Ano letivo em Espanha começa em pé de guerra: ameaças de greve e descontentamento geral
Os professores pedem mais investimento e mais contratações para garantir a redução do número de alunos por turma.
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Pais, professores e alunos em pé de guerra. É assim que está prestes a começar o ano letivo em Espanha. O governo central e as comunidades autónomas passaram o verão a empurrar responsabilidades e só na semana passada foi definido um protocolo igual para as 17 regiões.
O documento, apresentado pela ministra da Educação, Isabel Celaá, e o ministro da Saúde, Salvador Illa, inclui medidas sanitárias e de higiene mas é pouco concreto no que respeita a medidas educativas. Os docentes dizem que o texto é insuficiente e ameaçam com uma greve já em setembro.
"São medidas imprescindíveis mas insuficientes. Abrem um caminho importante ao nível de recomendações de higiene e saúde, mas faltam compromissos a nível educativo", analisa Paco Garcia, professor e porta-voz da federação de educação do sindicato Comisiones Obreras. "As recomendações de 20 alunos por turma não se vão cumprir porque o próprio documento inclui uma cláusula que indica que, nas comunidades autónomas onde não se possa cumprir regressam os números habituais. Conclusão: muitas vão começar com 25 alunos em primária e 30 na secundaria", explica.
É aqui que reside o principal ponto de conflito: o número de alunos por professor. Os docentes defendem que um regresso às aulas seguro em tempos de pandemia só pode ser feito com uma redução do número de alunos por turma mas avisam que a solução não pode passar pelo ensino online.
"Não queremos deitar a toalha ao chão, nem validar o ensino semipresidencial. Porque vimos, durante aqueles quatro meses que esse regime enfraquece o direito à educação, reduz a igualdade de oportunidades e faz com que a desigualdade aumente e se manifesta com toda a crueza", critica.
A greve de professores estava convocada para o inicio de setembro, mas a decisão de adiar o inicio do ano letivo para a segunda semana de setembro fez adiar também a convocatória. A maioria das escolas começam as aulas entre o dia sete e o dia 14 de setembro, dependendo do nível de ensino e da comunidade autónoma, y Garcia avisa que se não forem tomadas medidas adicionais a greve vai mesmo para a frente. "Não foi desconvocada, só foi adiada, à espera de que o Governo explique as medidas que vai adotar.
São 167.000 professores
O documento apresentado na semana passada, inclui recomendações básicas de higiene, como lavar frequentemente as mãos, usar máscara, arejar as salas de aula, tentar manter a distância de segurança e estabelecer "grupos bolha" de alunos, que não tenham contacto com outros grupos de forma a reduzir a probabilidade de contágio. O protocolo estabelece também que os centro podem fechar no caso de surgirem "surtos importantes" de Covid-19.
As críticas ao documento vem também do lado dos alunos, que ameaçam ainda com outra greve, para meados de setembro.
"As medidas apresentadas são insuficientes e até insultantes. Realmente o que vieram dizer é que há que abrir as janelas nas salas de aula, tentar evitar o contacto entre os alunos e usar máscara.... são diretrizes que todos conhecemos", diz Alex Garcia, do sindicato de estudantes. "No final das contas, o que fez o Governo foi passar a responsabilidade para a Comunidades Autónomas e que cada uma decida o que fazer".
Uma crítica à que se juntam também os docentes. "O direito a uma educação presencial é muito importante e não é legítimo que um aluno de Valencia tenha direitos diferentes de um de Madrid", diz Paco Garcia.
Uns e outros defendem que a única solução passa por três pilares: mais professores, mais infraestruturas e mais investimento. "Garantir um número médio de 15 alunos por turma obriga à abertura de 87.500 novas turmas, contratar 167.000 professores, com um custo de 5.500 milhões de euros. É um número importante, mas ainda assim, aquém dos cortes feitos na educação nas últimas legislaturas", sintetiza o professor.
"Faltam medidas de conciliação"
Já os pais debatem-se entre o receio de enviar os filhos à escola em plena pandemia e a necessidade de um ensino presencial que os ajude a retomar o trabalho com normalidade. Para além das medidas vitais para a abertura das escolas pedem também mais apoios para a as famílias caso seja necessário ficar com os filhos em casa.
"Falou-se da hipótese de haver baixas laborais para esses casos mas não se chegou a legislar nesse sentido... não há medidas de conciliação no plano do Governo", queixa-se Maite Esgocozabal, socióloga e responsável de investigação da plataforma de defesa da conciliação familiar, "Eu não renuncio".
A plataforma faz parte da associação "Club de Malas Madres" [Clube das Más Mães], que nasceu para denunciar as dificuldades das mulheres para conciliar o trabalho com a vida familiar. Ao longo dos últimos anos têm sido uma das plataformas mais ativas na defesa das medidas de conciliação. A crise provocada pela pandemia abriu ainda mais o debate sobre estas questões.
"Defendemos o teletrabalho como imperativo legal, que é muito diferente de o deixar à mercê de uma recomendação ou de um acordo entre empresários e trabalhadores. Não basta que se possa pedir, temos de ter o direito a que seja concedido numa situação com esta", completa a socióloga.
O ministro da saúde tem insistido em que este ano não pode haver pais que enviem crianças doentes para as escolas e, num tom muito duro, avançou mesmo a hipótese de sancionar essas famílias: "É inconcebível que coisas dessas aconteçam. É inconcebível que um pai ou uma mãe leve uma criança à escola sabendo que está doente, arriscando a sua saúde a dos que o rodeiam. Sejamos sérios".
Maite Esgocozábal sublinha que a responsabilidade não pode cair apenas nos pais. "É um problema estrutural que não pode ser resolvido colocando em cima da mesa medidas de prevenção sanitária. Todos sabemos que há crianças que vão com o antipirético para a escola, mas porque o pai ou a mãe não podem faltar ao trabalho. O que faz falta é que a pessoa que tenha um filho com febre se veja protegida por um conjunto de medidas. Que possa teletrabalhar, pedir o dia sem penalizações ou ajustar o horário laboral"
Medidas essenciais e sem as quais, avisam, muitas mulheres verão também afetadas as suas aspirações laborais. "Muitas mulheres tiveram que renunciar ao seu trabalho, tiveram que pedir licenças sem vencimento ou pedir redução do horário laboral e perder salário. Se isto continuar assim de certeza que vamos assistir a muitas mais renuncias", conclui.
  12572009