Ricardo Rio defende mais poder político para as cidades na estrutura da União Europeia
O autarca de Braga critica na TSF os modelos de centralização para a distribuição de verbas europeias e defende o envolvimento das regiões
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O representante de Portugal na Comissão de Política Económica, no Comité Europeu das Regiões, Ricardo Rio, criticou o que disse ser a subvalorização do poder local “pelos Governos nacionais e pelas instituições europeias”. Na perspetiva do ainda autarca de Braga, deveria ser constituída uma estrutura de governação que assegurasse um “diálogo regular entre as cidades e as instâncias da União Europeia”.
Em entrevista ao programa Fontes Europeias, da TSF, Ricardo Rio afirmou que “o Comité Europeu das Regiões ainda é um pouco o parente pobre da orgânica institucional europeia”, sublinhando que “é importante que essa tendência seja invertida”. O autarca acrescentou, porém, que “há sinais de que tal possa acontecer”, referindo-se à futura apresentação, pela Comissão Europeia, de uma “agenda europeia para as cidades”.
“É preciso passar das palavras à ação e é preciso realmente criar condições para que as cidades e os seus representantes sejam mais ouvidas na formatação das políticas europeias, que tenham mais recursos para a concretização dessas mesmas políticas e que, obviamente, sejam criadas todas as condições para que a sua participação seja uma participação ativa na implementação dessas mesmas políticas e não apenas, como muitas vezes acontece, uma invocação quase de natureza formal para justificar esse mesmo envolvimento”, afirmou.
Estrutura
Questionado sobre como poderia ser reforçado o papel do poder local na União Europeia, Ricardo Rio admitiu que a criação de uma estrutura permanente “poderia ser um dos mecanismos”, referindo-se à hipótese do Comité das Regiões evoluir para uma espécie de Senado Europeu das cidades e regiões.
Ricardo Rio considera necessária “a criação de uma estrutura de governo multinível que promova um contacto mais regular entre os diversos poderes europeus, o Conselho, a Comissão, o próprio Parlamento e os representantes destes órgãos consultivos, como é o caso do Comité das Regiões”.
O autarca considerou também essencial que “as cidades consigam, de uma forma regular, promover esse mesmo diálogo com os representantes europeus de maneira a poderem desde a raiz, e não apenas já numa fase final, incorporar na formatação das políticas europeias aquilo que são as preocupações das cidades e aquilo que nós antecipamos do impacto que qualquer estratégia europeia possa ter também nos nossos territórios”.
Em relação à questão do financiamento, afirma ser necessário “não segregar as cidades e deixar-lhes uma oportunidade de acesso direto a financiamento europeu”, bem como “dar-lhes um papel importante nos fundos que agora, no âmbito das novas perspetivas financeiras, vão ser desenvolvidos, inclusive em áreas que muitas vezes não são tidas em conta”.
Fundos
O autarca criticou ainda “a centralização dos fundos europeus”, referindo-se em primeiro lugar ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas também as discussões em curso sobre o futuro quadro financeiro, como exemplos de diminuição da margem de ação das autarquias.
“Em primeiro lugar, a centralização em planos nacionais, desde logo, é correr o risco, em países que são ainda mais centralistas ou até, em alguns casos, ativamente cerceadores da liberdade de ação dos poderes locais do que é Portugal, de que isso seja um mecanismo de controlo da atividade das autarquias locais e muito limitador do seu impacto no território”, sublinhou.
Ricardo Rio afirmou que “em muitos países europeus é isso que acontece”, alertando que “os governos nacionais quando não são alinhados politicamente com as estruturas locais fazem um combate ativo ao trabalho das autarquias”.
“Mesmo em países como Portugal, em que nós sabemos que existe ainda uma grande vocação centralista e o próprio PRR foi uma demonstração clara disso mesmo, o não haver uma cativação à cabeça de verbas para investir nos territórios e através de agentes locais, o não haver o envolvimento desses agentes na definição das prioridades estratégicas é obviamente correr o risco de que os resultados não sejam os que se desejam”, acrescentou.
Defesa
O presidente cessante da Câmara de Braga apresentou, esta semana, um parecer no Comité das Regiões sobre a estratégia de defesa europeia, rejeitando a ideia de que os novos investimentos nesse domínio possam comprometer a coesão territorial.
“Não de todo e vejo como uma necessidade até”, sublinhou, destacando que “uma das ideias fortes” presente no relatório “é que a defesa não é concorrencial com a coesão, no sentido de que tem que ser, é um veículo também de assegurar essa mesma coesão”.
Ricardo Rio considerou que essa visão passa por “olhar para as necessidades específicas dos territórios” e “aproveitar os recursos dos territórios para também potenciar o desenvolvimento económico de toda a União Europeia”.
Coesão
O autarca de Braga apresentou ainda a sua visão sobre o papel das cidades de média dimensão, no contexto da promoção da coesão territorial, considerando que cidades como Braga podem ser “motores dessa coesão territorial”.
“São cidades que têm ainda, na sua esmagadora maioria, elevados níveis de qualidade de vida e excelentes redes de infraestruturas e de serviços públicos. Não é por acaso que no último Eurobarómetro Braga aparecia no nono lugar a nível europeu com 94% dos nossos cidadãos a dizerem que se sentiam felizes por viverem na cidade”, sublinhou.
Europa
Nesta entrevista, Ricardo Rio abordou ainda a relação entre o poder local e a União Europeia, destacando o papel das autarquias no combate ao euroceticismo.
“O poder local pode ser um veículo muito importante, até porque o próprio poder local é normalmente percecionado (...) como o poder de maior confiança e de maior proximidade com os cidadãos”, afirmou.
Ricardo Rio defendeu ainda que “uma maior ligação entre os poderes locais e as estruturas europeias pode ser um excelente canal para reforçar essa perceção” e apelou a uma mudança de atitude dos governos nacionais: “Os próprios poderes locais e os próprios Governos nacionais têm que abandonar esta tendência que sempre se verificou de que tudo que corre mal é culpa da Europa e tudo que corre bom é mérito nosso.”