O que leva o primeiro-ministro a sair do país nos últimos metros do Orçamento do Estado, sendo que estão ainda por fechar alguns pontos de negociação com os parceiros que garantem apoio ao governo?
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A resposta é simples. Trata-se de uma questão de oportunidade. A agenda de Xi Jinping, Presidente da República Popular da China, só voltaria a ter uma aberta para António Costa no segundo semestre do próximo ano.
Era pegar ou adiar e a decisão não terá obrigado a grandes ponderações do lado do governo português. Em boa verdade, não há qualquer obrigação protocolar de um Presidente receber um primeiro-ministro estrangeiro em visita oficial, e este é um gesto que não é propriamente habitual no Presidente chinês. Xi Jinping aceita menos de meia dúzia destes encontros a cada ano, e é com este pormenor da deferência ou simpatia diplomática que pode medir-se a importância que a China dá às relações com Portugal.
Do lado português, para lá da raridade do momento, pesou o facto do Orçamento do Estado estar já praticamente fechado quando António Costa aterrar hoje em Pequim. Ao que o DN apurou, todas as matérias com potencial para causar perturbação nas negociações entre o governo e os parceiros à esquerda já estão resolvidas, existindo acordo pelo menos no essencial de cada um dos pontos. De hoje até quinta-feira, quando aterrar em Lisboa à beira do Conselho de Ministros que vai aprovar a proposta de Orçamento do Estado, o trabalho será apenas de pormenor, e qualquer gestão de sensibilidades ou desacertos com os parceiros fica nas mãos de Pedr Nuno_Santos e Mário Ceteno, sendo que em caso de emergência o primeiro-ministro pode ser chamado a intervir, à distância.
Cinco séculos de história
"A China vê Portugal como uma antiga superpotência global, como um velho aliado e parceiro estratégico", é desta forma que o ex-embaixador João de Deus Ramos, o primeiro diplomata português a aterrar em Pequim depois da regularização das relações bilaterais em 1979, explica a forma como o gigante chinês olha para um pequeno país da periferia da Europa. O diplomata lembra que a China usa um tempo diferente, "é um país que dá muito valor ao passado, e que tem uma história como nação quatro ou cinco vezes mais longa do que a nossa". É a essa relação da China com a história, longe da nossa visão, com o tempo visto de uma forma muito diferente do que é habitual no ocidente, que Portugal vai buscar trunfos na relação diplomática e económica com o gigante asiático.
Afinal, há mais de cinco séculos de história partilhada. O primeiro acordo comercial entre os dois países - assinado na verdade entre Portugal e as autoridades de Cantão, e à revelia da Corte Imperial - foi firmado em 1554, sendo que as tentativas de estabelecimento de um entreposto comercial duravam desde as primeiras décadas do séc. XVI. O ex-embaixador João de Deus Ramos sublinha que "os portugueses foram os primeiros europeus a chegar e os últimos a partir", já que Macau começou a ser utilizado pelos portugueses, como plataforma de comércio entre a China e o Japão, em 1557, e a presença portuguesa no território durou até 1999. É a memória histórica que a China guarda desse tempo, do contacto com um país que na altura era uma superpotência global, que explica as boas relações com Portugal, e sobretudo a deferência - desproporcionada em relação à dimensão do país - com que António Costa será recebido em Pequim.
Mas, não é só o tempo e os cinco séculos de história que explicam a forma como a China olha ainda hoje para Portugal. O ex-diplomata português sublinha que essa longa relação foi sempre relativamente tranquila e pacífica, ao contrário da ligação da China a outras potências ocidentais, como a Inglaterra. "Foi um relacionamento sempre muito positivo, e isso explica a simpatia das autoridades chinesas", afirma João de Deus Ramos.
Negócio, negócio
António Costa aterra hoje em Pequim, onde vai ter um primeiro dia de agenda puramente institucional, com encontros com o Presidente da República e com o Presidente do Congresso, mas depois, à exceção de uma ou outra pausa cultural, o foco centra-se quase sempre na economia, e nas oportunidades de negócio e investimento entre os dois países.
O gabinete do primeiro-ministro assume que é preciso dar um novo impulso às exportações portuguesas para a China. Há dois anos que as exportações estão a cair ligeiramente. Na agenda da visita, um dos pontos passa pela tentativa de levantar algumas barreiras à exportação de bens nacionais, sobretudo de produtos alimentares. Entre pequenos-almoços com empresários chineses e passagem por fóruns e seminários empresariais e de investimento, em Pequim e Xangai, António Costa terá um encontro com o governador de Guangzhou. A ideia é tentar a abertura de um centro português de logística, para apoio às exportações, na província de Guangzhou.
Portugal continua a precisar de investimento direto estrangeiro como de pão para a boca, e esse é outro dos objetivos centrais desta viagem de António Costa. A China tem sido um dos principais investidores externos em Portugal, com um investimento acumulado de 1,2 mil milhões de euros até final do ano passado. Neste departamento, o objetivo da visita passa por tentar uma viragem no tipo de investimento chinês em Portugal. Até agora, o capital chinês que tem entrado em Portugal limitou-se à de compra de ativos, e a ideia agora é fazer a viragem para investimentos de base industrial. Há encontros programados com potenciais investidores, em Pequim e em Xangai.
A captação de investimento estrangeiro é precisamente o que leva o primeiro-ministro a visitar, no último dia da viagem, o campus-sede da Huawei (grupo chinês que actua no campo das tecnologias de informação e comunicação, e que tem uma presença cada vez mais forte no mercado dos telemóveis e tablets). Para lá da cortesia da visita, o objectivo é conseguir atrair para Portugal novos projectos e investimentos que a Huawei tem previstos para a Europa.
Outro dos pontos na agenda desta visita será o reforço da capacidade de atração de turistas chineses, com a assinatura de um acordo entre o Turismo de Portugal e a BCA - Beijing Capital Airlines, para que passe a existir uma ligação direta Lisboa - Pequim a partir do verão do próximo ano, algo de inédito. No Fórum Macau, já no final da visita, vai ser assinado um memorando de cooperação triangular, entre Portugal, a China e países de África e da América Latina.