Um "som grave" que se espalha pelo cosmos: como podem as ondas gravitacionais explicar a origem do universo?
Um consórcio de astrónomos divulgou uma descoberta inédita: ondas gravitacionais de baixa frequência, que propagam um "ruído de fundo" pelo cosmos. Ainda não é clara a explicação para este som e este tipo de ondas, mas pode ser uma ajuda na compreensão dos primórdios do Universo, como o Big Bang.
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As ondas gravitacionais já foram descobertas em 2016, mas na tarde desta quinta-feira foi apresentado um estudo inédito que poderá explicar os primórdios do Universo: um grupo de cientistas internacionais conseguiu detetar ondas gravitacionais de baixa frequência que originam um "som grave" que se espalha pelo cosmos.
"Esta nota virá de buracos negros supermassivos que estão dentro de galáxias. É possivelmente o resultado da colisão de galáxias, em que no centro, estes buracos estão a ir ao encontro um do outro, ainda estão a dançar e produzem uma onda gravitacional que tem uma frequência tão baixa, que pode demorar um ou dois anos-luz a passar", explica à TSF o astrofísico José Fonseca.
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Para a descoberta deste "ruído de fundo" das ondas gravitacionais de baixa frequência, este grupo de cientistas observou os pulsares, ou seja, "o que sobrou de estrelas supermassivas, em que a estrela explode e o que fica do núcleo é uma estrela de neutrões".
O astrofísico afirma que algumas destas estrelas de neutrões têm o eixo de rotação e o eixo magnético "desalinhado", criando, assim, "um feixe de luz". Os pulsares "são quase como relógios no céu. São tão precisos, ajudam-nos a medir o tempo de forma muito precisa".
Mas o que são as ondas gravitacionais? Relembrando a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, José Fonseca refere que as ondas gravitacionais são "oscilações no espaço-tempo" e compara-as com um barco na água. "O barco vai para cima e para baixo. Ao perturbar o espaço-tempo, perturbamos a forma como medimos o tempo e as distâncias. A flutuação é mesmo na malha do espaço-tempo e o que nós observamos são os efeitos da flutuação na malha do espaço-tempo."
Ainda não é clara a explicação para o som destas ondas gravitacionais de baixa frequência, que foi agora detetado, mas o astrofísico adianta uma teoria à TSF: "A explicação mais provável são os buracos negros supermassivos que vivem no centro das galáxias, que estão a orbitar um à volta do outro e ainda estão naquela dança em que vão colidir."
Outra das possibilidades é a de que as "ondas gravitacionais primordiais são um barulho latente do início do Universo".
Este é um resultado essencial que poderá explicar os primórdios da história do Universo, como o Big Bang, bem como a evolução das galáxias. "A ideia geral que temos da formação das estruturas no universo é que primeiro foram criadas as pequenas galáxias e depois, com o tempo, foram colidindo e juntando-se para criarem galáxias cada vez maiores. O que acreditamos é que a maior parte das galáxias terão buracos negros massivos no centro das galáxias e estas galáxias, ao colidirem, fizeram com que também os próprios buracos negros colidissem para formarem buracos negros ainda maiores, mas como são entidades tão massivas demoram muito tempo a colidir. Alguns, inclusive, podem demorar tanto quanto a idade do universo e, por isso, nem sequer terão colidido, ainda estão a dançar, à espera de colidirem", esclarece o astrofísico.
Agora, com esta descoberta, os cientistas têm já uma forma para detetar ondas gravitacionais de baixa frequência, o que abre "toda uma nova janela para estudarmos e olharmos para o princípio do universo".
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À TSF, José Fonseca confessa que o som que se ouviu destas ondas gravitacionais de baixa frequência foi "muito mais alto do que se estava à espera" e compara-o com uma orquestra sinfónica, onde há "uns sons mais graves e outros mais agudos". "Se o espaço-tempo e a malha do espaço-tempo estivesse sempre a flutuar, o que nós ouvimos agora foi a parte grave desta orquestra sinfónica", diz.
E este é um som diferente daquele que fazem os buracos negros quando colidem. Neste caso, é "a parte aguda" da orquestra sinfónica.
"Se forem buracos negros a criar este som, o que ouvimos agora é a dança anterior a eles juntarem-se. É um estado diferente no processo dos buracos negros irem ao encontro um do outro", esclarece.
Esta foi uma descoberta feita pelo consórcio de cientistas NANOGrav, mas José Fonseca sublinha que há várias outras entidades que estudam e monitorizam os pulsares do Universo, nomeadamente a European Pulsar Timing Array.
De acordo com o astrofísico, no futuro, a monitorização dos pulsares será feita por um "telescópio gigante", o Square Kilometre Array Observatory, do qual Portugal faz parte.