Cimeira tecnológica decorre até quinta-feira em Lisboa. Ouça aqui o Jornal Web Summit.
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Com a demissão de Paddy Cosgrave após as declarações sobre Gaza que causaram a debandada das gigantes tecnológicas da edição deste ano da Web Summit, sobe ao palco a nova presidente executiva, Katherine Mayer, que promete manter a continuação dos debates sem temas proibidos, falando de uma excelente equipa e do apoio do governo e da câmara de Lisboa.
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Este ano são esperados cerca de 70 mil participantes. Estão inscritas 2600 startups de 85 países (mais 300 que na edição do ano passado) e quase um terço são fundadas por mulheres. Há ainda mais de 900 investidores, 300 entidades parceiras e dois mil meios de comunicação social registados, oriundos de 160 países.
A organização tem ainda o registo que 32 países dos cinco continentes vão enviar delegações oficiais à Web Summit em busca de investimento estrangeiro e a Associação da Hotelaria de Portugal espera que o evento se traduza numa taxa de ocupação de 85% dos hotéis na Grande Lisboa com um preço médio mais alto.
Já Katherine Maher embarca numa experiência transatlântica como a nova CEO da Web Summit. A investigadora de 40 anos vive em São Francisco, mas dos 365 dias do ano, diz viajar em pelo menos 200, liderou a Wikipedia, trabalhou com organizações como a ONU, a Unicef e o Banco Mundial e licenciou-se em Estudos Islâmicos na Universidade de Nova Iorque, mas foi no Cairo, durante uma especialização universitária, que mudou o rumo de vida quando se dá a invasão do Iraque.
Katherine Maher deixou a fundação da Wikipedia para se tornar na nova CEO da Web Summit. Investigadora de temas como a transparência, considera que vivemos numa época muito estranha para a informação: "Uma crise global de notícias falsas e desinformação, o que significa que o nosso movimento de conhecimento livre ficou um pouco isolado. Ao mesmo tempo, assistimos a um colapso da confiança do público, em todo o mundo, em muitas das nossas mais importantes instituições civis. Uma das razões para este colapso da confiança do público em assuntos como a ciência pública, ou uma imprensa livre e independente, ou até talvez na ideia da própria democracia, é que as pessoas, estejam em que parte do globo estiverem, estão cada vez mais céticas sobre a capacidade destas instituições responderem a desafios futuros e novas necessidades."
Centrada nos problemas modernos da globalização como o conceito de verdade, da perceção, da deturpação entre valores e crenças pessoais e ausência de hipóteses de conhecimento cientifico - e de como isso afeta as mudanças urgentes no rumo do planeta -, numa palestra do canal digital TED Talks, dos Estados Unidos, que convida pensadores contemporâneos a falar do seu objeto de estudo, com mais de cem mil visualizações, explica porque um dos aspetos que todos poderíamos reconhecer é que parte da razão pela qual temos tantas crónicas gloriosas da experiência humana e todas as formas de cultura é porque reconhecemos que existem muitas verdades diferentes.
Para a investigadora, tendo em conta isso, a verdade existe para todos nós e provavelmente para a pessoa que temos sentada ao lado, "mas pode não ser a mesma verdade." E conclui que tal acontece porque a verdade da questão, para muitos de nós, significa juntarmos factos sobre o mundo às nossas crenças sobre o mundo. Por isso, todos temos verdades diferentes. São baseadas em aspetos como de onde viemos, como fomos criados, e como outras pessoas nos percecionam. E explicita: "Por exemplo, podemos conversar com um vizinho e partilhar uma ideia em comum, mas o que acontece quando juntamos uma terceira, quarta, ou quinta pessoa? O que acontece quando tentamos expandir essa ideia a uma escala de 7,8 mil milhões de pessoas? A realidade é que somos um mundo vasto e variado. Quando tentamos usar as nossas verdades pessoais em redor de uma tomada coletiva de decisões, sobre questões importantes, começamos a ter problemas."
Para Katherine Maher, a tomada de decisão coletiva, aquilo que queremos fazer em sociedades abertas e democráticas, requer que nos reunamos em torno de entendimentos comuns sobre a raiz do problema e sobre algumas hipóteses de como vamos sair dele, mas se estamos a usar as nossas verdades pessoais para isto, acabamos por ter conversas sobre os nossos valores e a nossa identidade e considera que nos focamos naquilo que nos divide, em vez de nos focarmos naquilo em que concordamos. Para a investigadora, isso permite-nos ter conversas sobre a verdade, de uma forma que se centra naquilo em que acreditamos, em vez de estar focados naquilo que se pode saber, no conhecimento, considerando que essa é uma definição que é extremamente divisória e prejudicial.
Num evento que este ano tem o lema "Atlântico, onde o futuro vai nascer", Maher garante que pensa muito sobre a falta de ação urgente sobre as alterações climáticas, quando há muito tempo se sabe quais os impactos negativos do carbono produzido pelo Homem na atmosfera. Mas, para esta investigadora, as implicações desses dados desafiam as nossas identidades, industrias e comunidades de muitas formas que criam resistência e até desinformação e "os debates públicos que resultaram dessa verdade sobre as alterações climáticas impediram-nos de tomar medidas específicas e concretas, que podiam mitigar os danos para a humanidade relativamente à subida do nível das águas do mar, às crescentes ondas mortais de calor e frio e tempestades violentas. Com estas ameaças urgentes diante de nós, precisamos de formas melhores de chegar a um entendimento comum."
Expectativa não falta para a edição deste ano, depois da demissão de Paddy Cosgrave, o empreendedor irlandês, fundador e guru histórico da Web Summit, após fazer um post nas redes sociais a defender a Palestina que levou à debandada de gigantes tecnológicas que recusaram, desta vez, a vinda a Lisboa.
Perante a debandada, o ministro da Economia, António Costa e Silva, garantia a 24 de outubro o empenho do Governo na realização do evento. Em comunicado, adiantou que havia condições para que estes quatro dias decorressem com normalidade e cumprindo o acordo celebrado com os organizadores.
Este ano, também Marcelo de Rebelo de Sousa não confirma datas, nem encontros, nem apertos de mãos, mas o Presidente da República poderá marcar presença em momentos surpresa. Quem sabe se hoje que o chefe de Estado não surpreenda no arranque dos eventos da Web Summit by Night, espalhados pelo Hub Criativo do Beato, Praça do Comércio e Pavilhão Carlos Lopes.