"Joe Biden pode não ser o presidente perfeito, mas só ele pode vencer Donald Trump"
Peter e Susan são americanos. Ele lidera a cobertura do New York Times na Casa Branca. Ela é redatora da revista New Yorker, onde escreve sobre a vida em Washington. Conversa sobre a grande divisão na política dos EUA.
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São um casal de jornalistas. Peter Baker é o principal correspondente do diário New York Times na Casa Branca, responsável pela cobertura sobre o Presidente Biden, que já é o quinto presidente que o jornalista cobre. Anteriormente, cobriu os presidentes Trump e Obama também já para o New York Times e Bill Clinton e George W. Bush para o Washington Post.
Susan B. Glasser é redatora da revista New Yorker, onde escreve uma coluna semanal sobre a vida em Washington. Foi editora principal de várias publicações, incluindo o Politico e Foreign Policy. Antes disso, trabalhou durante uma década no Washington Post, onde foi também editora. Passou quatro anos como chefe da delegação deste jornal em Moscovo, e cobriu as guerras no Iraque e no Afeganistão.
Vieram a Portugal, à FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento), para falar sobre a divisão americana e as clivagens nas políticas nos EUA e deram uma entrevista ao programa da TSF, O Estado do Sítio, a emitir este sábado, pelas 12h.
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Na semana anterior, o título (traduzido para português) da coluna da jornalista na New Yorker foi: "As gafes não são todas criadas iguais, Biden versus o Todo-Poderoso Trump." Pedimos-lhe que explicasse:
"Uma das grandes batalhas para jornalistas, como eu e o Peter, é cobrir Joe Biden quando Donald Trump ainda está a pairar sobre o sistema, como o gorila gigante, como se costuma dizer. Sabe, Joe Biden tem um velho ditado que gosta de citar do seu pai dizendo: "Não me compare com o Todo-Poderoso", com Deus, compare-me com algo mais justo, e Joe Biden, em 2024, não vai provavelmente concorrer contra Deus, contra o candidato perfeito, ele vai concorrer contra Donald Trump".
E como não concorre contra Deus, não precisa roçar a perfeição, basta ter a capacidade para derrotar o homem que mandou nos destinos do país (e assim condicionou o mundo) entre 2017 e inícios de 2021: "Joe Biden pode não ser o presidente perfeito. Ele tem 80 anos de idade. Muitas pessoas estão bastante preocupadas com a sua idade. Mas ao mesmo tempo, os Democratas continuam confiantes de que ele pode vencer Donald Trump, porque Joe Biden com todas as suas falhas, não tem o mesmo tipo de falhas e problemas com o eleitorado americano que Donald Trump tem."
O argumento para a reeleição de Biden, não é apenas sobre o seu historial como presidente, mas principalmente "o facto de ser o único tipo que venceu Donald Trump, de ser o único bem-sucedido 'caçador' de Trump. E para os Democratas, mesmo agora, mais de dois anos depois de Trump ter deixado o cargo, o objetivo primordial continua a ser garantir que Donald Trump não volta a ser presidente". Mas, refere Glasser, "o problema não verbalizado pelos Democratas é que a Vice-Presidente Kamala Harris não é vista como uma candidata suficientemente forte. E o medo entre muitos democratas é que ela não seria capaz de vencer Donald Trump. E penso que essa é uma das razões, francamente, para ser muito provável que Joe Biden volte a candidatar-se, porque não conseguiu arranjar um sucessor em que ele esteja confiante de que pode conseguir uma vitória em 2024".
Donald Trump é um perigo para a democracia americana? A jornalista devolve com outra questão, antes de responder afirmativamente: "Será Donald Trump uma ameaça para a Constituição? A resposta é sim. Porque ele próprio ameaçou publicamente a Constituição. Será Donald Trump algo excecional na história americana, apesar de já termos tido muitos períodos de divisão? A resposta, claro, é sim. Donald Trump é, na verdade, o único presidente na história americana, em toda a nossa história, que se recusou a aceitar e a admitir a derrota, numa eleição em que foi derrotado e a sair pacificamente do poder, isso é algo que felizmente nunca experimentámos antes".
Peter Baker, disse recentemente que para Biden, "esta é uma era em que os Tratados são mais prováveis de serem rompidos do que conseguidos". A TSF pergunta-lhe se existe algum grau de responsabilidade americana sobre este estado de coisas, sobre este clima de tratados rasgados? "Sim, claro. Em primeiro lugar, há agora um ambiente neste momento em que a hostilidade com a Rússia e a China criou um momento diferente no nosso espaço internacional, onde os acordos e a globalização já não são tão favorecidos. A globalização, que alimentou tratados e acordos de comércio livre nos últimos 40 anos, tornou-se impopular não só na América, mas em todo o mundo, em muitos lugares, o que criou um ambiente em que não há muito espaço para a diplomacia. Mas também é verdade que a própria América foi rasgando vário tratados nos últimos anos com Trump. Rasgou mais tratados do que assinou". Baker lembra que Trump tirou os Estados Unidos do acordo climático de Paris, tirou os EUA da Parceria Transpacífico, tirou a América do acordo nuclear iraniano, do Tratado das Forças Nucleares Intermediárias, até tentou cancelar o envolvimento americano no Tratado Postal com 144 anos de idade. Assim, "houve uma era sob Trump em que a América tem vindo a rasgar alguns destes tratados. E há, portanto, um ceticismo natural da parte dos parceiros internacionais quanto a saber se a América ainda lá estará se se fizer novos tratados e Biden perder o cargo". Ou seja, um tratado que "assinámos com Biden, por exemplo, continua a ser válido? Porque o próximo tipo aparece e a América sai desse tratado. Por isso, existe uma verdadeira incerteza neste momento, sobre o lugar da América no mundo, em parte devido à nossa política interna".
A Presidência dos EUA anunciou esta quarta-feira, e para breve, o envio de um novo carregamento de ajuda militar para a Ucrânia, sem fornecer pormenores sobre o valor desse apoio. O novo pacote de ajuda consistirá sobretudo em munições para os sistemas de artilharia pesada utilizados pelo exército ucraniano, declarou a porta-voz da Casa Branca. Este anúncio coincide com a receção pela Ucrânia dos primeiros sistemas norte-americanos de defesa antiaérea Patriot e de veículos de combate ligeiros franceses AMX-10. O jornalista do New York Times que lidera a cobertura sobre a Casa Branca entende que a guerra é, neste momento, "um verdadeiro teste para os Estados Unidos neste momento, porque existe um consenso bipartidário em Washington por detrás da política de manter a Ucrânia, de ajudar a Ucrânia a resistir à agressão russa. Mas há algum desgaste dessa coligação. Há algum apoio que começa a mudar um pouco, mais especificamente à direita, mas também um pouco à esquerda. E a verdadeira questão é o que acontece no próximo ano, porque os dois principais candidatos à nomeação republicana, Donald Trump e Ron De Santis, disseram ambos basicamente que não querem ajudar a Ucrânia, que a Ucrânia não é importante para eles, que a Rússia basicamente pode fazer o seu caminho com a Ucrânia, no que lhes diz respeito. E" isso significa que no próximo ano, vamos estar num debate muito maior em Washington sobre qual deverá ser a nossa política em relação à Rússia e à Ucrânia".
Susan Glasser e Peter Baker escreveram o livro: "Ascensão no Kremlin: A Rússia de Vladimir Putin e o fim da revolução", publicado em 2005. Já passaram 18 anos e, reconhece a jornalista, o regime parece ainda muito sólido: "Sim, o Peter e eu escrevemos esse livro há 18 anos, depois de termos passado quatro anos em Moscovo, cobrindo a ascensão de Vladimir Putin. Não esperávamos que ele - penso que ninguém esperava - fosse o líder mais tempo na Rússia desde Joseph Stalin. Mas agora que o é, é muito difícil ver, a curto prazo, quaisquer desafios significativos ao seu poder."
A colunista da New Yorker recorda que "basicamente, um milhão de russos deixou o país em vez de participar na guerra de Putin na Ucrânia. Muitos, muitos jovens abandonaram o país em vez de serem recrutados. Muitos opositores liberais do regime vivem agora noutros países, na Europa ou noutro lugar, em vez de participarem nesta guerra na Ucrânia, mesmo estando na Rússia. É como quando os comunistas assumiram e criaram pela primeira vez a União Soviética, e muitas pessoas, os aristocratas, os liberais, deixaram o país. E penso que isto aconteceu agora".
Glasser entende que a Rússia ainda pode perder guerra e "se isso for uma vitória militar da Ucrânia, penso que seria uma enorme derrota para Putin e para todo o regime que ele construiu à sua volta. Mas, certamente, as pessoas que esperavam que Putin fosse derrubado ao longo dos últimos 20 anos, têm ficado desapontadas uma e outra vez".