelo Sporting, o Benfica fica-se pela fase de grupos. Na época anterior tinha sido eliminado pelo Moreirense, que viria a conquistar a prova.
Depois de uma época em que não ganha qualquer título, Rui Vitória parte para a época 2018/2019 com o FC Porto como campeão, o Desportivo das Aves como detentor da Taça de Portugal e o Sporting como detentor da Taça da Liga. Afastado da possibilidade de vencer a Supertaça, tenta concentrar esforços na Liga Portuguesa.
A aventura até começou bem, com os encarnados a manterem-se invencíveis até outubro deste ano, recebendo o Sporting (1-1) e o FC Porto, vencendo por 1-0. A primeira derrota aconteceu frente ao Belenenses, por 2-0, à qual se segue uma outra derrota frente ao Moreirense, em plena Luz, por 3-1. Houve lenços brancos.
Por esta altura, já tinha começado a (des)aventura do Benfica na Liga dos Campeões. Apesar de ter conseguido chegar à fase de grupos, a equipa comandada por Rui Vitória começa a sua participação com uma derrota na Luz, frente ao Bayern, por 2-0. De seguida, vai a Atenas vencer o AEK, com alguma dificuldade, por 3-2 e conquista os primeiros pontos. Segue-se uma dupla jornada com o Ajax da qual só resulta um ponto: derrota por 1-0 em Amesterdão e empate a uma bola na Luz.
Por fim, a gota de água: a precisar de vencer para se manter na Liga dos Campeões, e depois de uma campanha em que somou quatro pontos na competição, o Benfica visita o Bayern. A equipa é goleada por 5-1 e cai para a Liga Europa. No campeonato, os encarnados estão no 4.º lugar, a quatro pontos do líder FC Porto. Dias antes, o Benfica vence com muita dificuldade o Arouca, da Segunda Liga, por 2-1 para a Taça de Portugal, na Luz. Na Taça da Liga, o Benfica venceu o único jogo que fez até ao momento.
O cenário não agrada aos adeptos, que contestam o treinador. Luís Filipe Vieira reiterou a confiança no treinador a 30 de outubro, ou seja, há menos de um mês, com as seguintes palavras: "O Rui tem feito trabalho extraordinário, consegue ter equipas competitivas, nunca abdicando da formação. Um homem que lança 10 jogadores da formação é o homem certo para o projeto que o Benfica quer! Só se ele não quiser ficar".
A reunião que decide o futuro de Rui Vitória está marcada para esta quinta-feira mas, ao que a TSF apurou, o treinador encarnado já não deve orientar a equipa no jogo deste sábado, frente ao Feirense, na Luz.
...e o vilão
É impossível acompanhar o percurso de Rui Vitória na Luz sem olhar para o outro lado da 2.ª Circular. No mesmo verão em que Vitória chega à Luz, o na altura bicampeão Jorge Jesus chega a Alvalade. Em outubro de 2015, o Sporting visita a Luz, no regresso de Jorge Jesus a casa dos encarnados. Os leões vencem por esclarecedores 3-0 e Jesus não perdeu a oportunidade de colocar em causa o trabalho de Vitória. "É tudo igual, é o software que eu deixei cá", disse o treinador dos leões sobre o trabalho de Rui Vitória.
Numa afirmação que colocava claramente pressão sobre Vitória e as suas ideias de jogo, Jorge Jesus apresentava-se como o principal adversário do Benfica na luta pelo título. A luta foi feroz e houve mesmo momentos de tensão entre os treinadores.
Em janeiro de 2016, Rui Vitória acusa Jesus de estar obcecado com os rivais Benfica e FC Porto e acusa-o de ser mau colega. A resposta de Jesus?
"Sou mau colega? Treinador? Como não o qualifico como treinador, logo não sou mau colega. Para ser treinador ele tem de ser muito mais. Fi-lo sair da toca, que era o que eu queria. Ele tem de se assumir. Para treinar o Benfica tem de se assumir. Para conduzir um Ferrari é preciso ter andamento para ele. Vamos ver se aquele Ferrari continua a andar."
Nascia o argumento do Ferrari vermelho e de quem tinha mãos para o conduzir. Rui Vitória não se deixou ficar.
"Os treinadores em Portugal, em concreto o treinador do Sporting, antes de chegar ao Benfica teve 20 anos de carreira onde andou a ganhar algumas vezes e a perder outras, a ser despedido umas vezes e contratado outras. Com a idade que eu tenho, ele se calhar andava a lutar pela subida de divisão na 2ª Liga. Isto faz parte da vida. A opinião fica para quem a proferiu, não estou nada preocupado".
A luta era tão quente dentro como fora de campo e a temporada acabou com ambas as equipas a bater o recorde de pontos na Liga Portuguesa, sendo que o título sorriu ao Benfica. Do FC Porto de Lopetegui, não se viu o suficiente para que os dragões se intrometessem na troca de argumentos entre Benfica e Sporting.
Nas duas épocas seguintes, o sucesso dos clubes teve diferentes dimensões. Em 2016/2017 o Benfica é campeão nacional e o Sporting, sem qualquer título, acaba no terceiro lugar do campeonato, garantindo um lugar de acesso ao play-off da Liga dos Campeões.
É precisamente a Liga dos Campeões que marca um ponto de viragem na conquista de títulos dos clubes. Em 2017/2018, com zero pontos somados na fase de grupos, o Benfica acaba a época sem ganhar qualquer título. Já o Sporting vence a Taça da Liga e chega à final da Taça de Portugal, na qual é batido pelo Desportivo das Aves. No campeonato, o Benfica acaba à frente do Sporting, relegando os leões para a Liga Europa, numa altura em que Portugal já só tem dois lugares de acesso à Liga dos Campeões.
Agora, e sem Jesus no horizonte, Rui Vitória vê-se na posição mais delicada em que já esteve enquanto treinador do Benfica. Em quarto lugar no campeonato e fora da Liga dos Campeões, a equipa de Rui Vitória não tem convencido os adeptos. Jorge Jesus está na Arábia Saudita, a treinar o Al-Hilal e é um dos nomes falados para suceder a Rui Vitória no Benfica, caso se confirme a saída do treinador.
Com o treinador que o colocou em causa desde o primeiro momento no Benfica fora do país, Rui Vitória pode estar prestes a terminar a sua aventura nos encarnados, com uma das principais contestações que lhe é feita a ser precisamente a mesma que Jesus lhe fazia: a ideia de jogo de Vitória parece não ser suficiente.
(Notícia atualizada às 14h00, depois da confirmação por parte do Benfica de que Rui Vitória se mantém como treinador do clube)