Comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos vai ter dezenas de audições para responder à grande pergunta: "Como foram emprestados tantos milhões em créditos maus?"
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Dezanove mil páginas de documentação, dezenas de audições que vão demorar horas, e muitas perguntas que entroncam nestas: como foram concedidos tantos créditos que correram mal na Caixa Geral de Depósitos (CGD)? Terá havido negligência, incompetência, influência política? Ou terá existido um cocktail destes fatores?
É este o ponto de partida para a Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco (CPICGD), que arranca esta terça-feira, com a audição da consultora EY, e segue, na quarta-feira, com a inquirição ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e na quinta-feira com Vítor Constâncio, que o antecedeu.
A empresa que estreia as audições é autora da polémica auditoria à gestão do banco entre 2000 e 2015 que identificou perdas de 1.260 milhões de euros só nos 25 maiores empréstimos.
A divulgação de uma versão inicial desta auditoria foi, aliás, o facto que levou o CDS-PP a propor a constituição da comissão, iniciativa à qual se juntaram depois o PSD, PS e BE.
A consultora analisou 170 empréstimos que, pelas regras do banco, deviam ter sido alvo de pareceres de análise de risco e identificou irregularidades de vários géneros: empréstimos que não foram alvo de parecer de análise de risco (perdas de 86 milhões); créditos concedidos com análises de risco positivas que contrariam, sem justificar, análises comerciais desfavoráveis (perdas de 48 milhões de euros); operações cuja análise de risco condiciona a concessão a requisitos adicionais, mas que foram aprovadas sem que essas exigências tenham sido satisfeitas (769 milhões).
Há ainda concessões que apesar de terem seguido as regras originaram perdas para o banco, com perdas totais de 360 milhões de euros.
Só em operações para compra de ações, a instituição hoje liderada por Paulo Macedo perdeu 520 milhões , um valor próximo da soma dos empréstimos concedidos pela Caixa em 2007, em plena guerra pelo poder no Millennium BCP. Parte destes créditos foram concedidos a Joe Berardo, que recebeu empréstimos superiores a 300 milhões de euros, com cerca de metade dados como perdidos.
Entre os créditos mais ruinosos estão também os concedidos à Artlant (antiga fábrica da La Seda em Sines), no valor de 350 milhões de euros, dos quais mais de metade foram perdidos. O empreendimento de Vale do Lobo, um dos mais mediáticos, também originou perdas avultadas de dezenas de milhões de euros.
Ainda antes do início da comissão já houve declarações do ministro das Finanças e do governador do Banco de Portugal sobre o tema: Mário Centeno disse no Parlamento que é "evidente" que existiu má gestão na CGD.
Já Carlos Costa (que teve responsabilidades na Caixa entre 2004 e 2006) garantiu, entrevistado na SIC, que não participou "nos 25 créditos que geraram perdas para a Caixa".
Para além das três audições desta semana, foram já aprovadas inquirições à Oliveira Rego e Associados (ex-revisor oficial de contas da CGD), a Eduardo Paz Ferreira (responsável pelo departamento de auditoria do banco), e a João da Costa Pinto, ex-presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal.
O relator da CPICGD é o centrista João Almeida.
Esta é a terceira comissão de inquérito ao banco público nesta legislatura.
A primeira, que usou a mesma designação da que agora se inicia, foi proposta pelo CDS-PP e PSD em junho de 2016. Oito meses mais tarde, os dois partidos avançaram com outra comissão, para averiguar a atuação do governo no processo de nomeação da administração de António Domingues, e posterior demissão dessa equipa.