
Foto: Mário Vasa (arquivo)
Estudo da AON revela agravamento de 10% nos preços dos seguros de saúde em Portugal, um valor superior à média europeia, refletindo ainda uma subida significativamente superior aos 2,1% da inflação geral projetada pelo FMI
Portugal vai registar um agravamento de 10% nos preços dos seguros de saúde em 2026, quer a nível de particulares, quer de empresas. A informação é divulgada no "Global Medical Trend Rates Report," estudo que a consultora britânica AON realiza anualmente em 120 geografias, na Europa, nos EUA ou no Médio Oriente.
O nosso país não foge à tendência internacional. Tendo em conta a previsão de inflação de 2,1% projetada pelo FMI, na base desta análise, o aumento é superior à média europeia, que ronda os 9%, sendo apenas ultrapassado pelo agravamento dos preços com seguros de saúde do Reino Unido.
Entre os motivos para este agravamento de custos dos seguros de saúde, João Dias, Health Solutions Manager da Aon Portugal, aponta problemas que afetam a sociedade portuguesa, como o envelhecimento da população e a transferência de procura nos últimos anos do SNS para os hospitais privados, bem como a ausência de rastreios clínicos antecipados, hipertensão, sedentarismo e fatores genético.
"O aumento dos custos com a saúde privada refletem-se nos prémios e tem sido continuado nos últimos anos e vai continuar a acontecer assim em 2026, de acordo com a nossa estimativa", confirma, em declarações à TSF.
João Dias recorda ainda que, "em Portugal, a idade de reforma tem vindo a aumentar progressivamente e, na saúde, o risco está muito correlacionado com a idade, logo, à medida que as pessoas envelhecem, o normal é terem mais patologias e maiores custos médicos, o que depois se reflete também nos preços das apólices".
Outro fator estrutural apontado é o facto de já se verificar há alguns anos, em Portugal, a transferência de custos do setor público da saúde, nomeadamente do SNS, para o privado, em especial no domínio das doenças de alto custo.
"Até há poucos anos, as pessoas, mesmo quando tinham seguro de saúde, por norma, utilizavam o sistema nacional de saúde quando tinham uma patologia grave, mas, hoje em dia, a percepção que se criou, muitas vezes, até injustamente, é que o SNS não está a responder mesmo em situações de doenças graves. Isto faz com que a primeira opção, quando é diagnosticada uma doença grave, seja o privado."
Outro fator levado na equação para medir custos dos seguros de saúde em Portugal tem sido o investimento do setor privado em novas tecnologias de ponta, de diagnóstico e tratamento.
"Tudo isso dá aos doentes maior opção de escolha, mas também são áreas que têm custos elevadíssimos e que depois as seguradoras, enquanto financiadores, têm de refletir no seu pricing e no aumento dos prémios"
Quando analisadas as tendências relativamente às coberturas nos seguros de saúde, verifica-se que as mais procuradas em Portugal são hospitalização, consultas e exames, estomatologia e oftalmologia, mantendo-se em linha com a tendência registada em 2025.
O relatório destaca ainda que as patologias que mais têm contribuído para o aumento dos custos dos seguros de saúde são as doenças oncológicas e cardiovasculares, que se têm mantido no topo nas últimas quatro edições do estudo, seguindo-se as musculoesqueléticas, problemas respiratórios e saúde mental.
A nível global o aumento médio com os custos de saúde será de 9,8%, com algumas regiões a atingir aumentos superiores, como o Médio Oriente (15,3%) e a Ásia-Pacífico (11,3%), enquanto a América do Norte regista 9,3%, abaixo da média global.
A América Latina e as Caraíbas deverão apresentar uma ligeira desaceleração, com uma média de 10,3%, ainda acima da média global.
Em contraste, a Europa deverá apresentar uma tendência de desaceleração, com uma média de 8,2%. Portugal mantém-se estável, com uma taxa de 10%, acima da média europeia.
Esta divergência entre regiões sublinha a diversidade das pressões que afetam os sistemas e os custos de saúde em todo o mundo.
"O relatório 2026 Global Medical Trend Rates Report é divulgado num contexto de incerteza económica e geopolítica, incluindo tarifas globais", salienta ainda o responsável.
"Embora a inflação esteja a abrandar em alguns mercados, os custos com cuidados de saúde continuam sob pressão significativa. Este aumento persistente tornou-se um desafio empresarial generalizado, levando as organizações a adotar medidas proativas. Ao recorrer à análise preditiva e à implementação de estratégias inovadoras de gestão de custos, as empresas podem navegar melhor na volatilidade contínua e reforçar a sua estratégia de benefícios a longo prazo", explica.
Para minimizar o impacto deste tipo de custos e evitar níveis de crescimento, que podem não ser sustentáveis para as empresas continuarem a suportar seguros de saúde em função dos seus colaboradores, são apontadas algumas medidas.
A certo prazo, por exemplo, o ajuste nos planos de saúde, com incrementos nos co-pagamentos e franquias em linha com a inflação médica, ou até introduzindo uma pequena contribuição a cargo dos colaboradores, para que este aumento de custos possa ser mais repartido entre as empresas e os seus colaboradores.
Numa ótica de médio prazo, a promoção de um reforço de áreas como a telemedicina, ou medicina online, por ser uma área que tem evoluído muito após a pandemia de Covid-19. Esta medida permitiria controlar os custos médicos, evitando idas desnecessárias a urgências. Além disso, uma maior aposta na prevenção, que se tem vindo a verificar, por exemplo, através de rastreios, coberturas inovadoras de check-ups, que algumas seguradoras têm vindo a incluir, e uma promoção do bem-estar físico e emocional, com a introdução de coberturas de psicologia e de saúde mental, área que há uns anos os seguros não cobriam.
Para João Dias, estas são áreas que podem trazer retorno mais a médio e longo prazo e sobre as quais se deve continuar a investir para garantir que os custos de saúde se mantêm sustentáveis, porque, segundo este estudo, o custo não desce, a tendência é para continuar a subir, mas a procura também não desce. Cada vez existem mais portugueses a procurarem seguros de saúde privados.
"Temos cerca de quatro milhões de pessoas em Portugal que já têm um seguro de saúde privado e não falamos de subsistemas, como a ADSE ou o SAMS, dos bancários, falamos de sistemas de seguros de saúde privados, cerca de metade dos quais através das empresas e outra metade de seguros particulares. Aquela perceção que se gerou na opinião pública, por vezes injustamente, de que o SNS não responde faz com que as pessoas cada vez mais procurem um seguro de saúde privado, mesmo que depois no seu orçamento familiar tenham de fazer um esforço muito grande para conseguir pagar o prémio e, muitas vezes, prescindir de outras áreas das suas necessidades. Mesmo assim, a procura continua a crescer, tanto a nível corporativo como a nível particular."
Com os prémios já em níveis muito elevados, este consultor espera que as seguradoras, agora com mais controlo sobre os rácios de sinistralidade e também algum abrandamento ao nível inflacionista nos preços dos prestadores privados, possam alimentar o otimismo quanto a uma eventual futura tendência de descida das percentagens dos preços dos seguros de saúde em Portugal.
