Após "ataque direto ao coração da UE", futuro da política de coesão é debatido em Bruxelas
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Foi uma semana importante para a política de coesão em Bruxelas. Além da Semana das Regiões, foi apresentado o Relatório anual da UE sobre o estado das regiões e dos municípios, que alerta para riscos de centralização e crise de coesão na Europa.
Segundo o documento, a economia está a crescer, mas as desigualdades também. Quase dois terços das regiões perderam competitividade e metade viu aumentar o desemprego e a exclusão social, o que pode reabrir fossos regionais que a política de coesão vinha a reduzir há décadas. Além disso, é claro que a crise da habitação está a afetar todos os Estados-membros, sendo necessário um investimento de 270 mil milhões de euros anuais. O relatório refere ainda o aumento de fenómenos meteorológicos extremos, dando conta de que, em 2024, as inundações causaram 18 mil milhões de euros em prejuízos. A Europa poderá enfrentar um aumento de 40% a 80% nas secas severas até 2050.
Por isso, “só uma abordagem de base local, assente em soluções descentralizadas, permitirá à União cumprir os seus objetivos de coesão, resiliência e proximidade”, concluem os responsáveis do Comité das Regiões, que estão contra a proposta apresentada pela Comissão Europeia, em julho de 2025.
A instituição quer que os programas regionais deixem de ser negociados diretamente entre Bruxelas e as autoridades locais e passem a ter um único plano nacional por Estado-membro, centralizando a decisão sobre os fundos nos governos nacionais.
Durante a semana o Comité das Regiões discutiu e lançou críticas à proposta da Comissão Europeia, tendo a pressão aumentado na quarta-feira com uma manifestação à frente do Parlamento, que contou com a presença da presidente do Comité, Kata Tüttő, e de vários representantes portugueses.
Mas o que está afinal em causa? O que é o Quadro Financeiro Plurianual?
O Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia é o orçamento de longo prazo da UE, normalmente de sete anos, que define quanto dinheiro a Europa pode gastar e em que áreas — por exemplo, Política de Coesão, Política Agrícola Comum (PAC), Política Comum das Pescas (PCP), inovação, defesa, migração, ambiente, entre outras.
Atualmente, os fundos são geridos em parceria entre a Comissão Europeia, os Estados-membros, as regiões e as autoridades locais, que negociam e aplicam programas regionais concretos. Isto significa que há programas regionais (por exemplo, para o Norte, Centro, Alentejo, Açores, Madeira, etc., no caso de Portugal), cada um com autonomia para definir prioridades — como infraestruturas, apoio a empresas locais ou formação profissional — sempre em articulação com Bruxelas. Ora, com a nova proposta da Comissão passaria a haver um único plano nacional negociado apenas com o governo central de cada Estado-membro, ou seja, as regiões e municípios deixariam de negociar diretamente com a Comissão Europeia.
"Projeto da UE é fragilizado e colocado em perigo pela proposta da Comissão Europeia"
Para o eurodeputado socialista André Rodrigues, "a proposta da Comissão Europeia fere de morte a política de coesão, que é uma política que foi responsável pela história do sucesso e da construção deste projeto comunitário". "É um ataque direto ao coração da UE, que é a política de coesão."
André Rodrigues tem expectativa de que ainda seja possível a Comissão Europeia "inverter o caminho". "Se assim for, estaremos em condições de reanalisar este processo. Mas se não for assim, se mantiver esta proposta, não terá outro remédio se não contar com o chumbo da maioria do Parlamento Europeu."
Já o social-democrata Carlos Carvalho, membro do Comité das Regiões, classificou a proposta como “um claro retrocesso” e deixou um alerta: “Vamos acabar por aumentar as assimetrias, por aumentar aquilo que já são as diferenças entre territórios menos beneficiados, porque com toda a certeza que os fundo, que felizmente ao longo destes anos têm chegado a essas regiões, dificilmente vão irão chegar. Isso vai criar graves problemas a países como Portugal.”
No mesmo sentido, Vasco Cordeiro, que também marcou presença na manifestação de quarta-feira, não tem dúvidas de que a proposta da Comissão representa um "desafio gigantesco". Para o atual presidente da Comissão de Política de Coesão Territorial e Orçamento da União Europeia e antigo presidente do Comité das Regiões, a política de coesão está a ser "sacrificada em benefício de um conjunto de outras áreas".
É preciso não esquecer que a coesão social, territorial e económica entre os países e os territórios da UE é um dos objetivos dos tratados. Portanto não é apenas uma questão de perceção ou de entendimento conjuntural, é um pilar essencial deste projeto político. A minha leitura é que esse pilar essencial desse projeto político que é a União Europeia é fragilizado e colocado em perigo pela proposta da Comissão Europeia.
O Comité Europeu das Regiões é o órgão consultivo da UE que representa as autoridades locais e regionais dos Estados-Membros. Com sede em Bruxelas, o Comité tem como principal missão garantir que a voz das cidades e regiões seja ouvida no processo de decisão europeu. Por exemplo, se a Comissão Europeia quiser aprovar uma nova lei sobre transporte urbano sustentável, o Comité das Regiões será consultado para emitir um parecer, explicando, por exemplo, como é que a lei pode ou não afetar as comunidades.
A delegação portuguesa do Comité das Regiões Europeu é composta por 12 membros efetivos — José Manuel Ribeiro, Miguel Albuquerque, Vasco Cordeiro, Luís Antunes, José Bolieiro, Carlos Carvalho, Pedro Miguel Ribeiro, Vítor Guerreiro, Basílio Horta, Ribau Esteves e Ricardo Rio.
Depois das eleições autárquicas em Portugal, estão previstas alterações, quer porque atingiram o número limite de mandatos, quer porque perderam o lugar nas autárquicas. A TSF sabe que apenas três deverão manter o cargo.