Espanha com "grande" desafio de governação e cenário "muito possível" de novas eleições
Marcos Farias Ferreira defende que o líder do PP, Feijóo, "rapidamente" perceberá que não tem via para governar. Aí, caberá a Sánchez perceber o que pode oferecer aos partidos "mais críticos", como os independentistas, mas Seixas da Costa alerta que a sua liderança pode ficar em causa.
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Espanha acorda esta segunda-feira com um resultado inconclusivo de umas eleições legislativas em mãos e com um Governo à espera de acordos entre partidos para poder ser formado, mas a matemática parlamentar não se adivinha fácil.
O PP elegeu 136 deputados (mais 47 do que tinha) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, no poder) conseguiu mais dois, ficando agora com 122. As sondagens apontavam para uma possível maioria absoluta do PP com o VOX, mas o partido de extrema-direita perdeu 19 deputados e os 33 que elegeu não permitiram alcançar os 176 para o bloco de direita garantir o Governo.
O Sumar (extrema-esquerda), cujos partidos integram a coligação governamental liderada pelo PSOE, ficou com 31 deputados no novo parlamento. Assim, e para evitar novas eleições, entram nas contas os partidos independentistas da Catalunha e do País Basco, como explicou na TSF Marcos Farias Ferreira, investigador de Relações Internacionais do Instituto de Ciências Sociais e Políticas.
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As tentativas do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, para formar um executivo "vão ser goradas rapidamente" por falta de "caminho para a governação", antevê o especialista.
Por outro lado, o líder do PSOE, Pedro Sánchez, "vai fazer todo o possível por conseguir a abstenção e conseguir, numa segunda votação, essa maioria simples". Mas por aí passa também o que este possa conseguir "oferecer ao conjunto de partidos mais críticos, que pedem o referendo pela independência na Catalunha, por exemplo".
Sánchez "não lhes pode oferecer um referendo", mas terá de encontrar uma forma de "conseguir a abstenção" num cenário de umas segundas eleições, até porque será "muito difícil" conseguir à primeira os 176 deputados necessários para a maioria.
"À segunda, onde é só necessário a maioria simples, ainda precisa da abstenção da maior parte destas forças. Mas também já se viu que ele é hábil neste processo de envolver as forças nacionalistas", que têm neste momento "muito pouco a perder em subir a parada".
Perante um "grande" desafio para a governação em Espanha, "um cenário muito possível é haver novas eleições".
O jornal espanhol El País disponibiliza esta segunda-feira uma "calculadora de alianças" no parlamento, numa indicação das muitas negociações que poderão ser necessárias para conseguir formar o próximo Governo de Espanha.
Além dos 136 deputados do PP, dos 122 do PSOE, dos 33 do VOX e dos 31 do Sumar, elegeram também a ERC (sete), o JUNTS (sete), o EH BILDU (seis), o EAJ-PNV (5), o BNG (um), a CCA (um) e a UPN (um).
Para Francisco Seixas da Costa, estes resultados são "uma derrota" para Sánchez, "sso é muito claro", porque a "tentativa de antecipar as eleições legislativas no sentido de evitar um desgaste até dezembro acabou por falhar".
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Em declarações à TSF, o diplomata assinala também que o resultado atingido pelo Sumar, que se apresenta "com algum peso", significa que vai haver "uma crise no seio da esquerda" e que, "muito provavelmente, a própria liderança de Pedro Sánchez vai ficar em causa".
Já Ana Isabel Xavier, investigadora no Instituto de Relações Internacionais do ISCTE, vê na perda de mandatos do VOX um sinal de que "muitos daqueles que quiseram votar contra Sánchez e quiseram criar um voto de protesto o fizeram no PP e não no VOX".
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Assim, o partido de Abascal assume-se "como um partido que tem um eleitorado muito fixo, que se revê muito naquilo que o VOX representa", mas "pode perder aquilo que durante muito tempo foi considerado, [que é] um movimento, um partido de protesto".
Jornais espanhóis espelham incerteza
A imprensa espanhola reflete a incerteza política resultante das eleições legislativas antecipadas de domingo, com a esquerda a impedir uma maioria absoluta da direita, apesar da vitória dos conservadores do Partido Popular (PP).
"PP vence mas a resistência de PSOE e Somar frustra a sua maioria com o VOX e deixa o governo no ar", destaca o diário El Pais na respetiva página na Internet, logo abaixo dos resultados eleitorais.
"Feijóo não corresponde às expectativas, mas reivindica o direito de governar" é outro destaque da noite eleitoral no El Pais, que também dá conta de que o líder do VOX Santiago "Abascal responsabiliza Feijóo pelo 'fracasso da alternativa' ao desmobilizar a direita".
À esquerda, o mesmo jornal diz que "PSOE renasce das cinzas do 28-M para melhorar o resultado de 2019", numa referência à derrota socialista nas municipais de maio, e "Somar agarra-se a um possível restabelecimento do governo de coligação".
O diário El Mundo titula "Feijóo ganha as eleições mas Puigdemont poderá fazer Pedro Sánchez presidente", referindo-se ao dirigente catalão demitido pelo governo espanhol em 2017, por ter tentado proclamar um sistema republicano na Catalunha.
"O triunfo foi amargo para o PP e a derrota foi doce para o PSOE", diz o mesmo jornal.
"Sánchez poderá regressar ao governo através de uma nova aliança de derrotados e com a aquiescência - sob a forma de abstenção - do Junts, o partido do fugitivo Carles Puigdemont", acrescenta.
No editorial, o El Mundo fala num "cenário incerto com o país nas mãos de Puigdemont e Bildu", recordando que nunca um partido que perdeu as eleições governou em Espanha.
O ABC também destaca que "Feijóo vence, mas Sánchez pode governar se for apoiado por Puigdemont".
No editorial com o título "A Espanha na sua maior incerteza", o ABC refere que "contrariamente a quase todas as previsões, o resultado eleitoral frustra as expectativas do bloco conservador e torna improvável uma alternativa ao governo de Pedro Sánchez".
"Feijóo vence mas não chega à Moncloa e Sánchez precisaria de Junts para ser investido" é o título em destaque no La Vanguardia.
O jornal com sede em Barcelona também diz que o líder do PP tentará formar Governo e que Sánchez "resiste ao tsunami das direitas".
O catalão La República destaca que "Independentismo volta a ser crucial: Junts e ERC têm a chave para eleger Sánchez presidente".
O jornal El Diario Vasco titula "Feijóo vence, Sánchez resiste e ambos têm a oportunidade de governar", acrescentando que "o espetro de um impasse e de uma nova eleição paira sobre o novo parlamento".
O La Voz de Galicia destaca que "PP ganha as eleições, mas o PSOE resiste e Junts estabelece as condições para a investidura de Sánchez".