"Bravíssimo!" Médico e eurodeputado italiano elogia estratégia de Portugal contra a pandemia
Habituados a outras crises, igualmente trágicas, os habitantes da Ilha italiana de Lampedusa, vivem atualmente num género de oásis, num país devastado pela pandemia provocada pelo novo coronavírus. Mas, obviamente, não está tudo bem na ilha, confinada preventivamente por causa da Covid-19.
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O relato chega à TSF através do médico italiano Pietro Bartolo, ele que nos anos da crise migratória ajudou no socorro daqueles que chegavam às praias de Lampedusa.
Entrevistado a partir de Bruxelas, numa chamada para Lampedusa, onde cumpre isolamento, considera que o combate à Covid-19 só será bem-sucedido, se ninguém for deixado para trás. É por essa razão que se entusiasma, quando confrontado com a estratégia portuguesa, de incluir os migrantes no plano nacional de ataque ao coronavírus.
"Bravíssimo", é o comentário espontâneo perante a ideia "extraordinária", que garante cuidados de saúde aos migrantes e ao mesmo tempo assegura o controlo do vírus.
Lampedusa não tem casos de Covid-19. Há mais de duas semanas que não chegam embarcações de migrantes, muito à custa do mau tempo, no inicio tímido da primavera no Mediterrâneo. Mas, não escapa aos impactos do confinamento.
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Como está agora Lampedusa? Nota-se algum impacto na ilha, tendo em conta o que está a acontecer na Itália continental?
Com certeza. A circunstância de ver uma ilha, que é muito animada, uma ilha em que todas estas pessoas agora já não se veem por aqui. Parece uma ilha completamente despovoada e não se vê ninguém na rua. É algo que nos faz impressão, que dá uma sensação de tristeza, que também nos faz sentir, digamos, deprimidos. Porque é uma situação terrível, que trás muito medo as pessoas, que obviamente estão assustadas. Este é um vírus implacável e, portanto, é bom que haja um pouco de medo, porque o medo faz reagir da maneira certa. Claro que não é entrar em pânico, porque o pânico faz errar.
É esse medo doseado que tem permitido às pessoas de Lampedusa manterem-se distantes do vírus?
Digamos que não temos problemas com o coronavírus, somos uma ilha bastante protegida. Mas, devo dizer que foram tomadas medidas muito eficazes [em Lampedusa] e também devo dizer que as pessoas aqui são muito cuidadosas sobre a forma como seguem as indicações de proteção que foram dadas. Então eles respeitam perfeitamente todas as indicações.
Como é que é a situação relativamente aos migrantes? Continua a haver embarcações a chegar às praias de Lampedusa.
Atualmente, no que diz respeito aos migrantes, há cerca de quinze dias que não chega ninguém. Também porque tem estado um violento mau tempo. Os que estavam em Lampedusa, chegaram há já duas semanas, - cerca de setenta pessoas, que foram transferidas para a Sicília. Obviamente, com todas as devidas cautelas e com máscaras, com todos os controlos realizados, para que fossem colocados de quarentena, como qualquer outra pessoa. Essa é a medida certa para nós. E, também é para eles, obviamente.
Como são as condições na ilha, em termos de socorro, uma vez que não dispõem de um hospital?
Efetivamente, digamos que, uma grande estrutura sanitária, não a temos. Obviamente, temos um serviço ambulatório, e um posto de saúde, do qual eu era diretor, e criei uma boa estrutura desde o início. Claro que não é um hospital, no entanto, temos um helicóptero de resgate que está operacional 24 horas por dia, com urgentistas de reanimação a bordo, disto que é, praticamente, a nossa ambulância, e que nos dá garantias, se eventualmente houver algum caso de coronavírus, que possa precisar de ser hospitalizado em terapia intensiva.
O helicóptero garante assistência na ilha, caso fosse necessário transportaria as pessoas para um grande hospital?
É um helicóptero que é a nossa ambulância. E, com uma viagem de três quartos de hora, ou no máximo uma hora, chegamos aos grandes hospitais da Sicília, com os quais fizemos uma convenção, que se aplica a nós, mas também se aplica aos migrantes e aplica-se a todos. Porque, para nós, na gestão da saúde nunca se fez diferença, nunca distinguimos. Pelo menos enquanto eu aqui estiver. Acredito que agora entre a população local e os migrantes é igual.
Ou seja, em Lampedusa, as autoridades estão a adotar uma política idêntica à que está a ser seguida pelo governo português. Creio que tem conhecimento que Portugal adotou medidas semelhantes durante a pandemia, relativamente aos cuidados de saúde com os migrantes. Pelo que descreve relativamente a Lampedusa, suponho que saúde estas políticas.
Bravíssimo. Apreciei muito o que fez [António] Costa. O primeiro-ministro português fez uma coisa extraordinária, que é inteligente sobre todos os pontos de vista. Do ponto de vista humano, de dar a oportunidade de um tratamento como residentes, porque dá a possibilidade a essas pessoas, de terem assistência médica e acesso a serviços de saúde, em primeiro. E, por essa razão, dá a possibilidade de rastrear, de saber e de conhecer a situação de saúde dessas pessoas, especialmente num momento destes, em que existe esta pandemia. E, portanto, tem a possibilidade de manter estas pessoas sob controlo. E, estas pessoas, são pessoas como nós, como você, como os anfitriões, como Costa, como Orban e como toda gente. São pessoas. E, assim, elas têm oportunidade de trabalharem regularmente. Acredito que o primeiro-ministro português fez algo que é humano e é inteligente.
Tem acompanhado uma situação na fronteira da Grécia com a Turquia?
Digamos que a situação por enquanto na Grécia, nas fronteiras é absolutamente terrível. Mas isso não é só de agora. Ainda que agora seja mais terrível, porque a situação piorou, com a desculpa do vírus. Agora estão a fechar tudo. Criaram uma prisão real, onde não deixam entrar, nem sair ninguém. Onde existem associações de voluntários. Diversas associações, onde há também a Cruz Vermelha e a unidade da Organização Internacional para as Migrações, ou o Acnur. Eles estão a tentar dar alguma ajuda. No entanto, sabemos que em ambas as ilhas, os vários centros de ajuda, na Grécia, estão a rebentar. Estão mais de 40 mil pessoas, nesses campos, que apenas têm capacidade para albergar uns poucos milhares. Portanto, estão a passar por uma situação terrível, do ponto de vista higiénico-sanitário. E, isso pode ser um risco real para um possível surto epidémico. Porque, se introduzem o vírus, torna-se um problema lidar com uma situação tão pesada.
Relativamente às migrações, não têm faltado críticas à Europa, sobre as dificuldades que tem tido na abordagem do problema. Sendo médico e eurodeputado, como é que avalia a reação da União Europeia à pandemia do coronavírus?
Devo dizer que foi um pouco lenta. Avaliou por baixo. Subavaliou. Devo dizer que a situação de Itália também foi subestimada. Com situação subavaliada, houve medidas que, evidentemente, não foram tomadas. E, portanto, todos os Estados foram deixados para trás. Isto é como o discurso sobre as migrações. Cada um por si. E, isso foi uma coisa errada.
Os Estados deveriam ter sido rapidamente solidários, nomeadamente com Itália?
Quando os problemas afetam toda a Europa, acredito que deve haver diretivas europeias, nomeadamente uma sala de controlo, que possa dar instruções, que possa dar diretrizes comuns a todos os países. Seja de um ponto de vista sanitário, para lidar com os problemas sanitários urgentes, para combater um vírus, com todas aquelas normas e todas as regras, que devem ser iguais para todos os países, porque é um problema que afeta todos os países. Deve ser o mesmo para todos, de modo a que quando lutarmos e vencermos a batalha, fomos todos que vencemos a batalha. Mas, em vez disso, descobrimos que todos agem por conta própria. E, isso também se aplica não só à primeira abordagem a esta pandemia, mas também a tudo o que a pandemia acarreta. E, é o desastre. É o desastre socioeconómico, - quando sairmos da pandemia - mas, que teremos por muito tempo. Mesmo quando a pandemia estiver terminada.
Têm sido tomadas algumas medidas, em matéria de flexibilização das regras orçamentais e das ajudas de Estado. Também há algum dinheiro em cima da mesa, para uma primeira resposta. Isto não são sinais de uma solidariedade europeia?
Digamos que neste caso também, a princípio, a Europa encarou de ânimo leve, talvez subavaliando. E, muitos mudaram de posição. Especialmente, todos os países do norte que não entenderam nada. E, também a Alemanha. E, devo dizer também todos aqueles países do leste europeu que, nem mesmo sendo prejudicados, aceitam compartilhar. Houve atrasos. Perceberam muito tarde que o fenómeno é muito grave e pode causar danos sociais e económicos. E, não apenas para os países mais afetados - Itália, Espanha e outros países. O problema também afetará o resto da Europa, porque se a Itália falhar, a Europa falhará. E, se outros países falham, a Europa falha. É preciso um grande sentimento de solidariedade. E, sem divisões, partilhar para o benefício de todos. Porque o problema é de todos. Não é um problema de Espanha, de Portugal, ou de França. É um problema de todos. Ninguém está a salvo.
Isso também é válido do ponto de vista económico?
Do ponto de vista económico, se não se usar todas as ferramentas, se não se colocarem à disposição todos aqueles instrumentos, todas aquelas práticas, se não se colocarem fundos e dinheiro que possa apoiar no desemprego (que leva à fome), que possa salvar pequenas e médias empresas, - mesmo aqueles que trabalham sem descontar, que são invisíveis, e até imigrantes. Se não se fizer uma recuperação da economia, que seja maciça, importante, com milhões de milhões de euros. Não com milhares, mas com milhões de milhões de euros. Que sejam quatro, ou que sejam cinco, seis ou 10. É que o problema pertence a toda a Europa. Todos nós sofreremos as consequências. Portanto, se somos ambiciosos, corajosos, não olhemos apenas para o nosso próprio quintal, e para a nossa própria casa, porque é um problema que afeta todos. Se há alguma coisa que podemos entender agora, é isto.
Mas essa mensagem não perece assimilada por todos. Perante isto, identifica riscos de fragmentação na União Europeia?
O risco de fragmentação na Europa, penso que só será evitado, quando no final da pandemia, cada um de nós começar a refletir que a fragmentação não é conveniente para ninguém, não convém a ninguém. Para sermos fortes, precisamos estar juntos. Para sermos fortes, devemos partilhar. Para sermos fortes, devemos estar unidos. Apenas se estivermos unidos, é que permaneceremos fortes. Porque sabemos que estamos cercados por aqueles que nos querem, digamos, estrangular. Por um lado, temos Rússia, China, Índia. Por outro lado, temos a América. Creio que todos temos interesse em nosso próprio rendimento. Mas, somos pequenos demais, somos muito frágeis, e isso não é bom para ninguém. Mas, se estivermos todos juntos, aí encontraremos a verdadeira força do continente, mais forte do mundo, porque o somos.
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