O Ariane 6 está na linha de sucessão, mas devido a vários atrasos o seu voo inaugural não deverá acontecer antes de 2024.
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É o fim de uma era. Depois de vinte e sete anos a alimentar o projeto da Agência Espacial Europeia (ESA), o foguetão Ariane 5 fez, na quarta-feira, o último voo e deixou em órbita, a 36 mil quilómetros da Terra, dois satélites militares: um francês e outro alemão. O Ariane 6 está na linha de sucessão, mas a sua inauguração está atrasada e não deverá acontecer antes de 2024.
O 117.º e último voo do Ariane 5 aconteceu às 22h00 de quarta-feira, a partir do porto espacial europeu de Kourou, na Guiana Francesa. O lançamento já tinha sido adiado duas vezes este ano: uma por problemas com as linhas pirotécnicas do foguetão, que entretanto foram substituídas, e outra devido às más condições meteorológicas.
Este último voo decorreu sem problemas, tendo sido observado por centenas de espectadores, entre os quais a ministra da Justiça francesa, Christiane Taubira.
À agência de notícias AFP, a diretora do Centro Espacial da Guiana Francesa, Marie-Anne Clair, afirmou que o último voo do Ariane 5 foi "carregado de emoção" para as equipas de Kourou, o local onde os lançamentos deste foguetão acontecem há quase 30 anos.
Embora se tivesse tornado num foguetão fiável, o Ariane 5 teve um início de vida difícil: o seu voo inaugural explodiu momentos depois da descolagem, em 1996.
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No final de 2021, o Ariane 5 lançou o telescópio espacial James Webb, da NASA, que foi para o espaço para descobrir os segredos do universo.
Em abril deste ano, lançou a nave espacial Juice, da Agência Espacial Europeia (ESA), que foi até Júpiter para explorar as luas geladas.
O chefe de exploração humana e robótica da ESA, Daniel Neuenschwander, afirma que o Ariane 5 foi "a ponta de lança das atividades espaciais da Europa".
A Europa depende dos foguetões russos Soyuz para lançar missões de carga pesada para o espaço, mas a Rússia bloqueou a cooperação espacial com a Europa em resposta às sanções impostas pela guerra na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022. A partir daí, o número de lançamentos a partir de Kourou passaram a ser bastante limitados: caiu de 15, em 2021, para seis, em 2022.
Adeus ao Ariane 5 "deixou Europa numa situação complicada". Ariane 6 só deverá voar em abril ou maio de 2024
A Agência Espacial Portuguesa alerta para a dependência de outros países, sobretudo dos Estados Unidos, com a descontinuidade do Ariane 5. Ricardo Conde diz que, na melhor das hipóteses, só em abril do próximo ano é que o voo inaugural do Ariane 6 poderá acontecer, o que coloca a Europa numa situação muito complicada.
"Com todas as complexidades que o Ariane 6 tem, neste momento, só vai voar, no mínimo, depois de abril ou maio. Estamos a dizer adeus agora ao Ariane 5 que foi um lançador absolutamente fantástico em termos de fiabilidade, com 99% de fiabilidade. Portanto, deixou a Europa numa situação muito, muito complicada, que olha para este setor como um monopólio, sem haver outras alternativas. Na realidade, acaba por ser uma oportunidade - Portugal está envolvido nisso também - para darmos lugar a pequenos lançadores privados. É um pouco à semelhança do que se faz em todo o mundo, em particular nos Estados Unidos", explica à TSF Ricardo Conde.
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O presidente da Agência Espacial Europeia dá um exemplo concreto daquilo que fica comprometido com o vazio criado entre o Ariane 5 e o 6.
"Vemo-nos a braços com uma série de satélites que estão literalmente na prateleira à espera de melhores dias. Temos outras missões científicas preparadas para voar e estamos a tentar arranjar slots nos lançadores internacionais. Quem tem essa disponibilidade neste momento são os americanos", diz.
Para já, a Europa fica sem um lançador e várias missões espaciais vão ficar comprometidas, atrasando aquilo que eram as perspetivas científicas, até porque o norte-americano SpaceX está em sobrelotado.
"De alguma forma, pode ser importante para Portugal. Neste momento, estamos a ver se, de julho até setembro, conseguimos colocar o país com a possibilidade de ter acesso ao espaço através destes novos pequenos lançadores que estão a ser feitos em vários países da Europa. Acaba por ser uma oportunidade, mas o problema mantém-se: pequenos lançadores não lançam grandes satélites com uma massa muito elevada", sublinha.
Esperava-se que vários satélites fossem lançados ainda este ano e no próximo, mas vão ficar em fila de espera devido aos atrasos científicos de, no mínimo, um ano. Ricardo Conde considera ainda que a guerra na Ucrânia não só afetou os lançamentos, mas também o fornecimento de componentes para a construção de satélites.
Os lançamentos espaciais têm sido dominados pela SpaceX, a empresa norte-americana do multimilionário Elon Musk, cujos foguetões deslocam, agora, uma vez por semana. Sem outras opções, a ESA foi forçada a recorrer ao Falcon 9, da Space X, para o lançamento do telescópio espacial Euclid, a 1 de julho de 2023.
A ESA vai utilizar um foguetão da SpaceX para lançar os satélites para a missão de observação EarthCARE. Também ainda não é claro como a agência irá lançar a próxima ronda de satélites para o sistema de navegação global da União Europeia. No início deste mês, o chefe da ESA, Josef Aschbacher, reconheceu que estes são "tempos difíceis", sublinhando, no entanto, que todos estão a "trabalhar intensamente" para lançar o foguetão de nova geração Ariane 6 - que estava previsto para 2020 - e o Vega-C.
Em 2022, a ESA e a Arianespace tinham anunciado o voo inaugural do Ariane 6 para este ano, mas tudo indica que não deverá ser possível. A 8 de junho, a ESA agendou para novembro a montagem do veículo e um primeiro ensaio geral em solo, pelo que o voo inaugural do Ariane 6 não deverá acontecer antes de 2024.
* Notícia atualizada às 10h12