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"A conversa termina aqui". Emails entre governo e Bruxelas no caso Banif deixam antever negociação difícil para o futuro da Caixa Geral de Depósitos.
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A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está "em falta" em relação a vários pontos do plano de reestruturação e "precisa de mais capital". Esta é apenas um dos vários alertas de Bruxelas sobre o banco público numa troca de emails com o governo, à qual a TSF teve acesso.
As mensagens, de dia 8 desse mês, ilustram a tensão nas negociações com a Direção-Geral de Concorrência Europeia (DG Comp), numa altura em que o executivo tentava convencer a Comissão Europeia (CE) das virtudes da integração do Banif na CGD. A troca de emails acabou por ser também sobre a situação do banco público - e as suas fragilidades.
A CGD, argumenta o Diretor-Geral da DG Comp para os processos de ajudas de Estado, "está em reestruturação até 2017, e o facto de ainda não ter conseguido devolver ao Estado os CoCos [ajuda pública de quase 900 milhões de euros feita em 2012] mostra bem a sua fragilidade de capital". Gert Jan Koopman acrescenta que "a CGD está em falta com outros pontos do plano de reestruturação e precisa de mais capital", argumentando contra a intenção de António Costa, que queria solucionar o problema do Banif através de uma integração no banco do Estado, algo que a CE nunca aceitou, afirmando que não seria possível criar um banco bom através da fusão de um banco frágil e com ajuda de Estado (a CGD) com um banco problemático (o Banif).
A Caixa precisa ainda, diz o responsável europeu, de fazer esforços adicionais para reduzir o rácio de custos e proveitos.
"É improvável que a Caixa", argumentou Gert Jan Koopman no email, "esteja em posição de consolidar o Banif, e é também improvável que surja como um comprador bem colocado para a compra".
Capitalização já é tema de conversa ao mais alto nível
O tema da capitalização da Caixa vai ser um dos grandes desafios do governo nos próximos meses, e tanto esta troca de emails como as declarações de António Costa em entrevista à TSF deixam adivinhar que as negociações não são fáceis - mas já tiveram início.
O primeiro-ministro afirmou, em entrevista à TSF e Diário de Notícias, que a Caixa terá de ser capitalizada, embora ainda não se saiba em quanto: "as contas serão apresentadas brevemente", afirmou. António Costa explicou ainda que a questão "tem a ver com a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, entre a qual e o BCE, infelizmente, noto haver pouca articulação de funções", criticou, acrescentando que já transmitiu ao presidente da CE a opinião portuguesa e registou "com muita satisfação a posição do presidente Juncker". O chefe do executivo sublinhou que "as instituições financeiras públicas não podem ser aliviadas de cumprirem os mesmos rácios de capital que os privados, porque isso seria distorcer a concorrência. Mas não podem, simultaneamente, ser os únicos bancos impedidos de serem capitalizados, porque aí seria uma distorção a contrário".
Desde o início do ano que a Caixa (e os restantes bancos) estão obrigadas a ter rácios de solidez mais robustos, calculados de forma individual, e as regras europeias ditam que qualquer aumento de capital através de fundos públicos é considerado uma ajuda do Estado. Essas ajudas, não sendo proibidas, implicam a aprovação da Comissão Europeia, que em troca pede planos de reestruturação - que, por sua vez, geralmente implicam despedimentos, fecho de balcões e, de uma forma geral, redução da atividade.
Em 2015, a CGD registou um prejuízo de 171,5 milhões de euros.
"Para nós a conversa termina aqui"
A visão da DG Comp sobre a CGD ficou patente na forma como Koopman se refere à possibilidade do banco público absorver o Banif. O responsável europeu entende que a possibilidade implicaria uma ajuda ao banco público, que só poderia ser dada à luz das novas regras europeias, que por seu turno obrigariam a que a Caixa "entrasse, ela própria, em resolução". E esse, continua num tom pouco habitual em mensagens institucionais, "é um caminho que não estou certo que Portugal queira seguir".
A argumentação termina de forma quase imperativa: "este cenário é improvável e encorajo-os vivamente a deixarem-no cair".
Uma "forma simpática", explica fonte próxima das negociações, de dizer "a conversa termina aqui".
Contactados pela TSF, o ministério das Finanças, a Caixa Geral de Depósitos e a DG Comp preferiram não comentar o conteúdo da troca de emails entre o governo e a Comissão Europeia.