Supervisão não tem poder para "evitar decisões de crédito eventualmente erradas"
Vítor Constâncio diz que há uma "expectativa excessiva" sobre o que a supervisão" pode ou não fazer no setor bancário.
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O ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio é ouvido esta quinta-feira pelos deputados na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas logo na declaração inicial, antes da primeira ronda de perguntas dos deputados, avisa que não terá muito para dizer.
"Não tenho nada de novo a acrescentar em relação ao que disse na resposta que dei por escrito" à primeira comissão de inquérito ao banco público. "Não tenho informações novas, concretas, a testemunhar", afirma.
Vítor Constâncio diz também que "não tem acesso a documentos" nem "trouxe nenhuns documentos" do tempo em que foi governador do Banco de Portugal. Diz que recolheu dados na internet sobre a CGD e enumera alguns.
Como o facto de CGD ter tido em 2008 um rácio de capital superior à media do setor bancário nacional, e um rácio de incumprimento inferior à média do setor e "até abaixo dos bancos do euro". Mesmo no pico da crise, destaca, o banco continuou com resultados acima da média.
No fundo, a CGD sempre foi um banco que "nunca deu muitas preocupações" ao supervisor, diz.
Uma farra na banca
Vítor Constâncio considera que há uma "expectativa excessiva sobre a supervisão" no setor bancário.
"A supervisão não pode envidar nem anular qualquer concessão de crédito, por muito arriscada que seja, não tem poder para isso (...) não pode evitar decisões de crédito eventualmente erradas que levem a perdas grandes ou pequenas."
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O que a supervisão faz é exigir que os bancos tenham "níveis adequados de capital caso as perdas tragam os níveis de capital para baixo dos níveis legais". Tem como objetivo proteger os depositantes e a estabilidade do setor financeiro.
Além disso, "quando não há ilegalidades não se pode evitar a existência de perdas", disse já em resposta a Mariana Mortágua. "Pode discordar, mas é a lei. É a lei!"
"A banca fez o que quis" durante o período em que Vítor Constâncio foi governador do Banco de Portugal, entre 2000 e 2010, acusou a deputada do Bloco de Esquerda.
"Financiou acionistas, montou estruturas paralelas, usou esquemas de offshores, deu créditos de favor, controlou grupos económicos. Foi uma farra e tudo isto aconteceu nos dez anos em que foi governador."
"A supervisão não é uma espécie de polícia moral", reitera Vítor Constâncio, não compete ao governador fazer julgamentos sobre políticas comerciais quando tudo está dentro da legalidade.
"Não é o governador que vai ver tudo, é impossível" ou "não era eu que tinha esse pelouro", para além de "não tenho memória", são as frases mais usadas por Vítor Constâncio para responder às deputadas Mariana Mortágua e Cecília Meireles e por várias vezes os ânimos exaltam-se na sala.
Constâncio assegura que nunca recebeu nenhuma informação por parte da Caixa sobre operações dissimuladas ou créditos contra o parecer da comissão de risco e diz que o supervisor "não pode descobrir por si".
Cecília Meireles ironiza: os administradores deviam ter ligado para dizer que iam fazer operações fora da norma. "Os bancos nunca reportaram isto ao Banco de Portugal? Pois com certeza que não!".
"As operações eram arriscadas, muito arriscadas, mas todas legais. Podia não ter havido crise e correrem todas normalmente", considera o antigo governador, reiterando que "não houve falsa contabilidade ou o registo de que tenham sido falsificados" documentos.
Vítor Constâncio, admite, por outro lado, que não leu o relatório da EY, uma vez que não lhe foi enviado."Suponho que não seja público..." Vários deputados responderam-lhe quase em coro: "é, é".
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